Parte II

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Parte II

O centro era movimentado já àquela hora da manhã. Ninguém perdia tempo dormindo até tarde em Rasminn. Desta vez, porém, não fiz como todos que montavam suas bancas e dispunham os produtos onde quer que eles fossem ficar à vista. Minhas costuras tinham permanecido em casa e eu não pretendia fiar ou tricotar mais nada.

Escondi o meu luto e fingi que eu era uma cliente, apenas uma daquelas pessoas ricas passeando, ou as ilegais que só agiam à noite e passavam o dia usufruindo dos seus ganhos. A diferença era que eu não possuía roupas elegantes, mas pelo menos eu estava usando o único vestido que tinha para ocasiões especiais (ou o mais especiais que podem ser os compromissos dos pobres).

A minha terra era mágica mas eu não o era, assim como a maioria das pessoas ali. Nascer com o dom era quase que uma porta para o sucesso. Eu já havia tentado, ah como havia! Se tivesse conseguido lançar ou produzir qualquer coisa útil eu nunca iria pensar em entrar para o crime.

Para os menos afortunados, essa parecia ser a única chance de uma vida que não fosse uma montanha de lixo de frustrações. Não estou dizendo que fazer um crime é fácil, eu estava comprovando aquilo naquele momento, mas nem mesmo o encarceramento parecia uma possibilidade que me fizesse desistir.

Eu sabia de vários homens e mulheres que haviam sido pegos, no entanto sempre era possível negociar com os justiceiros. Eu não sabia de ninguém que havia parado na prisão de Ashmon, mesmo sendo ali perto. Talvez um ou dois com feitos terríveis nos ombros, mas na maioria dos casos isso não acontecia em Rasminn. Um fora-da-lei ajudava o outro, como irmãos.

Eu não tinha amigos que aprovariam minhas intenções, e talvez eu nem precisasse ir atrás de um grupo. Minha primeira experiência com roubo seria para um propósito pessoal que, se funcionasse, eu não ia precisar cometer um crime nunca mais. Eu não ligava para as consequências enquanto houvesse pelo menos uma pequena chance de sucesso. O fundo do poço já era meu futuro mesmo...

Assim, caminhei pelas ruas de tijolos olhando ao redor, registrando tudo o que podia. Passei pelo Câmbio, pelo açougue, pela loja de roupas... e então parei a alguns metros da Encantos & Sonhos. Nesse mesmo instante, uma carruagem buzinou para mim, eu estava bloqueando a passagem. Afastei-me e eles passaram: o Barão Adalwin e seu filho, Wes, sentados pomposamente, chacoalhando no acento pelo movimentar turbulento das rodas no chão desigual.

Podia ser coisa da minha imaginação, mas jurei ter visto Wes me direcionar um olhar. Meu coração disparou, aumentando minha ansiedade de seguir em frente com o plano. Há muitos anos eu tentava obter a atenção dele, mas havia sempre garotas demais fazendo o mesmo. Era difícil resistir àqueles olhos verdes, e o negro sólido de seus cabelos, e o seu sorriso perfeito, e a elegância que não parecia haver em mais ninguém que eu via ao meu redor...

Parei em um ponto que me permitia ver o interior da Encantos & Sonhos. Salizar estava lá, tirando a poeira de seus frascos. Olhei para a posição do sol. Oito horas. Fiquei ali, e não demorou nada e quem eu esperava chegou.

O jovem mensageiro, mais novo do que eu uns cinco anos provavelmente, caminhava para a loja e eu o parei. Ofereci-lhe alguns doces para que me dissesse onde o Encantador guardava a chave da loja. Empolgado com o desafio, ele aceitou. O menino então entrou, entregou ao dono do negócio a carta que tinha ido deixar, e enquanto Salizar procurava a gorjeta, vi que ele mexeu em uma bolsa. Assim que o mensageiro voltou, deu-me a chave.

Levantei as sobrancelhas. Eu não esperava por aquilo.

— Sou conhecido como Mãos Velozes — disse ele, orgulhoso.

Descobrir que o mensageiro tinha um codinome para o crime não me surpreendeu como deveria.

— Mas e como ele vai trancar a loja?

— Essa é a chave reserva.

— E você não acha que ele põe também proteções mágicas? — verbalizei o que vinha pensando e tinha me tirado o sono aquela noite.

— Sim, eu acho — o mensageiro respondeu tranquilo. — Mas se quer fazer isso, deve procurar Madame Lusa. Ela vai lhe dar todos os aparatos mágicos.

—Vender, você quer dizer. — Meu ânimo foi para o chão.

— Ela faz empréstimos, digamos assim. Se você é bem sucedido na missão, então significa que o equipamento funciona e você saiu com algo de valor.

***

Cheguei ao esconderijo de Madame Lusa no fim da tarde, e nunca o teria achado se não fosse pelas instruções do mensageiro. Havia sido preciso enfrentar uma longa caminhada pela floresta úmida que cercava a praia.

Dentro de uma das cavernas, Madame Lusa mantinha seu "ateliê" de artes mágicas, objetos para o crime espalhados em todas as superfícies. Senti um frio no estômago ao ver todas aquelas coisas sinistras. Ela era uma mulher pequena e muito calada, seus longos e embaraçados cabelos pretos afastados do rosto para que ela não fosse coberta por eles.

Eu disse qual era meu objetivo e ela me deu todos os materiais necessários, explicou como usá-los e prometeu sigilo. Fez com que eu assinasse um contrato que dizia que eu deveria devolver tudo no dia seguinte, junto com o pagamento a negociar. Ela me pediu uma poção da juventude, e o mensageiro, por sua vez, uma poção para espinhas (os doces, afinal, não tinham sido suficientes pelo serviço dele).

Assim, naquela madrugada, vesti-me de preto, enfiei meus cabelos castanhos dentro do capuz e, com os novos apetrechos mágicos, parti para colocar a segunda parte do meu plano em ação.

Continua...

...

Nota da Autora: Muito obrigada por ler! Se gostou, não deixe de escrever um comentário e apertar a estrelinha no topo para dar suporte à história e sua autora. Sinta-se livre também para divulgar a seus amigos e especular...

O Lado Escuro do MarOnde histórias criam vida. Descubra agora