Parte XX

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As três sereias começaram a rodear o navio, seu canto macabro espalhando-se como poeira no ar. Era essa a hora em que os homens deviam ficar apavorados. Eu podia ouvi-los esquematizando. Havia chances de estarem mais preparados desta vez, assim como havia de as criaturas do mar agirem com mais precisão agora que conheciam a embarcação e o método daqueles marinheiros.

Ver a cena se repetir era terrível, eu não acreditava que estivesse naquela situação outra vez. Quando pensei nas missões delas para conseguirem comida, imaginei que seria com outras vítimas, não aquelas... ele.

Loran pelo jeito não tinha partido de vez, não ainda, e cada dia que passava ali era um perigo maior para ele. Mas eu ia garantir que ele sobreviveria a mais essa, nem que fosse a última coisa que eu fizesse.

Tori, Bel e Lara já estavam balançando o navio, mostrando os dentes e incidindo as mãos e as caudas contra a estrutura do casco mais ferozmente do que nunca. Eu fiquei rodeando, esperando vê-lo, porém uma retaliação inesperada dos marinheiros acabou com meu plano de ação antes mesmo que eu começasse.

Três deles arremessaram na água uma grande rede de pesca, que me pegou. Debati-me nas cordas, mas eles fizeram mais força e puxaram a rede para cima. Fui então largada no convés, presa na armadilha como um peixe estúpido.

A embarcação chacoalhava muito por causa das ondas e, sobretudo, das sereias, que não davam um intervalo e eram mais difíceis de capturar do que eu. A maioria dos homens estava mobilizada para conter a ameaça, portanto apenas os três que me apanharam e mais dois que estavam próximos se juntaram ao meu redor para observar a predadora que haviam pescado.

Loran apareceu, abrindo caminho.

– O que foi que...?

E ele me reconheceu. Seu rosto ficou pálido. Em seguida seus olhos se arregalaram ao máximo e ele botou a mão no peito, ao ver minha cauda se transformar de volta em pernas.

– Agnes!

E então eu estava pelada em meio a vários homens.

Loran correu para mim e se agachou para me desembolar da rede, em seguida tirou seu casaco e cobriu-me com ele. Suas mãos seguraram meu rosto, voltando-me para si, enquanto me avaliava confuso e preocupado.

– O que está acontecendo, Agnes? – sussurrou com a voz rouca.

– Eu tentei lhe dizer, mas você estava muito assustado...

– É mesmo você?

– É claro que sim.

Loran me deu mais um olhar significativo e se levantou com agitação. Berrou para os homens:

– Continuem jogando lanças, flechas e redes! Vamos acabar com elas!

– Sim, capitão – responderam os outros. Olhei-o impressionada.

– Você é capitão?

– Sim, eu sou agora. Venha comigo, vou levá-la para dentro. – Ele me ofereceu sua mão. Fiquei de pé e corri com a proteção de Loran. Os demais homens continuaram a lutar bravamente.

Entramos na parte interna do navio, os aposentos do capitão. Loran me sentou no banco mais próximo e deu-me uma capa para eu me secar. Apenas passei mais aquele tecido ao meu redor. Eu não me importava de estar molhada e nua. Era mais importante aproveitar aqueles breves segundos.

– Loran, escute, eu fui amaldiçoada. Eu achei que havia um modo de reverter isso, que você pudesse me ajudar, mas sei que é tão leigo em magia quanto eu.

– Quer dizer que você fica como elas toda vez que entra na água?

– Sim. Mas não exatamente como elas. Não ainda...

– Mas como não estava assim no dia que a conheci, que a salvei? Isso foi o que ficou me intrigando desde nosso último encontro. Percebi que deveria ter lhe dado uma chance de se explicar... Eu estava muito assustado, como você disse. Achei que você fosse uma delas desde sempre, se disfarçando...

– Loran, escute. – Inclinei-me para mais perto dele, que estava agachado na minha frente. Desta vez fui eu a segurar seu rosto. Olhei-o profundamente. – Foi real, ok? Eu sou a Agnes que você conheceu. Naquele dia eu estava começando a me transformar.

– Então você eventualmente vai ficar como elas? – perguntou, atormentado com a ideia.

– Sim, muito provavelmente.

– Temos que ir atrás de um feiticeiro que possa desfazer isso.

– Concordo, mas antes precisamos nos livrar delas. E... bom, talvez do meu noivo.

Loran pareceu ter sido lembrado desse desagradável detalhe. Antes que ele pudesse dizer algo, me apressei:

– Eu já meio que lidei com isso, o dispensei e parti, mas temo que ele venha atrás de mim. É uma longa história...

– Daremos um jeito nisso, tudo bem? Temos que afastar essas criaturas agora. Você tem alguma ideia do que fazer?

Cocei minhas mãos.

– Bom, da outra vez eu fiz uma espécie de magia benigna que as afastou...

– Espera... eu me lembro disso! A luz... Foi você? Você salvou minha vida, Agnes!

– Eu lhe devia essa, certo? – Dei um sorrisinho. Eu não precisava contar que não estava me afogando de verdade naquele dia. Ele sorriu de volta e se levantou.

– Você pode fazer isso. Faça sua magia de novo e vamos vencê-las.

– Mas como posso fazer isso daqui?

Loran esticou os lábios e estendeu a mão.

– Vamos, eu tenho uma ideia.

O Lado Escuro do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora