— Que porra! — Toby guinchou, cambaleando para trás.
O corpo de Cassandra estava trêmulo, mole, e ela escorregou pela parede até ficar sentada no chão. De seus olhos estava escorrendo um piche grosso e pesado, quente como o inferno. Sua boca balbuciava palavras sem sentido e os dedos estavam fincados no carpete empoeirado do corredor.
"O que é dessa vez, querida?" Eldritch tentou soar gentil, mas sua voz saiu um tanto áspera.
— Eu vejo... — Ela começou — Uma menina. Loira, alta. Olhos atentos.
"O que mais?"
— Ela está sorrindo. — Cassandra não percebeu, mas seus lábios se enrolaram em um sorriso bizarro e artificial. — É cativante. O sorriso, eu digo.
— Que m-merda é essa... — O garoto murmurou, agarrando a faca com mais força. Ele estendeu a perna e chutou o corpo da menina de leve. Ela ergueu o rosto, os olhos vazios o fitando diretamente.
— Você! — Ela falou, mas não foi sua voz que saiu, e sim algo bizarro, um som arranhado e intenso, como a voz do próprio diabo.
O coração de Toby bateu rápido no peito, algo que ele até tinha esquecido que podia fazer. Ergueu a faca e a desferiu com o avidez, mas a menina ergueu o braço e a lâmina atravessou a palma de sua mão. Toby se afastou novamente, largando sua arma. Os olhos de piche fitaram a faca por um instante, uma linha grossa de sangue escarlate escorrendo até o carpete. Ela agarrou e, em um só movimento, puxou a lâmina da pele. Toby pôde ver o rosto de Cassandra pelo buraco do ferimento, que, para sua surpresa, começou a borbulhar com um líquido grosso e negro, e, após um breve momento, se fechou. A palma agora estava perfeita, sem vestígios de machucados nem sujeira sequer.
Cassandra, então, começou a se levantar. Toby recuou mais, murmurando xingamentos, e tropeçou nos próprios pés, caindo de costas no chão. A menina engatinhou, cabeça pendurada no corpo como se fosse um fantoche, e se aproximou dele bem devagar. Ele tentou se afastar ainda mais, mas logo sentiu a parede tocar suas costas. Ele engoliu em seco, o coração ecoando no peito. Nunca havia sentido aquilo antes e não sabia exatamente o que era. Talvez aquele fosse o famoso pavor que suas vítimas sempre reclamavam. Mesmo que amedrontado, Toby não pôde deixar de apreciar aquele momento, aquela sensação do sangue correndo em suas veias e da adrenalina borbulhando em sua pele.
A menina se aproximou bastante, engatinhando até estar sobre o corpo do garoto. Os braços dela se apoiaram na parede atrás dele, prendendo-o. Ele sentiu o cheiro de pimenta e farinha que ela exalava, lembranças do que uma vez foi um jantar tranquilo.
— Você... — Ela repetiu, a voz já de volta ao normal. — ... está aí?
— Que?
— Você, Tobias Rogers, está aí dentro?
— D-dentro?
— Toby? — Cassandra falou, mas, mais uma vez, não foi com sua voz. Dessa vez, entretanto, a voz era mais fina, feminina e quase infantil. — Eu estou com medo...
Algo se acendeu dentro do garoto, como se as engrenagens de seu cérebro estivessem começando a girar. Ele reconheceu a voz, mas não de imediato. Foi quase como se tivesse uma lembrança de uma vida passada ecoando dentro de si.
— Eu estou com medo. — Cassandra repetiu.
— T-tudo bem... — Toby começou, cauteloso. — Está tudo b-bem agora...
— Jura?
— Juro.
— De mindinho? — A garota ergueu uma das mãos, mostrando seu mindinho.
Tobias olhou para a mão dela, depois para a sua própria. Sentiu como se sua cabeça fosse uma gaiola e um pássaro teimoso estivesse tentando se libertar. Ele sabia que tinha que se lembrar de alguma coisa, mas o quê?
— Lyra? — A palavra deixou os seus lábios antes que ele pudesse entender seu significado.
—Toby! — Cassandra sorriu. Um sorriso cativante. — Que bom que você lembrou...
E então ela caiu no colo dele, inconsciente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Parábola de Cassandra
Misteri / ThrillerCassandra é uma mulher órfã que presenciou e foi culpada pelo assassinato dos pais. Após ter passado quase dez anos em uma instituição para os mentalmente desordenados, fugiu para iniciar uma nova vida ao lado de seu companheiro, um demônio parasita...