Ainda a Copa

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Junho 2010

Neste momento em que já estamos fora da competição, seria natural não falar mais do assunto. Mas, 1: ele ainda está em todo canto; 2: o tema vinha ganhando embalo e, pelo que vejo, como um trem em movimento, não cessa assim de repente. Claro que é possível evitá-lo, mas por que não falar sobre a Copa? Enfim, menos um problema: o tema.

Há três semanas, os corações brasileiros já discutiam, apaixonados, suas preferências em campo. As mulheres sábias, mais uma vez, se entregaram ao que os homens já vêm adorando há tempos. E eu, a quem ninguém pediu que escrevesse um blog de crônicas, vi-me na condição de ter que optar pelo desafio de falar do assunto.

Tarefa difícil, pois. Quando procuro a bola na tela da tevê, já disse, tenho três possibilidades: ou ela está fora do campo, ou está em jogo, mas já passou para o pé de outro; ou eu a confundo, com frequência, com uma certa marca redondinha e branca que fica no campo, se não me engano, perto da tal grande área. E daí vemos como é o português: por que não dizer área grande? Não seria a mesma coisa, concordo.

Comecei, então, há três semanas, a cortejar o tema pelas bordas, falando de futebol sem falar, para não cometer erros por demais grosseiros. Envolvi-me no calor do debate, da torcida, do "verde-amarelo", e participei da inevitável vocação nacional para a discussão monotemática. Ninguém queria mesmo falar sobre o que não fosse a tal da pátria de chuteiras, não havia como não encontrar um jeito meu de falar também.

Encontrei. Gostei do desafio e, na semana seguinte, não tive dúvidas: rolei a bola do texto, certa de estar fazendo a coisa certa. E assisti aos jogos com brilho, dedicada a sugar dos lances uma crônica evolutivamente melhor do que as anteriores. Cheguei a sonhar com a possibilidade de tirar o sumo de cada jogo. Como qualquer brasileiro, enfim empolguei-me. Só que a derrota veio cedo e eu – como os torcedores apaixonados também fizeram – abandonei o campo.

Mas chego ontem ao salão para fazer as unhas e os camisa-laranja disputavam com os camisa-branca. Estendo a mão para a Neia. Nada perguntei a ela; instintivamente virei a cabeça para a televisão, no alto. "Ih, isso aí tá sem graça, uma paradeira só, trinta minutos do primeiro tempo e não saiu nada ainda", ela disse. Eu ri e continuei com a mão estendida, pensando em sei lá o quê com o olho na tevê.

O salão é pequeno, mas movimentado de profissionais e clientes. Tinha cinco crianças ontem. Fui saber que a dona tem uma irmã gêmea: loura, americana, mãe de cinco filhos, a passeio no Brasiu. Engraçadíssimo ver as duas caras iguais de cabelos diferentes num ambiente conhecido dos meus olhos que sempre reconheceram apenas uma espécie daquele tipo. Mulheres por toda parte, e a tevê passando o futebol. Impensável tempos atrás: tevê de salão de cabeleireiro ligada à tarde em jogo de futebol que não era do Brasiu.

Sinal dos tempos. Ando procurando outros sinais, mas me confesso impossibilitada de enxergar. Não consigo enxergar o mundo como era há trinta anos, por exemplo. Embora eu já fosse gente, é tempo demais para contrastar. Parece que o mundo mudou, mas mudou tanto que sei perfeitamente que não estou conseguindo acompanhar. É uma tarefa humanamente impossível, muito mais difícil do que acompanhar o futebol.

Como é que eu ia fechar esse texto mesmo? Ah, com a licença dos leitores, agora que estamos chegando perto do fim dessa tal de Copa de Mundo, eu ia dizer que esse negócio não tem graça mesmo. Certamente não vencerá o melhor, porque diversos "melhores" ficaram pelo caminho; tampouco é justa. Pelo menos os juízes, na condição de juízes, deveriam ser impecáveis. Não foram. E aquelas brutalidades deselegantes e desonestas entre os colegas de times diferentes? Então, futebol é como a vida, ora. Punto e basta! Continuo gostando mais de novela.

Se Essa Rua Fosse MinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora