#2 - Susto e Frustração

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#Julian

Estava no elevador de meu prédio, descendo e ouvindo meu pai do outro lado da linha. O combinado era que ao final da semana ele me relataria como andava as coisas em casa. Benjamin Emerson tinha ficado em Miami com meu irmão para continuar administrando nossas academias. Sempre fui interessado pelos negócios de nossa família, foi eu quem consegui erguer aquele império, como todo esforço, vencendo lutas e conseguindo bons patrocinadores e sócios. Consegui tirar a pequena empresa do meu pai do risco de falir e investi em outro ramo. Ele trabalhava administrando uma imobiliária no Texas e meu irmão, Steve, seguiu seus passos como filho mais velho. Formado em administração, gestão financeira e marketing, os dois eram bons em gerenciar uma empresa sozinho, mas eu nunca fui interessado em números e gráficos como eles.
Aos 14 anos já me sentia sufocado com tudo aquilo, experimentei o boxe, e me apaixonei pela luta, então passei a treinar em todos os tipos de artes marciais. Era muito grato pelo apoio da minha família, minha mãe era formada em dança clássica e contemporânea. Ela entendia a necessidade de se expressar com o corpo, seja com o punho ou pés. Em minha primeira luta oficial os três, acompanhado de minha avó materna, Susy, estavam lá torcendo por mim. Comemoramos com pizza e sorvete, enquanto eu ainda sonhava com meu futuro como lutador.
Mas agora meu pai estava me fazendo perder a paciência. Passei a mão no cabelo e respirei fundo balançando a cabeça como se ele pudesse ver.
— Não pai, sério. Não preciso de... guarda costas. — Revirei os olhos, e olhei para cima verificando quantos andares faltavam para sair dali. — Eu acho que sou bem capaz de me defender se qualquer coisa acontecer, não acha?
A porta do elevador abriu e eu sorri gentilmente para um senhora enquanto saía e ia até meu carro, tirando as chaves do meu bolso sem deixar minha mochila cair do meu ombro.
— Certo, tem razão, eu sei. Não posso me expor assim. Espere um pouco. — Destranquei o carro e entrei colocando a bolsa no banco do passageiro e fechei à porta ao me acomodar. Coloquei a ligação no viva-voz antes de ligar o carro. —Pronto. Mas como eu estava dizendo. Não preciso de um guarda costas. Estou numa cidade tranquila, e por sinal, também não preciso de um motorista. Gosto de dirigir e você sabe o quanto fui privado por isso. Philip poderia estar com a minha mãe.
— Philip deveria dirigir para você, é o trabalho dele. — Meu pai argumentou com sua voz rouca, mas forte. — Se você está dirigindo agora, o que ele está fazendo?
— Eu dei a semana de folga para ele. Até falar com você, o que no caso é agora. Vou mandá-lo de volta, não preciso dele aqui pai, só quero...
— Ficar sozinho. Você já disse isso. Estou dizendo que não acho uma boa ideia Jules. — Meu pai usou uma voz tão preocupada que não teve como me afetar, ainda mais usando o apelido de infância.
— Não tem com o que se preocupar, pai. Eu garanto. Estou e vou ficar bem. Vamos mudar de assunto. — Finalmente saí da garagem do prédio para a rua principal e segui em direção a Academia de Martin. — Como vão as coisas com Steve?
— Vão bem, estamos todos bem, de verdade. Já falamos sobre os negócios e tem mais uma coisa que eu queria falar com você, é importante...
Franzi o cenho me concentrando nas faixas da rua. Meu pai baixou o tom da voz, eu sabia exatamente o que viria, diante de sua voz seca e irritadiça, só uma pessoa seria capaz disso.
— Cristina. — Murmurei.
— Isso.
— O que ela quer? Os advogados não têm tudo sob controle? Falei com Paul no começo da semana.
— Eles têm, e vieram até mim para reajustes, eu disse que falaria com você antes de qualquer coisa.
— Estou ouvindo. — Meu tom de voz também era frio e seco.
— Ela não assinou o acordo, fez novas sugestões, levantou outras hipóteses e fez uma ameaça ao que podemos ver. Ela quer o dobro do que oferecemos, e se não fizéssemos: "Talvez os jornais e sites de fofoca adorariam ouvir a versão dela do término do noivado". Palavras dela.
Bufei e contraí o maxilar ao ouvir aquilo, passei os dedos em minha barba bufando mais uma vez impaciente.
— Dê o que ela quer, tudo o que ela quiser pra ela calar a boca. — disse por fim irritadiço. — Faça o que for preciso se for fazer ela sumir de nossas vidas.
— Você está sendo precipitado nisso meu filho. — Meu pai disse com a voz cansada. — Foi ela quem deu o primeiro valor, ela estipulou tudo, nós só colocamos no papel, se ela vir que vamos ceder as vontades dela de novo, vai vir com mais dessas.
— Então me diga o que devemos fazer, pai. Eu sei que não devia ter feito o que fiz, mas fiz e se essa é uma forma de resolver, tudo bem. — Ouvi meu pai estalar a língua do outro lado da linha e mordi o lábio forte, virando o volante. — Talvez... Talvez se tudo viesse à tona. Seria melhor.
— Estragaria sua carreira, não vou deixar isso acontecer...
— Não perderíamos tudo se contássemos sobre Anthony.
— Não vou arriscar nada disso Julian, além do mais, já não seria novidade. Eles... Eles estão juntos.
— O quê?! — Exclamei alto, irritadiço e confuso.
— Ela deu uma entrevista ontem, saindo do teatro em Nova York, e estava acompanhada por ele. Assumiu que estavam juntos.
Não fui capaz de dizer nada por um momento, passei a mão pelo rosto estacionando o carro. Fiquei olhando para o arbusto iluminado por meus faróis. Quando meu pai pigarreou saí de meus devaneios envolvendo minha ex.
— Está aí?
— Estou... Eu só... — Respirei fundo e assenti para mim mesmo dizendo estar tudo bem. — É que só faz cinco meses. Parece pouco tempo depois de seis anos.
— Ela é uma cobra, Julian.  — Meu pai afirmou com a voz firme. — Fico feliz por ter se livrado dela, mas triste pelas condições.
— Desculpe, pai. — Baixei o olhar para as mãos mordendo o lábio, sabendo que passei por cima de uma promessa que fiz ao meu pai, passei por cima de meus próprios conceitos — Olha, cheguei na Academia, nos falamos depois, pode ser?
— Claro. Ligo depois. Não esquente a cabeça com isso, vamos resolver.
— Obrigado.
Permaneci por mais um tempo no carro após encerrar a chamada, relembrando os seis anos perdidos de minha vida e as consequências de meu ato mais cruel. Só voltei ao presente quando outro carro estacionou ao lado.
Lanna saltou do carro sorrindo com aqueles lábios macios e carnudos ― pelo menos como eu imaginava que eram. Ela sorria para Pietro, claro, o motorista do carro. Conversavam sobre alguma coisa que não pude entender direito. Os vi observarem uma bicicleta presa ao suporte do carro dele. Não era mesma bicicleta que estava em meu carro na noite passada, não pude esquecer a pequena viagem ao lado de Lanna até sua casa.
Não consegui esquecer seu olhar sobre mim, o cheiro cítrico que exalava de seus cabelos, ou o cheiro doce de seu corpo, foi inevitável desviar daquilo quando ela entrou em meu carro, sentando-se tão perto de mim. Senti falta daquilo o restante do caminho de volta para meu apartamento. Diabos! Estava sentindo falta naquele mesmo momento.
Sorri com a lembrança de que seu número havia ficado armazenado em meu celular e me perguntei se seria algo grande mandar uma mensagem e começar uma conversa inocente. As palavras de seu pai então me atormentaram. Papa-anjo? Ofereci uma carona para uma nova colega sem segundas intenções, que mal tinha aquilo? Talvez ele soubesse o quanto apreciei estar perto de sua filha e sua fragrância e porra, eu deveria parar, ela tinha apenas dezessete anos. Papa-anjo se aplicaria ali? Era isso que Robert Bower queria dizer? Ignorei aqueles pensamentos pegando minha mochila e saindo do carro surpreendendo o casal.
