O Carnaval de Salvador era superestimado, com todo o seu barulho e pessoas desesperadas por contato físico com outras pessoas ainda mais desesperadas.
Indiana se sentou no divã, ligeiramente desesperada para se afastar do resto da humanidade que convulsionava na festa da carne mais famosa do mundo.
Não para ela, entretanto.
Movia-se incomodada em compartilhar suas aflições com um psicólogo, mas ela não tinha nenhuma outra escolha ou simplesmente enlouqueceria.
— Conte-me como começou? — O psicólogo idoso que lhe lembrava algo entre Freud e Skinner a incitou a falar e ela tomou uma longa respiração antes de começar a pôr seus pensamentos em ordem.
— Eu ainda era criança quando comecei a desenhar — ela ponderou por alguns segundos — quando cheguei à adolescência já sabia desenhar homens razoavelmente bem e desde então, só consigo desenhá-lo repetidamente, como se as cenas brotassem em minha mente e eu quisesse guardá-las como uma fotografia — ela puxou uma pasta preta de sua bolsa e retirou alguns desenhos dos plásticos protetores — é sempre o mesmo homem, mas conforme fui amadurecendo tenho a impressão que os traços dele também envelheceram, é como se...
— Ele crescesse junto de você? — Ele questionou simplesmente e ela teve uma ideia de que ele encarava o homem de seus desenhos como um alter-ego dela, que acompanhava seu crescimento mental e físico.
— É como se ele fosse real.
O homem fez um som com os lábios que lhe deu a legítima impressão de que ele estava ligeiramente entediado com ela, como se a encarasse como mais uma solteirona com uma terrível fixação por um tipo muito inusitado para ser real. Indiana observou seu próprio desenho se perdendo nos olhos dourados, na maneira como o casaco bege caia desleixado sobre seus ombros largos e os seus longos cabelos loiros, presos firmemente em uma trança apertada que chegava a altura se seus quadris.
Ele não podia ser real. Era basicamente como se ele tivesse saltado de uma revista em quadrinhos.
— Acho que talvez, você sinta falta de companhia e demonstre essa frustração desenhando o homem dos seus sonhos repetidas vezes.
— Eu não estou procurando por homens.
— Eu sei — ele volveu rapidamente — já citou seu voto de castidade que perdura perfeitamente intacto — e ele fez uma menção bastante irônica à última palavra — pelos últimos cinco anos. Mas talvez seu corpo não concorde com seus ideais espirituais.
Ela se virou para ele e franziu as sobrancelhas ofendida, no momento seguinte se ergueu e puxou os desenhos de volta para sua pasta e então para o interior de sua bolsa, jogando-a sobre os ombros e rumando para a saída a passos largos. Estava entre a porta e o corredor quando se virou para seu psicólogo e ainda com as sobrancelhas apertadas sobre seus olhos, ela disse irritadamente:
— Se eu estivesse desenhando o homem dos meus sonhos, ele provavelmente seria mais parecido com o Daniel Goddard! Não com isso — ela puxou um dos desenhos e o amassou até que formasse uma bola, jogando-a até que ela atingisse o colo do homem que a observava espantado — da próxima vez tente não ofender seus pacientes!
A porta bateu às suas costas com um ruído alto, assustando os pacientes no corredor, enquanto ela caminhava a passos largos para fora do consultório sem dar um segundo olhar a nenhum dos presentes, ajeitando rigidamente os óculos de grau, empurrando a armação escura e grossa até estar corretamente ajustada.
Antes que chegasse ao final do pequeno prédio de cinco andares, atravessando a guarita, ela pode captar a imagem em branco e preto de uma televisão que filmava o exterior do edifício.
Tinha durado menos do que dez segundos, mas ela soube que tinha acabado de visualizar o homem dos seus desenhos se dirigir a porta de entrada do prédio, lançar um olhar longo para a câmera e então entrar. A imagem sofria com estática como se fosse atingida pelo efeito de uma explosão solar no exato instante em que o filmava.
Ela piscou e se virou para a entrada buscando por ele, sem enxergar qualquer pessoa no portão vazio. Quando ela se voltou para a televisão na guarita novamente, o guarda que manipulava o controle fez com que a imagem rebobinasse e ela pode novamente encarar o olhar analítico dele. O guarda pausou a imagem em seu rosto para analisá-lo.
Aproximou-se e o mais educadamente que pode, pediu licença para ver a imagem.
— Por que estão vendo a imagem desse sujeito?
— Um dos escritórios foi arrombado ontem à noite e ao que me parece, alguns documentos peculiares foram roubados. Tudo o que temos do suposto sujeito é essa filmagem — o guarda inclinou seu pescoço para olhá-la mais atentamente, tentando entender seu repentino interesse — conhece ele?
— Não — ela respondeu verdadeiramente, e observou a imagem pausada, notando o homem de sua imaginação. Ele tinha algo ligeiramente euroasiático, seus olhos longos tinham uma inclinação oriental muito suave, mas ainda estava ali. Os cabelos louros não lhe deixavam dúvidas de que ele era mestiço, mas seu rosto era extremamente masculino e forte, com traços marcantes, com apenas o seu tom muito claro permitindo suavizar ligeiramente toda a sua aparência.
Saindo de um dos bolsos de seu casaco ela notou o folheto que ele empurrava com os dedos longos para o fundo como se quisesse escondê-lo.
"Encontrei você" — ela pensou lentamente, se despedindo e girando nos seus calcanhares.
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Alessandro Beleni e a Cidade de Baixo
AdventureAlessandro Beleni tem um dom. Ele pode distinguir objetos que tem qualquer toque paranormal e graças a esse talento, quando ainda era criança, ele foi sequestrado por um clã de ninjutsu onde, como um escravo, ele serviria recuperando artefatos preci...