01

113 9 4
                                    

A chuva cai já faz um tempo. Não imaginava que choveria assim logo que eu saísse da loja. Graças a Deus minha casa fica relativamente perto. As gotas de água entram em contato com minha pele, o que faz com que eu me sentisse livre. Livre da situação. Poderia fingir que é mais um dia normal, que nossa rua não virara um possível alvo ou que eu agora não tinha ninguém. Absolutamente ninguém.

Meus pés correm freneticamente enquanto batem ao chão. Minhas botas, com um discreto salto, fazem um barulho apressado e repetitivo. A cidade se tornara um lugar frio após o início da guerra. As pessoas não se falavam mais, não se abraçavam mais. Era apenas você e quem vivia com você obrigatoriamente. Há anos que não recebo um abraço. Meus pais continuam a me receber às vezes, porém nada demais. Uma visita casual, digamos. Depois que me mudei, não era mais obrigação deles se importar comigo. Nem de mais ninguém. Não importa o quanto eu conhecesse cada um naquela rua, ou se já conheci, eles nunca parariam para ajudar. Nem me emprestariam um guarda-chuva ou sequer falariam comigo. Nem uma única palavra.

Quanto mais corro, mais a chuva aumenta. Tento me conformar que não havia jeito de chegar sem estar encharcada. Mesmo assim, tento me apressar. A chuva para e eu me bato em algo.

- Não olha por onde anda? - pergunto colocando minha mão na cabeça. A batida me machucara.

- Perdão, senhorita. - olho para cima. Um homem alto e elegante fazia um grande contraste com a rua. Não havia um guarda-chuva remendado ou antigo, pelo contrário. Tudo que ele tinha era de mais alta classe. - Me perdoe ser rude, mas, lhe conheço de algum lugar?

O encaro. Admiro todo o seu rosto, seu cabelo. Suas feições impecáveis de um rapaz invejado. Tudo certinho e no lugar devido. Desvio o olhar. Talvez pensasse que era mal educada.

- Não que eu me lembre. Moro aqui desde criancinha. Já o senhor, deve vir em mais uma daquelas visitas para ver se ainda há pessoas vivas.

- E então é que se engana, não vim para fazer nenhum relatório. E não sou muito mais velho que você e nem rico. Pode me tratar como trataria qualquer um aqui.

O encaro de novo. Ainda continuo debaixo de seu guarda-chuva; poucos centímetros de distância dele.

- E como eu trataria alguém aqui?

Ele parece se espantar com a pergunta.

- Não sei como são as coisas aqui, perdão. Me mudei recentemente.

Alguém se mudando para uma das ruas mais perigosas do país? Será que ele não sabia da guerra?

- Você teve um bom motivo para se mudar, não acha?

- Na verdade, meus pais quiseram relembrar os velhos tempos. Estamos aqui perto, mas nossa casa se destaca um pouco. Falei aos meus pais que era desnecessário que um lugar fosse tão grande e espalhafatoso no meio de casas humildes.

Corei. Ele não sabia que, depois que o governo decidiu nos abandonar, essas casas humildes eram as mais luxuosas. E que muitos nem sabiam o que é ter um lar.

- Também fui convidado para um jantar aqui. Alguns amigos dos meus pais querem revê-los. Estranhei, acho o povo daqui muito frio. - ele prossegue. Assenti com a cabeça, sem olhá-lo. Ele entregou seu guarda-chuva à mim. Mas não peguei. - Não tem problema. Melhor aceitar do que pegar um resfriado depois. Sabe como os hospitais aqui são péssimos.

- Mas como vou devolver? Nem sei onde mora. Nem seu nome. Não acho uma boa ideia.

- Tenho certeza de que essa não será a única vez em que nos veremos.

Como assim? Como ele poderia saber que me veria de novo? Nem me conhecia.

Peguei o guarda-chuva, receosa. Nunca me fizeram um ato tão gentil, então murmurei várias vezes o quanto eu estava grata. Ele se virou para ir embora. Fiz o mesmo.

Quando andava de volta ao meu caminho, ele gritou. Olhei para trás. Vi seu cabelo molhado cair em seu rosto, deixando-o com um aspecto totalmente diferente do inicial. Mas, ele continuava muito elegante.

- Meu nome é Colin. - ele gritou de longe, colocando as mãos na boca para que o som fosse mais alto. Sorri e me virei.

Tenho que voltar para casa, Colin.

Amor meu em dias contadosOnde histórias criam vida. Descubra agora