Não foi difícil para Mário perceber que a antiga colega estava sofrendo. Ele conhecia o passado de Laura e estava preocupado. A amiga não precisava dizer o quanto aquilo a perturbava. Ele nem sabia direito como ela estava conseguindo manter a sanidade.
Chegou à delegacia e tomou um café quente e forte. Queria se inteirar melhor sobre o caso, mais especificamente sobre a delegada. E para isso nada melhor do que conversar com os colegas e a equipe. Mário era ótimo na arte de envolver as pessoas em conversas furadas e, assim como quem não quer nada, arrancar confissões e informações surpreendentes. Era esse o seu talento. Laura era mais cerebral. Será que estava conseguindo?
Apesar das boas intenções de Mário, nem todo mundo colaborou. Alexandre, o esquilo, era esperto que só. Já chegou com os dois pés atrás. Mauro acreditava que ele estava perdidamente apaixonado por Laura. Mas esse romance não tinha como acontecer com pedaços de corpo à solta na pequena Laranjal.
Por isso mesmo o jovem policial não ofereceu dados tão precisos sobre o estado da delegada. Mas, os fatos eram inegáveis. Laura estava, no mínimo, esgotada. E ali todo mundo parecia negar o passado da delegada. Como isso era possível? Ela esteve nas principais reportagens do país. Seu rosto estampou jornais.
Mário desconfiava que algumas pessoas sabiam do passado de Laura, mas habilmente ajudavam a esconder essa história. Paulo, o jornalista, certamente sabia, ou que tipo de jornalista seria ele? Padre Mílton também parecia conhecer o passado da delegada. Todas aquelas palavras soltas aqui e acolá. Mas dentro da delegacia , o clima era diferente.
Todo mundo parecia saber, mas ninguém queria falar. O único que 'furava o bloqueio' era Jurandir Brandão. O policial antigo e que agora chorava a morte da filha se revezava entre adorar a delegada e odiá-la ao mesmo tempo. Insinuava sobre o passado de Laura a todos que tinham ouvidos. E isso interessava a Mário.
Jurandir daria seu depoimento hoje à tarde. Mas antes uma conversa com o bom Mauro poderia ajudá-lo a superar seus demônios internos, não é mesmo? Mário, habilidoso que só, conseguiu envolver o policial com sua lábia. Não era fácil perder uma filha. Ele deveria querer justiça. E para isso todos deveriam ser investigados, até mesmo a delegada. A delegada tinha um passado. Você sabia? Claro que sabia. Passou na TV e tudo. O resto da cidade parecia cega, ou burra. Mas Jurandir não era nada disso. Ele sabia, claro. Mas sabia também que Laura era a melhor. E ele queria a melhor nesse caso, no seu caso, no caso da sua filha.
Laura era uma vítima. Assim que todos a viam. E por isso ninguém ousou falar do seu passado. Mauro ficou desconfiado de Jurandir. Havia algo por trás da sua história. Algo que ele queria descobrir, mas não tinha certeza o quanto esse algo poderia ser primordial para a resolução do crime. O problema com crimes era exatamente esse: tudo deve ser investigado e, infelizmente, todos nós temos um passado que desejamos esconder. Ninguém deverá ser preso por alguns erros infelizes, uma traição, um pouco de drogas, um problema de família. Mas tudo isso vem à tona quando o assunto é um crime. E a vida dos envolvidos pode se tornar um verdadeiro inferno.
Mário anotava algumas coisas no seu caderninho preto e observava Laura de longe. As olheiras proeminentes diziam que a amiga não dormia direito há várias noites. Os pesadelos podem estar de volta. Por isso ela me quer aqui. Ela desconfia que seja um perigo e precisa de mim, caso o resultado da investigação não seja o esperado. Esse é o meu papel: investigar Laura, enquanto ela investiga todos os demais. Será justo tentar adentrar na mente de alguém já tão debilitada?
Ele não acreditava que as suspeitas de Laura fizessem algum sentido. Mas pelas suas sondagens algumas pessoas já estavam cansadas de fingir desconhecer o passado da delegada. E estava ficando cada vez mais difícil para ela manter esse time unido e coeso. Alguns policiais começavam a apontar suas suspeitas para ela: uma pessoa que havia sofrido, que havia visto de perto o horror da mente humana e que já havia se envolvido com uma sequência de crimes em uma cidade do interior.
Será que as torturas pelas quais passou não seriam suficientes para transformar a delegada em assassina? Uma nova personalidade a solta. Uma religiosa. Matando para libertar os seus próprios demônios. Essa era uma possibilidade real e o mais perto possível de um culpado. Laura tinha motivos e experiência suficiente para esse tipo de crime. Mas, havia algo nessa história que não fazia sentido. Mário relutava em acreditar nesse conto.
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O Anjo de Laranjal
Genel KurguVocê já imaginou um serial killer a solta em uma pequena cidade do interior de São Paulo? Laranjal, uma cidade fictícia, com pouco mais de 30 mil habitantes viu seus membros serem assassinados brutalmente por uma mente criminosa. Uma garota escalpel...