Dez

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      — Que porra! — Toby guinchou, cambaleando para trás.

      O corpo de Cassandra estava trêmulo, mole, e ela escorregou pela parede até ficar sentada no chão. De seus olhos estava escorrendo um piche grosso e pesado, quente como o inferno. Sua boca balbuciava palavras sem sentido e os dedos estavam fincados no carpete empoeirado do corredor.

      "O que é dessa vez, querida?" Eldritch tentou soar gentil, mas sua voz saiu um tanto áspera.

      — Eu vejo... — Ela começou — Uma menina. Loira, alta. Olhos atentos.

      "O que mais?"

      — Ela está sorrindo. — Cassandra não percebeu, mas seus lábios se enrolaram em um sorriso bizarro e artificial. — É cativante. O sorriso, eu digo.

      — Que m-merda é essa... — O garoto murmurou, agarrando a faca com mais força. Ele estendeu a perna e chutou o corpo da menina de leve. Ela ergueu o rosto, os olhos vazios o fitando diretamente.

      — Você! — Ela falou, mas não foi sua voz que saiu, e sim algo bizarro, um som arranhado e intenso, como a voz do próprio diabo.

      O coração de Toby bateu rápido no peito, algo que ele até tinha esquecido que podia fazer. Ergueu a faca e a desferiu com o avidez, mas a menina ergueu o braço e a lâmina atravessou a palma de sua mão. Toby se afastou novamente, largando sua arma. Os olhos de piche fitaram a faca por um instante, uma linha grossa de sangue escarlate escorrendo até o carpete. Ela agarrou e, em um só movimento, puxou a lâmina da pele. Toby pôde ver o rosto de Cassandra pelo buraco do ferimento, que, para sua surpresa, começou a borbulhar com um líquido grosso e negro, e, após um breve momento, se fechou. A palma agora estava perfeita, sem vestígios de machucados nem sujeira sequer.

     Cassandra, então, começou a se levantar. Toby recuou mais, murmurando xingamentos, e tropeçou nos próprios pés, caindo de costas no chão. A menina engatinhou, cabeça pendurada no corpo como se fosse um fantoche, e se aproximou dele bem devagar. Ele tentou se afastar ainda mais, mas logo sentiu a parede tocar suas costas. Ele engoliu em seco, o coração ecoando no peito. Nunca havia sentido aquilo antes e não sabia exatamente o que era. Talvez aquele fosse o famoso pavor que suas vítimas sempre reclamavam. Mesmo que amedrontado, Toby não pôde deixar de apreciar aquele momento, aquela sensação do sangue correndo em suas veias e da adrenalina borbulhando em sua pele.

     A menina se aproximou bastante, engatinhando até estar sobre o corpo do garoto. Os braços dela se apoiaram na parede atrás dele, prendendo-o. Ele sentiu o cheiro de pimenta e farinha que ela exalava, lembranças do que uma vez foi um jantar tranquilo.

     — Você... — Ela repetiu, a voz já de volta ao normal. — ... está aí?

     — Que?

     — Você, Tobias Rogers, está aí dentro?

     — D-dentro?

     — Toby? — Cassandra falou, mas, mais uma vez, não foi com sua voz. Dessa vez, entretanto, a voz era mais fina, feminina e quase infantil. — Eu estou com medo...

     Algo se acendeu dentro do garoto, como se as engrenagens de seu cérebro estivessem começando a girar. Ele reconheceu a voz, mas não de imediato. Foi quase como se tivesse uma lembrança de uma vida passada ecoando dentro de si.

     — Eu estou com medo. — Cassandra repetiu.

     — T-tudo bem... — Toby começou, cauteloso. — Está tudo b-bem agora...

     — Jura?

     — Juro.

     — De mindinho? — A garota ergueu uma das mãos, mostrando seu mindinho.

     Tobias olhou para a mão dela, depois para a sua própria. Sentiu como se sua cabeça fosse uma gaiola e um pássaro teimoso estivesse tentando se libertar. Ele sabia que tinha que se lembrar de alguma coisa, mas o quê?

     — Lyra? — A palavra deixou os seus lábios antes que ele pudesse entender seu significado.

     —Toby! — Cassandra sorriu. Um sorriso cativante. — Que bom que você lembrou...

     E então ela caiu no colo dele, inconsciente.

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⏰ Última atualização: Aug 27, 2018 ⏰

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A Parábola de CassandraOnde histórias criam vida. Descubra agora