Sei que muita gente não gosta de Passione, a novela das nove, do Sílvio de Abreu. Não é o meu caso. Conheço algumas mulheres órfãs de Manoel Carlos e das suas histórias de costumes. Elas acham que a trama atual tem muita coisa pesada, muita maldade. Era assim que eu via A Favorita, de João Emanuel Carneiro, então, não via sempre. Adoro novela, mas este não é o tema. O tema é a mentira.
Na novela atual, a trama – engenhosa, a meu ver – se baseia na mentira. E, de forma, às vezes, mais, às vezes, menos óbvia, a mentira se firma na capacidade de gerar crença no interlocutor, de se fazer valer, de travestir-se de verdade. De nada adianta uma mentira se ninguém acredita nela. É uma mentira que não vale nada.
Em Passione, Tony Ramos acredita(va) em cada mentira que Mariana Ximenes inventa. A mentira, com frequência, a salvou. Muitas vezes, sentimos a mão do autor levar a trama ao extremo do conflito para, no dia seguinte, o vilão ser salvo por uma mentira. Ali, todo mundo mente. Até os mocinhos sem sal na história, Rodrigo Lombardi e Carolina Dieckman, passaram a mentir também. Tem os que mentem para si próprios, como aquela atriz/modelo nova, Mayana Moura. E, inclusive, a outra mocinha extremamente sem graça – Larissa Maciel, no caso – até essa tem, também, uma mentira escondida, chamada de segredo. Eu adoro Passione, fique claro. Sou fã do autor e aprecio a trama. Ademais, ele tem um mérito incrível: fez do meu marido um espectador comigo.
Dito isto, volto meu foco para aquilo que não quer calar. Gosto muito da mentira da novela, porque sei que tudo ali é de mentirinha. E os atores são bons ou ótimos. Eles não querem me enganar, querem me seduzir. Às vezes chegam a ter que mentir que não-estão-mentindo-mas-estão e eu, se acredito, fico feliz. O problema é a novela da mentira, que passa antes de Passione. Ela é que atrapalha.
Na novela da mentira, tudo o que ouvimos pode, no máximo, ser chamado de inverdade. Inverdade não é o apelido da mentira. Inverdade é quando a mentira tem tanta vergonha de ser mentira que não admite – não admite, veja bem – que desconfiem dela. Inverdade é a mentira de dedo em riste.
Enredando o espectador, nos iludem. Mas sabemos, ainda assim, que os políticos, personagens da novela da mentira, escondem as mãos – mesmo quando as exibem gesticulando com veemência. Eles não fingem que mentem, eles mentem que não fingem. Parece fácil de entender, difícil é acreditar. Não se incomodam, esses personagens, de mentir também para mim, que frequentei a universidade! Eles sabem que foi mentindo bem e continuamente que chegaram ali. Na condição de mentir sempre um pouco mais e mais alto, atravessam os meus e os seus ouvidos, alcançando a larguíssima base da pirâmide. Pródiga na moeda corrente: o voto obrigatório.
Dito isto, volto meu foco para aquilo que não quer calar. Não gosto nada nada da novela da mentira e sei que tudo ali é de mentirinha. Os personagens da novela da mentira têm os mesmos papéis de sempre e o script se repete a cada par de anos. Quanto aos atores, há os ótimos e os bons, os ruins e os péssimos. Eles não querem apenas seduzir, também querem enganar. Mentem que não estão mentindo e eu, se acredito... não, não acredito. Fico infeliz. Eles mancham também as exceções e até com elas mentem parecer.
Eu tenho vergonha do meu país na tevê. Vergonha de ver os postos de saúde esfacelados e os esgotos a céu aberto e de ver os números que eles representam. A novela da mentira passa bem longe de Passione. É na grande base de ignorância que a mentira se fia. Ela é que atrapalha.
Em setembro de 2010, quando esse texto foi escrito, Passione, escrita pelo sensacional Sílvio de Abreu estava no ar, era a "novela das oito". Em outubro teríamos mais um round de eleições no país. A mentira dos programetes partidários atrapalhando a minha expectativa pelas muito mais verídicas mentiras da trama da novela me inspiraram então. Lendo agora, o que vc me diz? Gostou? Em breve estarei publicando textos novos aqui no Wattpad.
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