Mal educadas

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A noite foi longa. Em momento algum Jessica deu sinal de estar ali. Seu corpo estava na minha frente, seus pulmões respiravam e seu coração bombeva o sangue por todo o seu corpo, mas ela não parecia mais estar ali. O médico havia passado diversas vezes durante a noite inteira e em uma dessas vezes eu o perguntei quais eram as probabilidades de que ela acordasse.

— O cérebro dela passou muito tempo sem oxigênio com a parada cardiorrespiratória. — Suspirou. — Se ela acordar pode até haver sequelas.

Tudo o que lhe dei como resposta foi um movimento positivo com a cabeça. Durante todo o tempo daquela longa noite, eu estive olhando para ela, fitando seu rosto e suas mãos na esperança de que algum músculo se mexesse dando-me um sinal de vida. Mas nada aconteceu.

Logo o sol estava nascendo e as luzes de seus raios estavam entrando pelas brechas da persiana quando Joseph adentrou o quarto com um café na mão; sua expressão demonstrava que estava surpreso por me encontrar ali, já que normalmente eu sairia antes dele chegar só para não precisar ter que olhar para a cara dele. Desviei meus olhos fixando-os novamente em minha irmã. De relance o vi sentar do outro lado do quarto em um poltrona individual, já que eu e estava no sofá de dois lugares.

Os milésimos, os segundos, os minutos e as horas passaram em um piscar de olhos, a tarde já se iniciava e Joseph acabara de trocar de turno com minha mãe e eu não havia mexido um músculo sequer para sair dali. Apenas fiquei sentada a olhando esperando que me desse algum sinal, eu precisava que Jessica me desse alguma esperança.

— Não acha melhor ir pra casa descansar um pouco? — Minha mãe perguntou me fazendo desviar os olhos pra ela. Contudo, eu não tinha forças, e nem queria ter, para respondê-la.

Cruzei os braços e voltei a olhar minha irmã, os fios loiros ornando perfeitamente com o tom claro de sua pele e os traços angelicais; só faltavam duas coisas: os olhos azuis abertos e o sorriso enorme nos lábios, que Jessica carregava onde quer quer fosse.

Dona Clara não se deu por vencida, saiu do quarto voltando com um suco e um sanduíche, disse que mandaria proibirem minha entrada se eu começasse a agir daquela maneira e então, para completar a chantagem emocional, chorou dizendo que eu precisava me cuidar pois ela já estava sofrendo demais. No final, eu comi o sanduíche e bebi o suco apenas para fazê-la ficar calada e calma; eu precisava de paz.

Minha mãe pegou o celular discando algum número e saiu do quarto ficando lá fora por uns minutos antes de voltar e se sentar na poltrona fazendo alguma peça de tricô. Quando a noite já estava próxima de cair novamente, Mayra atravessou a porta do quarto a fechando atrás de si.

— Oi, tia! — Beijou a bochecha da minha mãe. — Oi,Jess! Vamos lá garota, você consegue! — Ela disse beijando bochecha da minha irmã, que permanecia imóvel na cama. — Sua encomenda! — Finalmente dirigiu-se a mim me estendendo uma mochila que eu reconhecia como minha. Ela havia ido ao meu apartamento, provavelmente por ordem de minha mãe. Quando percebeu que eu não a pegaria e nem a responderia se sentou ao meu lado me olhando. — Sua mãe pediu para eu trazer umas roupas pra você tomar banho porque está aqui desde ontem, sem comer, sem falar, sem fazer nada. Eu sei que dói, mas você precisa reagir! — May me puxou para um abraço apertado que não foi retribuído.

Depois disso, ela e minha mãe entraram em algum assunto sobre alguma coisa qualquer, não me importava de qualquer forma, porque a noite chegou e eu já me encontrava sozinha naquele quarto novamente. Estava emocionalmente cansada de ter que ficar ali buscando ter esperanças.

Fechei meus olhos encostando a cabeça no sofá macio abaixo de mim, mas o sono não me atingia. A porta do quarto foi aberta, mas eu não precisei abrir os olhos para saber quem era, porque um perfume doce de shampoo preencheu todo o ambiente. O outro lado do sofá afundou levemente demonstrando que ela havia sentado ali e segundos depois senti seu corpo de aconchegar ao meu em um abraço apertado; sua cabeça próxima ao meu rosto deixava o seu perfume ainda mais intenso aos meus sentidos que, automaticamente, respondiam a ela. Rodeei meus braços em sua cintura a trazendo mais para mim e desencostei minha cabeça do encosto abrindo os olhos e encontrando os seus tão marcantes.

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