Cassandra andava de forma letárgica, passo após passo, sentindo a grama fria em seus pés desnudos. Ela olhava para frente de forma hipnótica, ignorando as explosões e o fogo que chiava as suas costas.
Ela estava fingindo que era uma exploradora corajosa, desbravando a floresta perigosa à sua frente. Em sua mente, não estava coberta de sangue, não estava dolorida e cansada, ou com frio e medo. Em sua cabeça, ela era o Indiana Jones, enfrentando a aventura de peito aberto.
"Eles vão chegar em breve." Eldritch grunhiu, olhando para trás por ela. "Consigo sentir o cheiro dos cachorros farejadores."
— Não há mais nada que possamos fazer. — Ela falou com uma tranquilidade forjada. Seu coração estava acelerado e ela só queria encolher-se em um canto e chorar, mas não o faria, afinal de contas, ela era uma aventureira.
"Bem, você pode colocar essas fudidas pernas para correr!" O demônio sevandija reclamou, flutuando sobre ela e cruzando os longos braços feitos de piche.
— É fácil falar. Não é você que está andando há horas.
"Também não fui eu que matou todas aquelas pobres mentes alucinadas."
Cassandra parou abruptamente, virando-se para encarar o companheiro. Ela fitou de cenho fechado os espaços onde deveriam estar os olhos dele.
— Você sabe que não foi isso que aconteceu! Eles não acreditariam em mim de qualquer forma.
"Mas você nem ao menos tentou. Poderia ter avisado sobre o fogo, talvez eles checassem duas vezes os botijões de gás."
— Nem sabe do que está falando! — Ela gritou, batendo o pé no chão.
"Mas..." Ele parou de falar e olhou para cima, alerta.
— E além do mais...
"Shh!" Eldritch a silenciou, flutuando um pouco mais para perto da floresta.
— O que você sentiu? — A garota sussurrou se encolhendo.
O líquido vermelho e viscoso que cobria seus cabelos e suas roupas estava pesado e frio, e a fazia tremer. Ela passou a mão nos braços grudentos, tentando se aquecer. Por um instante, ficou estática, apenas ouvindo o som dos pássaros e o vento passar e balançar as folhas das árvores. Esqueceu-se que era Indiana Jones e deixou uma lágrima cair.
— Eldritch...?
"Corra."
— Mas...
"Cassie!" O demônio virou-se para ela rapidamente, em seu rosto esquelético uma expressão alarmada. "Corra! Agora!"
Mas já era tarde. A garota mal teve a oportunidade de se virar para correr quando, do meio das árvores, um enorme tentáculo negro a enlaçou pela cintura, fazendo-a cair de cara na grama. Ela fincou as unhas na terra, em vão. Com apenas um movimento, foi erguida.
— Eldritch! — Gritou, apavorada.
"Eu vou te tirar daí. Deixe-me pensar em alguma coisa."
— Rápido! — Ela choramingou, tentando se segurar em alguns galhos. A criatura que a pegou, seja o que fosse, estava tentando a puxar mais para dentro da floresta. — Eldritch!
"Tá, só... Deixe-me entrar!"
— Não!
"Você quer sobreviver ou não?"
Cassandra grunhiu, os olhos cheios de lágrimas. Da última vez que Eldritch controlou seu corpo, foi um sacrifício para tirá-lo de lá.
"Confie em mim. Só dessa vez."
Ela comprimiu os lábios, ainda agarrada em uma árvore.
"Cassandra!"
— Está bem! Só dessa vez! — Ela fechou os olhos com força. — Seja rápido.
A garota sentiu uma enorme energia rodear seu corpo e queimar sua pele. Ela gritou, parecia que estava dentro do incêndio do internato, dançando no palco do inferno. Lentamente, sentiu-se derretendo, sua alma escorrendo do corpo. Com um último espasmo forte, abriu os olhos.
Cassandra, entretanto, não estava mais dentro do corpo, mas fora, observando tudo como uma espectadora. Ela viu quando Eldritch deu um sorriso de escárnio e soltou o tronco, sendo rapidamente sugado para a escuridão da floresta.
"O que está fazendo?" Ela perguntou, voando o mais rápido que podia para acompanhar o tentáculo e o corpo.
— O que foi? Só quero conhecer o nosso novo amigo. — A voz de Eldritch tinha ficado fina e feminina, como a dela, mas as palavras soavam muito diferentes. Soavam antigas, raivosas, como se pronunciassem uma maldição terrível, ou um segredo há muito morto.
Cassandra se encolhia toda vez que via seu corpo bater nos galhos. Não doeu, é claro. Dor era um sentimento carnal e, naquele momento, ela não tinha... bem... carne. Mas, ainda assim, dava agonia.
Após alguns momentos, o tentáculo finalmente parou e apenas ergueu o corpo da garota. Tanto Cassandra quanto Eldritch engasgaram ao ver a criatura que os havia capturado. Ele era alto, muito alto, e esguio como uma árvore. Tinha longos tentáculos negros como ramos e vestia um terno negro impecável, com uma belíssima gravata escarlate. Seu rosto, se é que podia ser chamado de rosto, era branco. Não tinha olhos, nem nariz ou boca, mas, ainda assim, falava. Não com palavras convencionais, mas com um zumbido que parecia sair de sua pele.
— Aí! Seu feioso! — Cassandra ouviu o colega gritar. — Você quer problemas? Estou sedento por uma briga!
A cena era quase cômica. Uma garota magra e baixinha, xingando como um marinheiro, pendurada por um monstro de pelo menos três metros de altura.
"O que infernos você está fazendo? Vai deixá-lo zangado."
— Cassie, relaxa! — O demônio falou, rindo com escárnio. — Aí, monstrão. Eu já saquei a sua, mas não vai funcionar! Ela é minha!
"Do que está falando?"
— Ele é um monstro psíquico. Está tentando entrar aqui. — Indicou a própria cabeça. — Mas não vai funcionar, porque já está ocupado!
A criatura zumbiu mais uma vez, o que fez os pelos de Cassandra se arrepiarem. Eldritch a olhava com os olhos azuis da menina, estático, como se entendesse cada palavra.
"O que ele está dizendo?"
— Hm... Cassie, querida, eu acho melhor acompanharmos ele.
"O quê? Mas... Por quê?"
— Porque, por alguma razão... — o demônio olhou para ela. — Ele sabe de tudo.
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A Parábola de Cassandra
Misterio / SuspensoCassandra é uma mulher órfã que presenciou e foi culpada pelo assassinato dos pais. Após ter passado quase dez anos em uma instituição para os mentalmente desordenados, fugiu para iniciar uma nova vida ao lado de seu companheiro, um demônio parasita...