Parte III

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Parte III

Com o coração palpitando rápido, esgueirei-me até a porta. O silêncio reinava e o único lampião aceso na rua estava longe o bastante para não me revelar. Parei de frente à fechadura e enfiei nela a chave que o mensageiro havia me dado, torcendo para ele não ter cometido um engano. Quando o trinco girou, suspirei aliviada, porém ainda atenta, pois eu não sabia se alguma proteção mágica tinha sido posta na entrada.

Esperei com a mão na maçaneta. Como nada aconteceu por meio minuto, arrisquei empurrar a porta para dentro. Antes de pisar na loja, olhei para o chão. Ali, logo após o portal, havia uma linha brilhante desenhada no piso de madeira. Fui alertada por Madame Lusa que isso era bastante comum em estabelecimentos de encantadores, então tirei do bolso um pincel que ela havia me dado, agachei e varri a linha, que se espalhou no ar como pó, emitindo um sussurro. Quando o silêncio voltou, olhei para trás para ter certeza de que não estava sendo observada. Tudo limpo. Ninguém morava no centro, só havia pássaros e grilos por ali àquela hora da noite.

Então entrei. Parei de novo e não ouvi nenhum alarme. Madame Lusa havia me dito que alarmes para chamar os justiceiros eram bem comuns nas casas e lojas de pessoas mágicas. Não havia muitas delas em Rasminn. Madame Lusa disse que eu era corajosa de escolher aquele alvo. Não que Salizar fosse muito poderoso ou precavido, mas ele era famoso e qualquer erro na minha tentativa traria os justiceiros imediatamente. A maioria dos ladrões que visavam coisas mágicas preferia invadir casas de barões e recantos de encantadores mais escondidos.

Caminhei cuidadosamente lá dentro, medindo meus passos para não fazer barulho. Devagar me aproximei das vitrines. As poções que eu procurava estavam nas prateleiras mais altas, protegidas por um vidro. Afastei a escada bem lentamente até o ponto ideal, então subi, trêmula, um degrau de cada vez. Quando minha mão conseguia alcançar o frasco da poção que eu queria, peguei o acendedor que Madame Lusa havia me emprestado e direcionei-o à vitrine.

As chamas azuis que saíram da ponta do acendedor mágico derreteram o vidro. Quando o buraco que se formou ficou grande o bastante para eu enfiar a mão, desliguei o fogo e estiquei o braço cuidadosamente. Antes de pegar o frasco, toquei-o com um dedo para ver se eu não seria machucada.

Madame Lusa tinha me alertado que as poções roubadas poderiam queimar as mãos, e para isso me deu a luva que eu estava usando. Ao constatar que eu não seria ferida, coletei o pequeno frasco rosa e aquele ao lado deste – a poção que a Madame me pedira. Antes de descer as escadas, espirrei no vidro danificado um dos produtos emprestados pela encantadora e o material se refez completamente, para minha surpresa. Havia vários daqueles frascos cor-de-rosa, então Salizar talvez nem notasse o sumiço de um, do mesmo modo a poção da juventude.

Desci e fui até a prateleira de destaque onde ficavam os líquidos para espinhas. Esses eram muito procurados e pouco caros, então apenas apanhei um e coloquei na bolsa.

Assim que atravessei a porta para sair da Encantos & Sonhos, pintei a linha de proteção de volta no chão com o pincel, um sussurro saindo para o ar, e tranquei a loja. Por fim, joguei a chave por debaixo da porta, para que o dono pensasse que a havia deixado cair ali antes de sair, e corri discretamente para longe da cena do crime.

*** 

Voltei ao esconderijo de Madame Lusa, devolvi os itens mágicos a ela e lhe dei a poção que me pediu. Ela aparentou surpresa e satisfação e me senti orgulhosa de mim mesma. Eu sabia que depois daquela missão havia ganhado o respeito da encantadora, e provavelmente de outros ladrões, caso viessem a saber.

Passei o resto da madrugada cozinhando. Ao amanhecer do dia, meus chocolates estavam prontos. Quando terminava de rechear as trufas, abri cuidadosamente o frasquinho rosa que eu havia roubado, e, ao fazê-lo, um aroma delicioso exalou no ar.

Fechei os olhos, apreciando, e em seguida, com muita cautela, deixei cair uma gota generosa do líquido mágico dentro da última trufa da bandeja. Tampei-a com mais chocolate, coloquei uma pequena cereja por cima para diferenciá-la das demais e sorri para minha obra finalizada. Eu estava morta de cansaço, mas tinha mais trabalho a fazer, então joguei um pouco de água no rosto, dei batidinhas em minhas bochechas e arrumei os cabelos despenteados.

Numa última olhada no espelho, concluí que eu estava com uma aparência aceitável. Alisei o vestido longo, o único que tinha para ocasiões, e treinei o sorriso. Cobri a bandeja de trufas, peguei-a nas mãos e saí de casa.

Continua...

...

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O Lado Escuro do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora