Fata Morgana

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A Igreja vislumbrou os raios parcos do pôr do sol, a coloração amarelada da pedra sendo beijada pelo tom alaranjado que se filtrava através das nuvens. Era o tipo de imagem que Indiana poderia apreciar em um quadro no Louvre, mas não no centro de Salvador, com sua poluição corrosiva e seu cheiro fétido de combustível queimado, misturado ao suor pesado dos foliões dançando embriagados e alegres, enquanto mendigos imploravam esmolas para pagar mais uma dose diária.

Quando adentrou a passos leves a bonita Igreja e Convento de São Francisco e ela tão logo se acostumou ao interior sombreado, pode discernir nos bancos mais a frente à coloração de madrepérola da longuíssima trança do homem que as suas visões perseguiam há tanto tempo.

Ela tomou cuidado de se aproximar lentamente e então, como se fosse apenas mais uma fiel cuidadosa, ela se sentou ao seu lado.

Ele estava de olhos bem abertos admirando a imagem central como se analisasse um jogo de sete erros, quando notou que ela parecia especialmente concentrada nele e mudou o foco de sua atenção para o rosto dela.

Os olhos dele eram exatamente como ela desenhava, mas ela percebeu naquele momento que o seu traço tinha lhe deixado muito mais suave do que ele se parecia a sua frente.

— Posso ajudá-la? — A voz dele lhe acordou como um tapa. Ela era rouca de uma maneira que parecia com que suas cordas vocais tinham sido danificadas ou ele era um fumante assíduo há tempo demais.

Ela se moveu no banco e puxou dois desenhos de sua pasta, olhando um segundo

para eles e depois para o homem a sua frente. Até que os estendeu ao loiro:

— Eu não sei exatamente como explicar essa situação, mas há anos eu tenho desenhado você, como se eu fosse Heathcliff e você o meu fantasma de Cathy. Eu apenas encontrei uma imagem sua e...

— Você me seguiu? — Ele rosnou as palavras de uma maneira ameaçadora.

— Não — ela volveu rapidamente — eu só quero saber por que sempre desenho você? Pelos céus, poderia ser qualquer homem, mas é especificamente você.

— Ok, você quer me vender essa conversa para que eu me comova e compre os desenhos, não é?

Não! — Ela vociferou e depois se moveu irritada, lembrando-se que estava em uma igreja — você foi criado em algum lugar do Japão.

O modo como ele arregalou os olhos para ela, espalhou um frio aperto em sua espinha, lhe indicando que ela estava certa.

— Teve um tipo de treinamento em artes marciais na sua infância e...

Chega! — Ele volveu em um sussurro cortante — já é o bastante, você tem minha atenção. O que você quer?

Ela pausou um momento refletindo. — Seu nome seria um bom começo.

Ele lançou um olhar profundamente mal-humorado para ela e então apertou suas sobrancelhas e lábios em uma expressão de raiva ou cansaço.

— Alessandro Beleni, mas as pessoas me chamam de Bel.

— Quem te deu esse nome?

— Eu me dei — ele volveu com um rosnado que dizia que ela não era bem-vinda — não sei o que quer de mim ainda.

— Eu fiz um desenho esta manhã — ela ponderou por um curto momento sobre se aquilo era a coisa certa a se fazer — você estava sentado em um bar e um homem estranho lhe passava uma foto de outro homem — ela respirou e engoliu sua própria ansiedade — eu sei que era a foto do seu sensei quando ainda estava no Japão.

Ele moveu seus olhos para a gravura e esquadrinhou os traços, demorando-se alguns segundos enquanto digeria aquela informação.

— Conhece o Fata Morgana?


Alessandro Beleni e a Cidade de BaixoWhere stories live. Discover now