Toby estava apoiado na soleira da porta, observando a garota nova deslizar de um lado para o outro da cozinha. Ela parecia concentrada, alternando entre bater uma massa, checar o forno e misturar uma panela.
Ele a achava bonita. Quando ela tirava o cabelo do rosto com os dedos finos e delicados, ele sentia vontade de tocar sua pele. De sentir seu cheiro. De ver a cor de seu sangue. Ele a achava bonita assim como um caçador achava um cervo bonito, poucos segundos antes de meter uma bala entre seus olhos doces e inocentes. Só de imaginar, Toby sentiu um calafrio de prazer.
— Precisa de ajuda? — O assassino ofereceu. Cassandra se virou, surpresa, mas, quando viu o garoto, deu um sorriso mínimo. Ele viu os olhos negros dela brilharem e se deleitou com a ideia de um buraco de bala o meio de sua testa lisa.
— Não, obrigada. Não falta muita coisa, de qualquer forma.
— Poxa, mas eu insisto... —Ele se desencostou da soleira da porta e deu um passo em direção a ela.
— Estou bem, de verdade... — Ela recuou um pouco, batendo a cintura no balcão. — Mas, se quiser mesmo ajudar... — Apontou para a panela que estava no fogão. — Misture o creme de milho, sim?
Toby acedeu, indo até o fogão e agarrando a colher de madeira que estava mergulhada num líquido espesso e branco. Começou a misturar, raspando a colher no fundo da panela. Seus movimentos eram bruscos e raivosos e faziam com que o creme espirrasse para todos os lados. Ele não notou, mas Cassandra o observava de longe, com um certa dose de curiosidade e cautela. Ele parou após alguns segundos, mergulhando o dedo no líquido e o experimentando, tendo cuidado para não sujar sua máscara. Deliberadamente largou a colher e correu para o outro lado da cozinha.
— E-ei! — Cassandra se alarmou, correndo para continuar a mexer a panela. — Não pode parar de mexer, senão gruda no fundo e queima.
Toby não pareceu ouvir. Ele andou até uma bancada no canto oposto do cômodo e se alongou, tentando alcançar algo to topo de um armário. Depois, examinou cuidadosamente nas mãos o pequeno tubo de tempero.
— O que é isso? — A garota indagou, um tanto preocupada.
— Relaxa. N-não é veneno nem nada assim. — Ele salpicou o pó avermelhado dentro da panela e tomou a colher das mãos da menina, misturando bem até incorporar no líquido praticamente desaparecer. Provou mais uma vez, soltando um longo suspiro. — Agora sim!
O garoto ouviu uma risadinha e olhou de lado para Cassandra.
— O q-quê? — Ele perguntou, um tanto brusco.
— Ah... Nada, é só que... — Ela sorriu levemente. — Você parece estar se divertindo.
Para a surpresa de Toby, ele estava mesmo se divertindo. Era reconfortante poder mexer num líquido que não fosse sangue; ter as mãos sujas de uma cor além do vermelho. Ao descobrir que sentia isso, ficou bem, bem zangado. E confuso. E um tanto nauseado. Aquele não era de seu feitio e definitivamente cozinhar não era seu lance. Que porra estava fazendo ali então? Ele largou a colher com um último grande splash e fechou a cara, guardando as mãos nos bolsos.
— Tô subindo. — Declarou. E partiu antes de receber resposta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Parábola de Cassandra
Mystery / ThrillerCassandra é uma mulher órfã que presenciou e foi culpada pelo assassinato dos pais. Após ter passado quase dez anos em uma instituição para os mentalmente desordenados, fugiu para iniciar uma nova vida ao lado de seu companheiro, um demônio parasita...