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Não tive tempo de trocar de roupa. Assim que cheguei à minha casa fui abordada por Mariana. Eu havia terminado de malhar a pouco tempo e estava toda suada em minha roupa de ginástica colada. O treino daquele fim de tarde da sexta-feira tinha sido pesado. Bati com a mão na minha testa, pois havia me esquecido completamente do compromisso de Mariana: buscar sua tia no aeroporto.

O carro dos pais da minha amiga estava na oficina e o seu pai teve que fazer uma viagem de última hora no carro dela para ir a um velório no interior. Eu havia prometido há dois dias que iria buscar essa tia no aeroporto junto com Mariana no meu carro, mas esqueci o compromisso. No entanto, também não estávamos tão atrasadas. O avião pousaria em meia hora e talvez nos atrasássemos só dez minutinhos, por causa do horário de pico. Do Cristo Rei até o aeroporto de Teresina não demora muito.

Embora devesse estar com raiva, já que Mariana é intolerante com atrasos, ela tinha um sorrisinho bobo no rosto, como se estivesse aprontando algo e não parava de me encarar ansiosa. Senti que estava deixando passar algum detalhe. Aquilo me incomodava. Eu não costumava deixar passar nada despercebido.

— Não estou entendendo esse sorriso besta. – resmunguei, dirigindo apressada para a droga do aeroporto.

— Que sorriso besta? Ficou louca? – e riu desengonçadamente. Minha amiga era uma péssima mentirosa.

— Eu te conheço há 22 anos e sei quando está aprontando alguma coisa!

— Por que eu estaria aprontando algo? Ou melhor, o que eu estaria aprontando?

Mariana embarcou em uma daquelas crises de riso perturbadoras até literalmente chorar. Parei diante do semáforo vermelho e me virei para ela.

— Que porra é essa, Mariana? – perguntei aborrecida – Fala logo!

Logo! – e continuou rindo.

Às vezes minha amiga consegue ultrapassar os limites da infantilidade permitida a um adulto. Respirei fundo e continuei o trajeto em silêncio após o semáforo ficar verde. Quando chegamos ao aeroporto, o avião já havia desembarcado e tinha muito movimento de pessoas com malas ao nosso redor. Os risos de Mariana transformaram-se em tensão e nítida preocupação. Ela estava nervosa e suava por causa disso.

— Eu não me lembro do rosto da sua tia. Vê se a encontra nessa multidão. – disse observando o painel eletrônico que informava sobre os voos.

— Alice, desculpa por isso. – ouvi a minha amiga dizer quase sussurrando.

Revirei os olhos, ignorando Mariana. Ela começou a andar de um lado para o outro, tentando avistar a sua tia. De repente, alguém chamou a minha atenção, destacando-se pela beleza divina em meio aos reles mortais. Ele também era muito alto, o que facilitava que eu o visse.

Os cabelos compridos com ondas nas pontas possuíam fios louros. A barba densa e fechada era do mesmo tom de cor. Os olhos eram verdes e procuravam alguém. Reparei que ele possuía músculos definidos por baixo da camisa de algodão grudada no tórax. Ele não era Thor nem o Capitão América de Os Vingadores, era melhor. Eu não consegui desgrudar os meus olhos daquele Super-Homem. Aliás, se ele quisesse me chamar de Lois Lane e me salvar da minha falta de sexo eu não o impediria.

— Mariana, eu acho que morri e estou no céu olhando para um anjo. – disse maliciosamente para minha amiga ao me aproximar dela, que estava distraída roendo as unhas – Mas não estou pensando em nada angelical.

— O que foi que você viu? – ela me deu atenção.

— Olha discretamente para aquele pedaço de mau caminho louro que está conferindo as horas no seu relógio. – indiquei com a cabeça – Aquele barbudo lindo carregando duas malas de couro marrom com rodinhas. Estou com água na boca. Será que ele é gay? Espero que não, porque estou quase indo lá pedir o seu número.

Ela o encontrou e gemeu um "ai, meu Deus", colocando uma mão sobre o peito. Depois me encarou assustada e gargalhou.

