Capítulo 6. O Príncipe Guerreiro.

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Ao longo dos séculos, a subespécie denominada de humanos, sob a influência do pseudo-Eu, tem se multiplicado em quantidade e em capacidade de influenciar o mundo. Acreditam que as trágicas consequências dessa ocupação sejam meros efeitos colaterais inerentes ao progresso. A população subjugada e ignorante volta aos seus opressores, os ricos e poderosos, grande parte de sua reverência. Líderes são elevados a altares e adorados como divindades. Objetos feitos de metais são cada vez mais idolatrados. Na busca incessante pela felicidade, agrupam-se em centros urbanos, erguem-se em arranha-céus e movem-se uns sobre os outros. Paradoxalmente, entretanto, estão cada vez mais distantes em uma relação marcada por ódio, poder e controle, muitas vezes de maneira dissimulada e sem escrúpulos. Não há mais tempo ou disposição para refletir sobre o que é verdadeiramente valioso. A produção de bens materiais acarreta custos para o planeta, os quais têm sido negligenciados. Tais bens já não conferem benefícios tão relevantes, uma vez que a prioridade dos preços se sobrepõe à importância dos valores. A individualidade se dissolve no coletivo individualista à medida que a globalização suplanta a civilização. A ética perece à medida que as guerras se consolidam acima do bem e do mal.

***

4º dia

No quartel, o dia desponta, mas a condição persiste inalterada. A falta de energia não concede trégua, revelando uma clara propensão das pessoas para manifestações de comportamento mais instintivo. A obtenção de água e alimento emerge como prioridade, enquanto disputas territoriais se desenrolam. Há quem busque resguardar o que possui e outros que almejam conquistar. Ademais, observa-se uma alteração no senso moral. Na ausência de uma ordem pública estabelecida, muitos liberam a perversidade anteriormente reprimida, resultando no aumento exacerbado de furtos, homicídios e estupros.

Posteriormente às narrativas de Vanda, todos passam a vislumbrar uma compreensão mais tangível dos acontecimentos e a conjecturar acerca da existência para além do perímetro do bairro.

— Gente, eu estive pensando essa noite — alguém diz. — O que deve ter sido feito com as pessoas nos presídios? Será que soltaram ou deixaram lá, presos?

— Nossa! É mesmo. Mas as cadeias daqui não seguram ninguém. Se não soltaram, eles devem ter conseguido fugir. E se não conseguiram, eu quero mais que todos morram. Já pensou? Uma grande quantidade de criminosos soltos.

— Credo! Eles têm que pagar pelos crimes que cometeram. Mas querer que morram, é cruel.

— Sabe o que eu estava pensando? — outra pessoa diz. — E as embarcações? Cargueiros, cruzeiros, barquinhos... Será que estão todas à deriva?

— Tem mais — mais uma pessoa fala. — Se não veio ninguém nos ajudar até agora, setenta e duas horas depois que o avião caiu, é porque o mundo inteiro está assim.

Eduarda não consegue conter as lágrimas, e chora. Ela tenta falar, porém as palavras não fluem. Todos ao redor se esforçam para confortá-la. Quando os soluços diminuem, finalmente ela consegue se expressar: — Meus filhos. Como eles devem estar agora? Será que eles estão bem, ou estão sentindo minha falta? E o frio? A casa da Eugênia é aquecida a gás. Mas a do Edson eu não sei. Se acabar o gás, eles vão morrer congelados.

Todos permanecem em silêncio, refletindo sobre o estado provável de seus familiares e amigos. O receio cede lugar à sensação de impotência, e logo, a melancolia comprime o coração de cada um.

— Tenho medo de ir encontrar meus familiares e deles virem me procurar, e desencontrarmos. São trinta e cinco quilômetros daqui à casa do meu parente mais próximo. Eu não aguentaria o caminho. Nem se estivesse tudo em paz. A gente devia ter combinado, antes, um local de encontro, pra uma emergência como essa.

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