Capítulo 12. Está Feito.

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A vida biológica emerge como um fenômeno extraordinariamente raro no vasto universo conhecido pelos pré-humanos. Uma espécie de magia que infunde vitalidade à matéria por um período finito, até ser ceifada por um processo irreversível que põe termo a todas as atividades fisiológicas. E, entre os organismos que preservam o estado mais propício à vida, a entidade viva dotada do sistema de auto-organização mais complexo, o ser vivo cujo sistema fisiológico é menos compreendido, é a Terra. Muito além de uma esfera inerte, o planeta impôs ordem ao caos. Evoluiu para estabelecer sistemas circulatório, digestivo, respiratório, nervoso, cognitivo e consciente. Contudo, um de seus órgãos demonstra várias insuficiências. Com oito bilhões de neurônios mal interligados, o órgão pensante da Terra enfrenta uma desvinculação com o todo. Desenvolveu tecnologias que o levaram a acreditar estar progredindo, mas, na realidade, essas tecnologias têm sido responsáveis por agressões aos ciclos naturais, transformando abruptamente o ambiente com agentes artificiais e destrutivos, degradando todo o planeta. Converteu o paraíso em um vasto depósito de lixo, esgoto e rejeito. As reações naturais de regeneração já não conseguem restaurar a homeostase. Como um tumor em crescimento, seu cérebro está paralisando suas funções reguladoras. O planeta sofre de febre. Sua saúde se enfraquece. Os pré-humanos, agindo como o sistema consciente da Terra, distorcem a percepção da realidade. Alguns acreditam estar triunfando em todas as batalhas, sem perceber que foram longe demais, que têm muitas bocas para alimentar e que a crise se aproxima. Alguns são pseudoambientalistas repletos de boas intenções, mas também são burgueses, financeiramente abastados, urbanoides e alienados. Quase todos se acomodam diante dos sintomas brandos que o planeta vem exibindo, fingindo desconhecer que seu sistema imunológico não modifica o clima de maneira lenta e gradual como desejariam. Em busca da sobrevivência, a reação da Terra será semelhante à de um ladrão que surge repentinamente durante a noite. A vida da humanidade será tomada por não ter enfrentado os desafios da evolução. Entretanto, este oásis no sistema solar ainda corre o risco de se extinguir, se sofrer um ataque fulminante das armas nucleares, na derradeira de todas as guerras.

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Ao longo de quarenta dias e quarenta noites, no colapso do ecossistema artificial instaurado pela influência da entidade que se opõe a Mim, a manifestação de sua principal característica, o egoísmo, tornou-se incontestável. Como em uma jornada solitária através do deserto, ele se viu compelido a empregar qualquer meio necessário para assegurar sua existência. O sol agiu como o detonador de uma bomba, revelando todas as fragilidades do mundo por ele moldado.

Últimos dias

A Guerra eclode com a iniciativa de um indivíduo, crendo que ao agir proativamente poderia obter alguma vantagem. Os demais países reagem, lançando-se mutuamente em conflitos. Bombas de hidrogênio explodem com estrondo, irradiando luz, calor e radiação. É como se o próprio Sol estivesse precipitando-se sobre a Terra, e todas as estrelas convergindo para o mesmo destino. Os elementos desintegram-se sob o calor intenso, e dois bilhões de vidas são aniquiladas instantaneamente. Corpos derretem-se, assim como o aço e o concreto. A guerra se desenrola em poucas horas, deixando uma extensa porção da Terra em ruínas.

Os sobreviventes, contaminados pela radiação, sofrem com chagas, tumores, náuseas, vômitos, hemorragias e efeitos neurológicos. Muitos sucumbem às adversidades.

O magnetismo terrestre, um escudo contra a radiação solar, naturalmente enfraquecia ao longo dos séculos. Assim, permite que ejeções de massa coronal adentrem a atmosfera, provocando consequências devastadoras para a vida e os aparelhos eletrônicos. A tempestade solar afeta o núcleo terrestre, somando-se aos abalos sísmicos das bombas nucleares e resultando no colapso das placas tectônicas. Terremotos e tsunamis de magnitude inédita assolam todos os continentes. Edificações e até mesmo montanhas desmoronam como castelos de cartas. Plataformas petrolíferas, dutos, navios e usinas termoelétricas disseminam óleo nos oceanos. Onde outrora existiam usinas nucleares, rios e mares são contaminados por radiação, levando à extinção quase total da vida. Vulcões entram em erupção, expelindo lava e causando danos significativos.

Espessas nuvens de fumaça emanam dos vulcões, unindo-se à poeira das explosões das bombas e cobrindo tudo. A grande nuvem escura paira sobre o céu, obscurecendo o sol e fazendo a lua desaparecer, mergulhando a Terra na escuridão por sete anos. As árvores perdem folhas, as paisagens perdem cores, e as plantações são dizimadas. A maior parte da água está contaminada, e o ar torna-se venenoso. Sob a ausência de luz solar, o frio atinge extremos recordes. O inverno nuclear, somado ao inverno vulcânico, congela o planeta. Não há mais chuvas. Rios secam, outros congelam. Florestas e mares transformam-se em desertos de gelo. O tempo passa, mas não restaura sinais da civilização.

Quando a atividade vulcânica diminui e a poeira se dissipa, o sol volta a brilhar, a temperatura eleva-se e o gelo derrete. A água evapora, formando nuvens de chuva. Tempestades ressurgem, mas agora em intensidades e regiões completamente distintas. Relâmpagos cortam o céu em todas as direções, desencadeando incêndios maciços nas poucas vegetações restantes. Ruínas de cidades, marcadas por bombas e terremotos, são consumidas pelo fogo, deixando apenas fumaça e poeira. Quando o céu desaba sobre a Terra, rios transbordam, escapam de seus leitos e rompem represas. O mar, com bramido e agitação, destrói diques e barreiras, avançando sobre o continente e retomando seu espaço. Ciclones se formam em centenas de locais simultaneamente, e chuvas de granizo produzem pedras do tamanho de cordeiros.

Cerca de um bilhão de indivíduos não logram sobreviver às tribulações decorrentes da reação da natureza. Fauna e flora assemelham-se à extinção. O mundo transforma-se em vasto ermo, ora congelado, ora abrasador, ora árido, ora submerso.

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Eudes desperta com a visão turva e percebe alguém envolto em vestes alvas. Confuso, busca compreender os eventos, mas logo se esvai.

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A Terra aquiesce. Seu sistema imunológico triunfa sobre a infecção pelos pré-humanos nocivos. Algumas sementes germinam, dando origem a pequenos oásis em meio ao vazio. As espécies sobreviventes esforçam-se para readquirir seus domínios. Menos de cento e cinquenta mil pessoas persistem, resguardadas em montanhas e vales, ainda paradisíacos.

Ao longo de mil anos, os sobreviventes e seus descendentes vivenciam a paz e a justiça. Estabelecem lares e pequenos aglomerados. Desenvolvem utensílios a partir de ossos e rochas, e pigmentos são explorados por crianças na criação de pinturas em superfícies rochosas.

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