— Você vai me matar! – e cobriu o rosto com as mãos.

Olhei novamente para a mistura de Thor com Capitão América e nossos olhos se encontraram. Quer dizer, aquilo não foi um encontro. Nossos olhos se penetraram. Nós nos encaramos pelo que pareceu uma eternidade. Mordi os meus lábios, sentindo-me excitada por flertar daquele jeito com um estranho. Ele me exibiu um sorriso reluzente que me arrebatou para outra dimensão e começou a caminhar na minha direção. Meu coração acelerou. Suspirei.

Ai. Meu. Deus. Ele está vindo, Mariana! – tentei não parecer animada demais.

— Desculpa, desculpa, desculpa... – minha amiga repetia sem parar.

— Deixa de loucura, Mariana! Você não está vendo que hoje eu vou transar? Seis meses! Seis meses sem sexo. Não vou desperdiçar nenhum centímetro dessa barba no meio das minhas pernas.

Então o estranho se aproximou de nós e seu rosto me pareceu muito familiar. Seus olhos ainda me fitavam, mas não eram olhos de flerte e sim de... Deboche? Meu coração desacelerou de um jeito que pensei que tinha enfartado. Virei para Mariana. Eu conhecia aquele Super-Louro.

— Quem é que viemos buscar aqui mesmo? – perguntei de modo que ele pudesse ouvir.

— Desculpa, Alice! – e o seu rosto se explodiu em felicidade quando olhou para o suposto estranho sedutor. Ela pulou em seus braços e ele a rodopiou no ar. Seu sorriso reluzente agora era todo dela e eu estava odiando a ideia de ter desejado transar com ele.

— Você pintou os cabelos! Quase não te reconheci. – ele disse ainda abraçando minha amiga, a voz grave e levemente rouca. Eu não lembrava que ele tinha uma voz tão desconcertante...

— Eu estava com tanta saudade, Danilo! – gritou Mariana.

Ouvir o nome dele me causou tremores.

— Agora acabou a saudade, irmãzinha! – ele gargalhou.

— O Dan voltou para ficar! – disse Mariana soltando o irmão e me encarando com expectativa enquanto eu tentava não enfartar.

— Que bom. – foi a única coisa que consegui murmurar com minha boca seca.

Mônica, é você?! – ele gargalhava para mim, mas muito provavelmente de mim. Parecia surpreso, mas encantado. Maldição.

— Vai se foder, seu idiota. – as palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse controlá-las. Doeu ser chamada de "Mônica". Foi como estar no ensino médio novamente.

— Calma, garota! – ele ainda ria – Eu só estava tentando quebrar o gelo.

— O que mais tem aí? Um balde de tinta? – fingi procurar o objeto e o vi emudecer na minha frente.

— Poxa, Alice... Eu sinto muito. Não deveria ter te chamado de Mônica.

— Você não deveria nem estar aqui.

Dei as costas para ele e comecei a caminhar em direção à saída, sendo seguida por Mariana e por Danilo.

— Alice, me desculpa por isso. – disse minha amiga.

— Por que você mentiu para mim? – eu não conseguia encará-la – Eu não teria me recusado a vir buscar o seu irmão no aeroporto. Só queria estar preparada para isso.

— Eu pensei que se o encontro acontecesse ao acaso você pensaria menos sobre isso e veria que a sua mágoa é uma bobagem.

Caramba! – gritei sentindo o autocontrole abandonar o meu corpo – Porque é mesmo uma bobagem detestar alguém que te humilhou em público!

— Não foi isso o que eu quis dizer. – ela parecia arrependida.

Encarei Danilo que nos observava apreensivo. Eu estava me sentindo ridícula, humilhada, enganada, envergonhada. Talvez estivesse exagerando. Respirei fundo e contei até dez na minha mente quando vi Mariana começar a chorar.

— Ele vai para a sua casa ou para algum hotel?

— Vai para a minha casa. – ela sussurrou.

— Então vamos embora.

O IRMÃO DA MINHA AMIGA (VOL. 1 - SÉRIE OS IRMÃOS)Onde histórias criam vida. Descubra agora