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Fiquei abismada com o horário que ele viria. Por acaso Colin não dormia? Ele me disse que passaria aqui bem cedo. Logo perto do nascer do sol. Depois que me informei disso, voltei apressada para casa. Precisava dormir cedo para conseguir acordar no outro dia.

Colin chegou no horário certo. Suas roupas estavam totalmente diferente do dia em que o conheci na rua. Ele ofereceu o braço, por educação, e eu o segurei.

- Para onde vamos? - pergunto, tentando esconder minha ansiedade.

- Você verá, pequena Julie. E tenho certeza que irá gostar - ele diz com um sorriso fofo.

- Mas eu estou com tanto sono - digo, totalmente desnorteada.

- Dessa vez não vai demorar. Não é tão longe assim - ele diz, enquanto se concentra nas ruas.

Realmente, não demoramos. Não prestei muita atenção no caminho. Colin estava perdido em seus pensamentos de modo silencioso. Mas era um silêncio bom. Assim eu conseguia aproveitar cada minuto. Não conhecia o caminho então apenas guardei as imagens na minha mente, para me lembrar depois.

Chegamos em um lugar lindo. Era como um sonho. Não sei onde estávamos - e poderíamos estar fora da área segura - mas me senti livre. O lugar era indescritível. Era como uma ladeira. Em volta eram poucas árvores mas, ao descer mais, havia um lago cristalino maravilhoso. Embora houvesse árvores, elas estavam muito distantes o que fazia com que o lugar fosse mais aberto. Após o lago, vinha uma linda montanha que tinha seu reflexo perfeito e simétrico na água. 

Colin desceu e se sentou na beira do lago. Eu estava parada, de tão surpresa com a paisagem. Ele gritou:

- Você não vem?

Então eu desci também, mas não me sentei; decidi aproveitar o vento. Abri os braços e me permitir me sentir livre. Não havia mais guerras, nem problemas. Era perfeito.

Colin não tirava os olhos de mim. Seus olhos expressavam algo como orgulho e felicidade. Fechei os olhos e tentei aproveitar o máximo que consegui. Depois de perceber que deixei ele sozinho por muito tempo, me sento ao seu lado.

- E então? O que achou? - ele diz, olhando para a montanha.

- Isso é incrível! Mas qual a relação disso com a guerra?

- Você já ouviu falar que só damos valor quando perdemos, né? - ele diz e eu concordo com a cabeça. Ele começa a me olhar de novo. - E se eu te dissesse que é por isso que tudo isso aqui é maravilho? Quando não existia guerra, esses lugares eram apenas lugares. Todos conheciam porém poucos admiravam com outros olhos. Servia apenas para as fotos mais embelezadas. 

- Como assim? Todos amam paisagens assim.

- Não estou dizendo que não amam. O problema é que eles apenas veem esses lugares. Os olhos da dor fazem ela ficar mais bonita do que já é. Quando você faz destes lugares seu próprio refúgio, tudo muda.  Depois da perda as pessoas mostram o que é realmente importante para elas - ele olha em volta - E eu não estou vendo mais ninguém aqui conosco. Agora que todos perderam esse lugar, devido as preocupações da vida, ele vira um lugar diferente. Exclusivo, inovador. É como se você passasse a enxergar esse lugar como uma representação de algo bom no meio das tragédias. Eu chamo de amor no ódio.

Concordo com a cabeça. Eu entendo o que ele quer dizer. As pessoas não davam valor de verdade à esses lugares e imaginar o quão único eles podem ser agora me faz me sentir mais surpreendida.

- Amor no ódio? - pergunto, tentando fazer com que falasse mais.

- Sim. Essas paisagens expressam amor. Não sei como você as encara, mas eu só consigo ver coisas boas. Observar a natureza nos mostra como o amor está presente em muitas coisas. Por exemplo, quando te trouxe aqui foi uma demonstração de amor - ele cora um pouco ao falar a última frase e vira o rosto enquanto o encaro. - Já a guerra é puro ódio. Ódio que gera ódio.

Ele pareceu abalado e irritado ao falar a última frase, então passo o braço em volta dele.

- Está tudo bem, Colin. Sabe por quê? - ele se cala e entendo o silêncio dele como um consentimento para continuar falando. - Porque o mundo tem você. Todos deveriam aprender com você o quão incrível é olhar o lado bom das coisas.

Tentei olhar para o rosto dele e vi a raiva cessando. Ele continuou:

- Eu odeio a guerra e esse é o único ódio existente em mim. Quando eu tinha cinco anos, meu irmão mais velho teve que se alistar ao exército. Ele me disse antes de partir que não voltaria. Eu não entendi bem; ele só precisava sobreviver. Então ele me disse que se sobrevivesse estaria apoiando a guerra. E ele não queria nem mesmo tocar em uma arma - ele suspira e faz uma pausa enquanto seus olhos parecem estar perdidos em seu pensamento. - Então eu descobri que colocaram ele em posições estratégicas... para matá-lo. Ele era inútil lá. Só servia de distração.

- Eu sinto muito, Colin. Não sabia que isso tinha acontecido.

Ele se calou. Então o abracei e esperei até ele melhorar. A dor em seus olhos era totalmente evidente. Mas mesmo assim, ele continuou a admirar a paisagem; como se fosse a última coisa que veria ou como se estivesse vendo seu irmão pela última vez.

- Você vai me levar à mais lugares assim?

- Claro, pequena Julie. Quantos você quiser conhecer.

- Então quero conhecer todos! - digo animada e ele ri.

- Mas agora temos que ir. Amanhã passo na sua casa no mesmo horário. Dessa vez se prepare, caminharemos bastante.

Ele se levanta e eu faço o mesmo. Enquanto ele volta eu paro e dou uma última olhada para a paisagem. Eu não quero esquecer nenhum detalhe dela. Então pego o meu celular e tiro uma foto. Colin, percebendo que eu continuava parada, me esperou de costas. Então peguei meu celular e tirei uma foto dele. Seria minha segunda recordação daquele dia.

Amor meu em dias contadosOnde histórias criam vida. Descubra agora