Parte XXII

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A noite caiu e o som melancólico da água avançando e recuando na praia era a única coisa que se ouvia. Minha cabeça descansava no peito de Loran, cujo coração eu acompanhava bater depressa enquanto ele contemplava o céu escurecido pelo anoitecer com o rosto preocupado.

Após um tempo indistinto de tensão e possível despedida muda, comecei a ouvir uma perturbação no mar. Levantei a cabeça. Achei que veria Wes chegando – era o que eu vinha aguardando todas aquelas horas, que viesse atrás de mim. No entanto, o que vi foram três sombras perpassando as ondas.

– Loran, elas estão aqui – sussurrei. Ele piscou e levantou o corpo de imediato, apertando os olhos para o oceano. Nós dois nos pusemos de pé. Loran, que havia ficado com um arco, posicionou a flecha.

As sereias chegaram a um ponto raso o bastante e colocaram as cabeças para fora. Seus olhos brancos malignos fixaram a margem, onde eu me encontrava com os pés quase tocando na água.

– Essa sua vantagem não vai durar muito – disse Lara. – Logo não poderá mais ter pernas.

– Não se preocupem, não pretendo me esconder – tentei demonstrar coragem, apesar do meu corpo todo estar tremendo. – Onde está ele?

– Bem ali – apontou Bel, seu dedo esticado para o espaço ao meu lado, onde Loran se encontrava. Compreendi com certo alívio. Wes estava fora da história.

– Fomos tolas de não perceber que você o havia salvo da primeira vez, porque é ele seu amado.

Elas provavelmente nem ficaram sabendo da existência de Wes, e nesse momento eu estava celebrando internamente por minha tentativa de quebrar o efeito da poção ter dado certo. Wes não devia nem ter tentado me procurar. Sua decepção foi tão grande que se desapaixonou, e então percebeu que deveria ficar o mais longe possível de mim. Pelo menos era nessa teoria que eu queria acreditar.

– E como pretendem vir pegá-lo? – desafiei. Loran ainda sustentava a flecha no arco, seus braços tremendo muito pelo esforço prolongado.

As sereias sorriram, e Tori disse:

– Simples.

No mesmo instante o mar puxou tanta água que a praia quase duplicou de largura. Enquanto os bancos de areia do fundo ficaram visíveis, Loran baixou o arco e começamos a andar para trás, mas não tivemos muito tempo de reagir e a onda gigante nos engoliu.

Fomos arrastados pela maré. Enquanto rodava nas espumas violentas, minha cauda tomou o lugar das pernas novamente. Nadei com força, não contando mais com meus olhos inúteis, e sim com minha audição e olfato apurados. Persegui os sinais de Loran, que devia estar se afogando, e então notei que ele se encontrava nos braços das sereias.

Elas agarravam o tronco e os membros dele e seguravam seu pescoço predatoriamente. Loran se debatia sem sucesso, e eu sabia que restavam apenas alguns segundos para que ele perdesse o ar e desmaiasse.

– Assista seu amado morrer, Agnes. Acredite, as coisas ficarão mais fáceis depois disso. Você poderá finalmente abraçar sua verdadeira natureza.

Ao som daquelas palavras, minha raiva borbulhou nos níveis mais extremos, o instinto assassino veio e nadei na maior velocidade que consegui em direção àquelas mulheres monstruosas, as mãos esticadas prontas para acabarem com elas.

E, de repente, ao chegar perto, minha visão melhorou um pouco e vislumbrei o rosto de Loran. Seus olhos azuis escuros piscaram lentamente, ele estava perdendo a consciência, e seus lábios se entreabriram, moles como todo o seu corpo, que parava de relutar. As sereias o carregavam cada vez mais para as profundezas, e repetiam para mim as palavras desesperadoras, mas eu não estava mais ouvindo. Tudo o que existia era o silêncio do abismo, da escuridão, da perda de tudo o que importava.

Um vazio tomou meu peito, um buraco que era tão fundo e terrível que me deixava sem fôlego. Depois da morte da minha mãe, ele era a única pessoa com quem eu havia me importado – na verdade, em toda minha vida, ele era a segunda pessoa com quem eu realmente me importava. Ele era bom e eu queria mais tempo com ele. Ele era um ótimo ser humano e não merecia morrer. Não me merecia.

