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Logo chegou o outro dia. Meus pais me convidaram para um jantar. Sim, já se passara um mês. Todo mês eles me convidam para jantar e para conversar. Me perguntam se preciso de algo, se está tudo bem. Posso não ser mais responsabilidade deles, mas sinto que eles se importam. Estão sempre aqui para ajudar.

Como gratidão, sempre vou. Confesso que sinto falta de quando era criança e tinha vários amigos, uma família grande que vivia sempre em casa, pessoas que me abraçavam e brincavam comigo. Mas isso já passou. Embora na época fosse difícil, eu tive que me acostumar. Olhei para mim mesma no espelho e pensei o quanto era ridículo sofrer por algo que não poderia existir.

Subo na minha bicicleta e vou em direção à casa dos meus pais. Eles decidiram se mudar para uns centímetros perto da área segura. Já estavam ficando mais velhos e estar no meio de uma guerra não iria ajudar. Já eu, acabei tendo que morar no centro de tudo. Passo pelos mendigos, pelas lojas vazias, hospitais cheios, casas quase desabando. Ninguém reclamava. Quando anunciaram a área perigosa, foi como se todos recebessem uma nova personalidade. Não importa o quanto tudo estiver ruim, você sempre aceitará aquilo. Simples assim.

Chego na casa de meus pais. Bato na porta. Eles abrem e me recebem, enquanto entro e encontro convidados. Olho para os meus pais. Nunca em toda minha vida eles convidaram pessoas. Olho no meio deles um jovem extremamente igual ao de ontem. Oh meu Deus! Aquele é o Colin!

Me espanto. Ele pareceu me reconhecer e sorriu, acenando fraco. Cumprimento rapidamente os outros e me sentei ao lado dele.

- Como tinha tanta certeza que me veria de novo? - pergunto, pasma.

- Não sei. Tinha a impressão de já ter te visto. E acho que queria te reencontrar. - ele completa, sorrindo. Não era qualquer sorriso. Era o sorriso. Um sorriso do tipo que eu não via em muitos. De alegria de verdade. Isso me fez derreter por dentro e retribuir o gesto.

Minha mãe trouxe a comida, colocando-a na mesa. Enquanto isso, meu pai me apresentava aos convidados. Descobri que ali estavam os pais de Colin e sua irmã mais nova. Ela era uma fofa e apenas uma criança. Ao lembrar disso, fiquei triste. Uma criança estava vivendo numa guerra. E, mesmo assim, eles pareciam tão felizes. Qual o problema com essa família?

Ao me apresentar Colin, sorri alegremente. Ele não mediu esforços em ser gentil também.

- Apesar de tudo, ainda não sei seu nome. - ele comenta, indiretamente.

- Sou Julie. Prazer.

- O prazer é todo meu, querida. - ele me diz, encarando fixamente meus olhos e sorrindo. Ele piscou para mim rapidamente. Isso me fez rir um pouco. Era ridículo o jeito que ele fazia qualquer coisa ficar engraçada.

Após comermos, a conversa sobre a guerra foi inevitável. Eu sabia que, desde que a declararam oficial, não conseguia parar de pensar nela. Tudo em minha volta, tudo mesmo, eu relacionava à guerra. Mas, ouvir outras pessoas falando, tornava tudo mais difícil. Elas comentavam do passado, em como tudo era. E minha única vontade era de sair correndo e arranjar uma máquina do tempo.

- Posso sair um pouco? - Colin pergunta.

- Seria uma falta de educação, Colin! - reclama sua mãe, parecendo abismada com a pergunta.

Colin se levanta.

- Não vou demorar. Só preciso olhar um pouco a paisagem.

A mãe dele olha para a minha, buscando consentimento. Minha mãe acena com a cabeça e faz um cara como se não fosse nada demais. Colin abre a porta, porém não vai. Se vira para nós, enquanto aguardamos ele ir.

- Não vem comigo, Julie?

- Ah! Vou sim, claro. - digo, desnorteada.

Me levanto e saio junto dele. Ele fecha a porta.

- De nada!

- Pelo quê? - pergunto, confusa.

- Ah, por favor. Eu vi sua cara de desespero ao ouvir as barbaridades. Eu tinha que te tirar de lá.

- Obrigada. - digo, evitando olhar nos olhos dele. Ele se senta na escada em frente minha casa e eu faço o mesmo.

- Você não tem cara de alguém feliz. - ele fala, porém parece não estar aqui, junto à mim. Parece se perder em seus pensamentos, como se buscasse olhar para outra realidade.

Começo a ficar brava e me levanto.

- Como assim? Como alguém pode ser feliz em plena guerra? Mortes, tiros, ódio! Tudo de ruim. - faço uma pausa e sento novamente. - É impossível ser feliz assim. É impossível aproveitar a vida.

Ele me olha pasmo. Por um momento, penso em ter falado algo demais ou desnecessário. Tento me lembrar exatamente do que disse.

- Bom, em parte, te entendo. Mas, o que você faz?

- O que eu faço?

- Sim! O que você faz? O que você faz pra mudar essa situação?

- Bom, eu não vou me envolver na guerra... Seria loucura!

- Não nesse sentido... O que você faz para mudar essa situação na sua vida?

- Na minha vida? - penso. Porém, falho terrivelmente em tentar achar algo. - Acho que nada.

- Nada? Interessante... - ele faz uma pausa e pensa, cautelosamente, em suas próximas palavras. - Então quer dizer que você não conhece as Maravilhas da Guerra?

- Não há maravilhas na guerra. - falo, com um tom irritado.

- Você realmente não sabe das coisas, pequena Julie. Vou ter que te ensinar algo.

- Me ensinar? Eu não preciso que você me ensine nada. - cruzo os braços enquanto falo.

- Você precisa ver o quanto está parecendo uma criancinha assim. - ele diz, com um sorriso enorme no rosto. - Veremos então se preciso ou não te ensinar algo. Está livre amanhã?

- Eu sempre estou livre.

- Ok! - ele faz uma pausa e ri novamente. Percebo que continuo com os braços cruzados. Mudo de posição rapidamente. - Te vejo amanhã, pequena Julie.

Ele vai embora, sem se despedir de ninguém. Como se não devesse nada. Ele simplesmente quis ir, e foi. Teria que confirmar com meus pais o horário que ele viria amanhã. Com certeza ligaria pra eles para saber qual o meu endereço. Isso é totalmente maluquice. Mas, não custa nada ir. Ao final, veremos quem é o dono da razão.

Rio sozinha depois que ele se vai. Por mais que não acreditasse nele, estava curiosa para conhecer as Maravilhas da Guerra.

Amor meu em dias contadosOnde histórias criam vida. Descubra agora