Jurandir Brandão

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Jurandir Brandão

Policial há muito tempo, formado em Direito pela Universidade de São Paulo, Jurandir Brandão há muito aspirava um cargo de delegado em Laranjal. Na verdade até já o tinha conseguido, tendo sido magistrado há alguns anos na pequenina cidade vizinha de Marangá. Porém, sem que ninguém soubesse exatamente o porquê, Jurandir perdeu o título e voltou para sua cidade natal com o “rabinho entre as pernas”. Tornou-se policial novamente e vivia do orgulho de pertencer a uma família tradicional e do título de ser formado por uma grande universidade brasileira, fato pouco usual por aquelas bandas.

Os “Brandão” já haviam sido donos de metade das terras de Laranjal. Dizia-se que seus tatataravós eram donos da fazenda Ypiranga que, mais tarde, se tornou a cidade. Uns poucos ainda mantiveram-se na plantação de laranjas, mas, com o tempo, tudo foi se perdendo entre brigas de famílias, gastos exagerados e jogos – afinal os “Brandão” eram malucos por uma jogatina.

Hoje eles tinham mais nome do que dinheiro, muitas ruas prestavam homenagem aos antecessores daquela família tradicional, e os que restaram ainda viviam nos grandes casarões do bairro Alto, um dos mais ricos e chiques da cidade.

Lá também morava Jurandir, com a esposa Dora e a filha Catarina. Quando retornou de Marangá, Jurandir conheceu Dora, que era atendente do batalhão da Polícia Civil, dizem ter sido amor à primeira vista. Dora era de uma família humilde, sem tradição histórica em Laranjal e viu no herdeiro dos grande “Brandão” uma oportunidade de largar aquela vida medíocre de atendente, cheia de plantões e tédio. Mas, após casados, a mulher pode perceber que Jurandir tinha apenas o nome e muito mais dívidas do que a sua própria família. Pelo menos ela moraria numa casa grande e em um bairro chique, refestelava-se em pensar assim.

Catarina nasceu havia pouco. A menina tinha apenas oito anos. Na cidade falavam que Dora tinha os “ovários murchos”. Mas a verdade é que ela e Jurandir não se deitavam. O marido mantinha uma distância física da mulher, era difícil para ele esconder que preferia se deitar com homens. Porém, como seria se descobrissem em Laranjal que Jurandir Brandão era “gay, bichinha”? Só de pensar nos boatos já se arrepiava inteiro. Tentou esconder seu segredo de Dora durante um tempo, mas a mulher logo descobriu. Viviam em um pacto sigiloso: ela podia ter seus amantes e ele também, desde que ninguém jamais descobrisse o real motivo daquilo. Em troca, Jurandir lhe dava o nome, a casa e o pouco da economia da família.

Passaram-se anos, e os laranjenses já andavam desconfiados da falta de filhos do casal. Jurandir e Dora jamais iriam ter um filho, afinal isso seria impensável. Mas, Dora tinha outros parceiros e num acesso de loucura o marido sugeriu a ela que tivesse um bastardo. E assim nasceu Catarina, filha legitima de uma dos casos de Dora, que jamais soube da paternidade, assumida prontamente por Jurandir.

Como toda grande família interiorana, essa também guardava um segredo, que agora estava prestes a ser descoberto... Com Catarina morta, Jurandir sabia que testes de DNA poderiam comprovar que ele não era o pai da menina e temia que a verdade viesse à tona. Para isso, só tinha um jeito: assumir aquela investigação e abafar o caso. Assim ninguém saberia da sua preferência sexual e nem do seu passado sombrio como delegado em Marangá. Mas como?- questionava-se o Brandão. Como expulsar Laura da cidade? Como?

Além disso, Jurandir ainda sentia o ódio exalando por suas narinas. Catarina não era sua filha legítima, mas fora criada com todo seu carinho e amor. E agora não estaria mais entre eles. Jurandir não entraria de braços dados com ela na Igreja, nem a veria tendo seu primeiro filho, não dançaria a valsa de quinze anos com a menina, sequer comemoraria sua formatura. Todos os sonhos daquela menina foram arrancados, e ainda de uma forma cruel. Mas, Jurandir vivia um dilema: tentar tomar conta da investigação e abafar o caso, mantendo o seu segredo seguro e o assassino de sua filha a solta ou tentar cooperar com Laura para que aquele maldito fosse pego e enjaulado, mas correr o risco de que todos descobrissem que ele se deitava com homens? As dúvidas e a tristeza pairavam sobre as janelas e o telhado empoeirado do grande casarão amarelo do bairro Alto. Jurandir estava em um bico de sinuca e não sabia como agir.

O Anjo de LaranjalOnde histórias criam vida. Descubra agora