– PAREM! – gritei com a voz histérica. – Deixem-no em paz, por favor! Eu lhes dou o que quiserem. Eu prometo nunca mais vê-lo, nunca mais tocá-lo ou saber de sua existência, desde que o deixem em paz...

– Isso não adianta, querida – disse Lara. – Você ainda vai estar feliz por saber que ele está bem.

– Se precisam que eu sofra, façam comigo! – retruquei, batendo no peito. – Não sejam covardes! Acabem comigo e assim nunca mais terão ninguém em seu caminho até os marinheiros. VAMOS, MATEM-ME! – E parei com os braços estendidos em rendição.

Elas se entreolharam, um pouco confusas.

– Isso é um desafio? Ela está nos testando?

– NÃO, ISSO É EXATAMENTE O QUE OUVIRAM – respondi em alto e bom tom, meus olhos chorando, embora não houvesse lágrimas. – Não vou relutar, não quero vingança, não quero e nunca quis matar ninguém, só quero que, por favor, aceitem meu sacrifício. Minha vida pela dele, é tudo.

Elas ainda pareciam incapazes de compreender.

– E por que a vida desse homem seria mais importante que a sua?

– Para vocês não é, então me matem logo... – E fechei os olhos, chorando, derrotada, esperando, com todo meu coração, que elas fossem aceitar minha decisão de uma vez e acabar com aquilo, antes que fosse tarde demais para ele.

Nos segundos em que senti a movimentação delas ao meu redor, meus olhos tão chorosos e estressados que não conseguiam mais ficar abertos, contemplei a morte eminente, o fim de tudo – o meu fim ou o fim da minha única atual razão para continuar vivendo e lutando. Desde o momento em que tomei aquela poção, eu havia aceitado que o mal venceria. Desde que tomei a primeira decisão de fazer aquele roubo, defini meu destino infeliz e agora era apenas a hora de colher os frutos.

Respirei o mar salgado, sentindo o caos dentro e fora de mim.

Assim que as mãos finas e fortes das sereias encostaram em minha pele, senti uma terrível náusea e foi como se todo meu corpo explodisse, de dentro para fora. Gritei de dor e de libertação. Estava tudo para terminar, finalmente.

Foi então que percebi uma luz forte ao meu redor. Abri os olhos com dor e vi que eu estava brilhando, o meu corpo todo, do mesmo jeito que minhas mãos fizeram das outras vezes. Minha cauda estremeceu e se transformou em pernas, meu interior se condensou, vibrou, esticou e fez diferentes manobras dolorosas, levando meus lábios a emitirem um grito que foi apenas bolhas e um som abafado. Eu precisava de ar, precisava sair dali. Olhei ao redor, meus olhos ardendo com a água salgada, e notei que havia embarcações em todo o perímetro. Loran tinha desaparecido.

Fui puxada para cima e levada a um bote. Tossi e cuspi muita água. Quando consegui me recuperar um pouco, olhei aflita para os lados, tentando entender, e a primeira coisa que registrei foi que Wes havia me tirado da água.

– Tudo bem, Agnes? – Ele me olhou com preocupação. Assenti, embora estivesse atordoada demais.

A segunda coisa que percebi foi que a frota que estava ali conosco era enorme e estava combatendo as sereias, fazendo ameaças e atacando-as para que jamais voltassem a perturbar nossa costa.

Virei-me para Wes com os olhos enormes e a respiração muito ofegante. Tudo o que consegui dizer foi:

– Loran...

– Lá, naquele navio. – O barão apontou para a embarcação à nossa esquerda. – Ele está a salvo. Você também. Você conseguiu, Agnes, quebrou a maldição. E essas criaturas horrendas, fique tranquila que nunca mais irão assombrar o mar dessa região.

Olhei para os homens ameaçadores nos navios, cheios de armas e urros de força, então de volta para a água, e observei as sombras das sereias nadando depressa para longe sem emitir um som de reclamação sequer.

O Lado Escuro do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora