Quatro

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     Cassandra teve um sono agitado, onde a voz de seu querido gêmeo, Heleno, ecoava de novo e de novo.

     — Foi ela! — Ele gritou, apontando para seu rosto.

     Eles estavam no banheiro, onde os ladrilhos da parede eram de um amarelo vibrante e a porcelana era branca e impecável. Heleno estava na porta junto a um grupo de policiais nauseados, Cassandra, por sua vez, estava mergulhada até o pescoço na banheira e os corpos dos pais caídos no chão, ambos decapitados. Ela estava atordoada, a boca mole como se tivesse recebido uma anestesia. Tentou se levantar, mas não conseguiu.

     — Mas... — Tentou grunhir. Então, pela primeira vez, olhou para baixo.

     A água que a banhava não era água, mas um líquido grosso, vermelho e viscoso. Era o sangue de seus pais. Ela mal conseguiu mirar fora da banheira quando vomitou, desmaiando logo em seguida.

     Cassandra acordou tranquilamente. Não em um sobressalto, como nos filmes, nem chorando ou angustiada. Ela apenas abriu os olhos, respirou fundo e esfregou os olhos. Tinha tido aquele pesadelo tantas vezes que, de vez em quando, esquecia que tinha sido real.

     Ela olhou em volta. Estava deitada em uma cama com um cobertor de lã grosso. O quarto estava escuro, e as únicas fontes de luz eram as frestas de uma claraboia imunda, que ficava bem acima da cama, e o fogo de um isqueiro.

     Toby estava lá, sentado em uma poltrona, brincando com a chama em suas mãos. Quando viu que ela o observava, espremeu os olhos, como em um sorriso de um garotinho travesso.

     — Onde eu estou...? — A garota grunhiu, tonta, sentando-se. O cobertor grosso caiu de seus ombros, deixando à mostra sua lingerie velha e suja e sua pele de marfim.

     Ela deu um gritinho, puxando as cobertas para se esconder. Toby desviou o olhar, constrangido.

     — Está na s-sede da Proxy, é claro. Você não se l-lembra de ontem?

     — Ontem? — Então os flashes de memórias a atingiram como uma martelada. — Oh não... — Murmurou, envergonhada. — Ah não, não, não... — cobriu a cabeça com as cobertas.

     — Ah, sim, sim, sim. Você deu uma surra em t-todo mundo. — Toby falou rindo enquanto dava socos no ar. — Você estava toda, tipo, pow, pow.

     — Eu sinto muito. — Choramingou.

     — Por quê? Eles q-que começaram, de qualquer forma.

     "O garoto tem razão." Eldritch atravessou a porta do quarto. "E já está na hora do almoço. É melhor correr antes daqueles selvagens devorarem tudo."

     — Ah. A enfermeira Ann d-deixou isso para você. Ela te e-e-examinou enquanto estava desmaiada. D-disse que o corte na sua perna é b-bem profundo e que vai demorar mais ou menos duas s-s-semanas para ser curado.

     O garoto a entregou um pedaço de tecido perfeitamente dobrado, que Cassandra pegou e ergueu. Era uma enorme camiseta preta com o escrito "O inferno vem até mim" em vermelho. Não exatamente seu estilo, mas melhor que os moletons do sanatório.

      — Hm... Ela também d-deixou isso aqui... — Toby a entregou uma calcinha de seda e um sutiã de renda fina. A garota sentiu o rosto ficar vermelho. — Bem, eu vou s-sair daqui. Você pode se trocar, te espero no c-corredor. — Ela acedeu enquanto ele se levantava e saía do quarto.

     Ao ouvir a porta se fechar, Cassandra saltou da cama, arrependendo-se imediatamente. Uma fisgada forte na carne de sua perna fez ela perder o fôlego. Ela tateou o lugar, encontrando uma bandagem encardida, suja com gotas carmesim. Mancando, foi até a porta e a trancou, apenas por precaução.

     — O que descobriu? — Ela sussurrou para o demônio, que educadamente virou o rosto em direção à parede. Ela foi até o meio do quarto com dificuldade, tirando as roupas íntimas.

     "Não muita coisa. Ele todos trabalham para aquele bichão estranho, Slender."

     — Quantos deles tem?

     "Ah, pelo menos oito. Podem ter mais, nos quartos que não consegui alcançar."

     — Hm... — A garota murmurou, fechando o sutiã novo atrás das costas. — E o que eles fazem?

     "De tudo. Alguns falam sobre roubos, outros sobre manipulação, mas a maioria fala sobre morte."

     — Assassinos?

     "Não, pior. Sociopatas."

     — Qual a diferença? — Ela perguntou com dificuldade, passando a longa camiseta pela cabeça.

     "Eles não ganham nada, só matam por..." Eldritch teve um calafrio "...Diversão."

     — Então vamos embora! Já pode olhar.

     O demônio virou, deparando-se com uma Cassandra despenteada e bagunçada. A camiseta era tão longa que batia um dedo abaixo de seus joelhos.

     "Não podemos ir ainda. Não com a polícia atrás de você e com esse corte aí."

     — Não pode estar tão ruim assim... — Ela começou a dizer, abaixando-se para tirar o curativo, mas Eldritch rapidamente flutuou até ela e pousou sua garra negra sobre a mão delicada dela.

     "É melhor você comer primeiro."

     — Por quê?

     "Confia. Quando vir isso aí." Ele indicou o ferimento com um movimento de cabeça "Vai perder todo o apetite."

A Parábola de CassandraOnde histórias criam vida. Descubra agora