Nove

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     — Onde acha que ele está?

    "Como vou saber? Na verdade, é bem impressionante como um bicho daquele tamanho consegue sumir assim."

Cassandra conversava com o demônio sevandija tranquilamente enquanto caminhava pelo corredor, rumo ao banheiro. Sua cabeça estava doendo e mancava pela perna machucada. Ela deixava a ponta dos dedos acariciar o tecido antigo e empoeirado que cobria as paredes, sentindo na pele a aspereza.

— Mas essa é uma casa grande. Não dá para... — Parou abruptamente, olhando de esguelha para Eldritch. Ele a olhou de volta em uma confirmação. Então não foram seus ouvidos a enganando, realmente havia alguém os seguindo. Ela mordeu os lábios, ansiosa.

Com a audição apurada, ela escutou os passos felinos e sorrateiros. Virou-se de supetão, mas já era tarde demais. Toby estava bem atrás dela, e, com um único movimento, a pressionou contra a parede do corredor.

    — V-você é adorável, sabia? — Ele começou, examinando uma longa e suja faca de cozinha. — Me provocando desse j-jeito...

    — P-provocando? — A garota gaguejou.

    — Com esse seu rostinho angelical... E esse seu s-sangue... — Ele pareceu ficar sem ar na última frase. — Esse sangue vermelho e delicioso.

    — Você vai me matar?

    — Matar você? Quem me dera... Mas Slendy d-deu instruções claras. A g-g-garota vive. — Bufou. — Mas... Ele nunca disse que precisava f-ficar inteira, então... — sua voz ficou embargada, quase como se estivesse corando de prazer.

    Cassandra olhou para seus olhos. Eles eram brilhantes, castanhos, loucos. Quase inumanos. Toby pegou a mão dela, enlaçando os dedos pálidos deles, e analisou as unhas longas dela.

    — Qual será, qual será... — O garoto cantarolou. — Cassie qual dedo você usa menos?

    Ela estava tão apavorada que mal conseguia pensar em uma pessoa para fingir ser. Ela mal conseguia ouvir Eldritch, que balançava os braços e gritava para eles trocarem de lugar. Toby sorriu com os olhos, a boca ainda coberta por aquela máscara ridícula. Cassandra imaginou como seriam seus dentes. Talvez amarelos e tortos, talvez compridos e afiados. Engoliu em seco, com medo de descobrir.

    — Sem resposta? T-tudo bem então. Acho que vou levar... — Ele apertou a mão dela com força, e, com a ponta da faca, indicou o mindinho dela. — Esse aq-qui. Minúsculo, fraco e inútil. Igualzinho a v-v-você! Olha que coincidência?!

A garota sentiu as palmas suarem. Toby apoiou a ponta da faca na base de seu dedo e ela cerrou os dentes com o frio do metal na pele. 

"Pense, Cassandra, pense!" Gritou mentalmente, o cérebro correndo uma maratona. "O que Heleno faria?"

Ela sentiu o tecido áspero da parede raspar nos dedos da mão livre. Espere... A mão livre! Espalmou o mais forte que conseguiu o rosto do garoto, que, em surpresa, cambaleou para trás, deixando cair a faca no carpete.

— F-filha da... — Ele a atacou mais uma vez, mas ela reagiu, apavorada, fechando os olhos com força e arranhando cegamente. Ela sentiu as unhas ficarem presas em algo e puxou as mãos, arrancando de uma só vez a máscara de couro dele.

Quando voltou a abrir os olhos, sentiu todo o ar fugir dos pulmões, como se tivesse levado um soco no estômago. Em sua frente, em toda sua glória, ela viu os lábios rachados de Toby, e, em uma das laterais, um corte largo que deixava à mostra as fibras rosadas do músculo de seu maxilar.

— Merda... — Praguejou o menino, recuando e escondendo o rosto com o braço. — Que grande m-merda...

Cassandra se perguntou por que ele teve aquela reação. Parecia quase que ele estava... constrangido? Acuado? Temeroso? Não conseguiu decifrar.

— Não era para v-você ter visto isso... Para n-ninguém ter v-visto. — Murmurou sozinho. Repentinamente, assim num piscar, deixou de parecer inumano. Ele estava inseguro, percebeu. Aquilo a fez se sentir um tanto mais corajosa, por algum motivo.

A garota hesitou. Ela estava com palavras reconfortantes na ponta da língua, prontas para serem usadas, mas não às falou. As engoliu como um remédio, deixando sua doçura se transformar em um longo silêncio.

— Imagino que agora ache que sou um monstro...

Cassandra riu. Foi uma risada curta, sarcástica e impensada.

— Eu acharia isso mesmo se não tivesse visto o corte. — Cuspiu. Não foi ela que havia dito aquilo, mas Heleno. Ela jamais falaria aquilo, jamais teria a coragem, mas, naquele momento, ela não era ela. Ela era Heleno, e, para sua surpresa, as palavras ácidas caíram bem em sua boca.

Toby a olhou com olhos tristes. Não falsamente tristes, mas tristes de verdade, magoados, ressentidos. Um pensamento passou no cérebro da garota, tão rápido quanto um piscar. Aquele era o mesmo menino que tentou arrancar seu dedo alguns momentos atrás? Definitivamente não.

    Ela sentiu as pernas amolecerem e teve que apoiar as costas na parede. Soltou um longo suspiro, a cabeça girando.

    "Ah não..." Eldritch praguejou exatamente o que ela estava pensando. "Agora não..."

    A visão dela ficou escura.

A Parábola de CassandraOnde histórias criam vida. Descubra agora