A primeira memória de sua infância era de um dia de chuva. Não tinha muito mais que quatro anos e pelas janelas do templo ele podia ver os trovões estourarem no céu negro.
Dois meninos maiores o puxavam por seus braços pelo longo corredor, deixando as marcas de seus pés pelo piso de madeira. Pelas portas corrediças, o fusumá, ele podia ver algumas cabeças se esticarem nas sombras, curiosos sobre ele.
Atravessando um último fusumá, ele foi colocado em uma ampla sala, onde sobre um único tatami estava sentado um homem de meia idade, em posição de lótus com os olhos fechados como se meditasse.
— Mestre Katsuo — chamou um dos meninos que o escoltavam até ele — achamos o menino que procurava.
O homem fez um sinal líquido com uma das suas mãos e rapidamente ele foi posto sobre seus joelhos, sentindo seus ossos baterem dolorosamente contra o piso de madeira, forçando suas costas para o chão em uma reverência coagida.
Quando lhe foi permitido erguer os olhos novamente, percebeu que Katsuo o olhava diretamente, analisando seu rosto e sua constituição física como faria com um animal que pensasse em comprar.
— Este é um Clã Kage, o Clã das Sombras — ele se ergueu de sua posição se movendo em sua direção — neste templo, por milênios os mestres acolheram as crianças perdidas e lhes deram poderes inimagináveis e essas crianças foram nomeadas ninjas.
Ele se abaixou até poder olhá-lo diretamente nos olhos e empurrar seu rosto para a pouca luz do ambiente.
— Mas seu sangue é impuro — a voz dele desceu um tom e seus olhos se estreitaram — seus olhos são o sinal da corrosiva mistura que corre em suas veias.
Ele se ergueu novamente, voltando ao seu tatami.
— Como um modo de compensar a sua desgraça por ser um mestiço, as deusas lunares deram a você um dom — ele inclinou sua cabeça ligeiramente, apertando os lábios finos — esse dom precisa ser lapidado e domesticado, para que você possa usá-lo a favor de seus novos pais. Por isso não posso adotá-lo como um dos meus alunos, mas sim como um servo do Clã.
Ele fez outro sinal simples e o empurraram um pouco mais próximo de Katsuo, fazendo com que ele se arrastasse em seus joelhos.
— Seu nome a partir de hoje será Yori e não há nada que carregue com você que lhe pertença ou que vá lhe pertencer algum dia — o homem se inclinou em sua direção — tudo o que ostenta é o dom de sua visão e até mesmo isso pode ser tirado de você.
Ele cruzou os braços a frente do peito e Yori, como ele seria chamado a partir daquele dia, sentiu uma lágrima quente escorrer por seu rosto e se afundar no piso de madeira.
— Lembre-se bem das minhas palavras servo: seu dom é o único responsável por você ainda ter um coração batendo em seu peito.
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Sentiu alguém cutucar seu ombro insistentemente, até que ele finalmente abriu seus olhos, percebendo a suave luminosidade do crepúsculo. O som alto do carnaval de Salvador tinha ficado para trás durante sua viagem e agora eles estavam imersos no silencio selvagem de Mucugê.
— Saia do carro — Beleni ordenou rapidamente, movendo-se para fora do veículo juntamente com Indiana e esperando até que ela estivesse próxima a ele — estamos indo para o Museu do Garimpo, tem uma entrada pouco utilizada embaixo dele.
— Porque fizeram uma entrada embaixo do museu? — Ela questionou inquieta.
— Não fizeram — ele sorriu — o Museu foi erguido lá justamente porque encontraram a entrada.
O Museu do Garimpo era por fora, uma mediana casa de madeira e pedras sobrepostas, profundamente rústica, ainda que bonita. Grama crescia ao seu redor e acima, no telhado.
O seu interior era de rocha bruta, com várias ferramentas e outras curiosidades à mostra. Bel a moveu até uma grande parede de rocha marrom e atrás dela, ela pode ver uma larga pedra um pouco mais lisa e baixa.
Incrustada nela havia um pequeno declive que quase se parecia com um desenho natural. Beleni puxou do bolso de sua calça um longo colar de ouro com um medalhão redondo e plano e o pressionou contra a marca na pedra.
Alguns segundos se passaram até que um grande estalo encheu o local e um som alto de pedras raspando sobre outras pedras arranhou durantes alguns segundos, elevando uma grossa nuvem de poeira.
Um momento mais tarde havia uma abertura na parede de rocha às suas costas que poderia facilmente deixá-los passar. O loiro lançou um sorriso satisfeito para ela antes de lhe oferecer a mão, para que eles pudessem descer a escada de pedra visível na escuridão da abertura.
Poucos segundos depois de Beleni retirar o medalhão e eles descerem os primeiros degraus, a abertura se fechou novamente e eles foram mergulhados em escuridão.
Tudo o que iluminava o caminho era um filete de luz dourada um pouco mais à frente. Quando eles finalmente chegaram à parte plana, Indiana percebeu que o que encobria a luz, na verdade era uma grossa e velha cortina.
Quando ela a afastou para o lado, surpresa explodiu diante de seus olhos.
Criaturas de todos os tipos andavam de um lado para o outro em um tipo de feira, tendas se erguiam e comerciantes vendiam as coisas mais variadas mais possíveis. A luz era de um dourado que se assemelhava ao lume de velas e muito acima, ela percebeu que não havia um céu, e sim a superfície escavada da rocha, onde estavam penduradas lamparinas de todos os tamanhos.
— Seja bem-vinda — o loiro ao seu lado disse calmamente — você está nos túneis subterrâneos milenares que cortam praticamente todo o Brasil. Esse é Mercado Dourado — antes que ela desse mais um passo para se perder no imenso mercado, Beleni à puxou pelo pulso e ela voltou seu rosto para ele — mas primeiro precisamos trocar nossas roupas, ou nos estranharão muito.
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Alessandro Beleni e a Cidade de Baixo
AdventureAlessandro Beleni tem um dom. Ele pode distinguir objetos que tem qualquer toque paranormal e graças a esse talento, quando ainda era criança, ele foi sequestrado por um clã de ninjutsu onde, como um escravo, ele serviria recuperando artefatos preci...