― Boa noite. ― Eles responderam em um murmuro educado. Passei o olhos na bicicleta antes de encarar Lanna com um sorriso bobo. — Arranjou outra, não? Bem melhor, mas evite trilhas.
Deixei uma piscadela antes de seguir em direção a porta da academia, de soslaio vi Pietro rir e empurrar o ombro de Lanna enquanto ela corava sorrindo também. Martin foi a primeira pessoa que vi ao chegar, ele estava com seu óculos na ponta do nariz e mexia numa agenda quando acenou para eu acompanhá-lo até o escritório. Deixei minha mochila no chão e dobrei uma aperna sobre um joelho ao sentar-me na poltrona de frente para Martin.
— O que vamos fazer hoje? — Perguntei.
— O mesmo desde o começo da semana. Não tive tempo pra pensar em outras dinâmicas, a não ser que você tenha pensado em algo.
— Não. Também não tive tempo.
— Beleza. — Martin tirou os óculos e me encarou. — Está tudo bem Julian?
Inclinei a cabeça estreitando os olhos para meu amigo.
— E você está me perguntando isso... Por quê?
— Você sabe que acompanho qualquer notícia sobre os meus amigos lutadores, principalmente você.
— E você viu a entrevista que Cristina deu ontem.
— Sim. Porra, como isso aconteceu?
— Eles se merecem, e eu não quero falar disso.
Minha voz foi firme e impossível de argumentar contra, mas Martin nunca foi insistente. Depois de arrumar seus papéis ele saiu da sala me deixando sozinho. Me troquei ali mesmo e me juntei a Martin olhando para os alunos que aqueciam, meus olhos institivamente procurando por Lanna. Não sabia explicar o que era aquilo, mas quando olhava para ela via em seus olhos quantos mistérios ela guardava e eu só sentia vontade de desvendar cada um deles.
Observei enquanto ela sorria e conversava com Pietro. Formavam um belo casal, tinha que admitir. E sentia inveja, qualquer um que chegasse perto veria e seria possível palpar a sintonia do companheirismo que carregavam. E claro que eu queria aquilo para mim também, havia buscado isso a vida toda. Ignorei aquele desejo, cruzando meus braços e olhando para Martin.
— Lanna disse que faz parte do seu programa de parceria com a terapia. — disse casualmente.
Martin se virou totalmente para mim, também de braços cruzados, o vinco entre suas sobrancelhas era tenso e com o olhar ele fez uma pergunta silenciosa. Revirei os olhos e balancei a cabeça.
— Encontrei e dei uma carona pra ela ontem à noite, o pneu dela tinha furado.
— E o que mais aconteceu?
— Eu perguntei como ela entrou pra Academia e nós conversámos sobre como eu e você nos conhecemos. Por que tudo isso? — Franzi o cenho abrindo os braços.
— Eu gosto de ficar de olho e não que eu possa falar, mas Lanna passa por muitos altos e baixos. Deixe-a em paz.
Fiquei quieto por um instante de cara fechada então perguntei a Martin:
— O que você quer dizer como “Deixe-a em paz"? O que pensa de mim?
Martin me olhou de cima a baixo me analisando e balançou a cabeça.
— Seria muito pra ela.
— Como assim?
— Vamos começar a aula Julian, esqueça isso. — Para firmar o que disse Martin foi para o centro do tatame e chamou os alunos. — 60 polichinelos começando... Agora. — Apertou o cronômetro e começou a contar.
Me juntei aos alunos para fazer o exercícios e minha irritação foi se esvaindo. As primeiras lutas começaram, avaliei as duplas junto de Martin, dando conselhos e demonstrações. Naquele dia eu iria lutar com Brienne e ela se aproximou enquanto eu me preparava.
— Julian. Queria falar com você.
— Estou ouvindo — ergui a cabeça colocando uma luva de baixo do braço franzindo o cenho. — Algo errado?
— Não, não. Eu só queria fazer um acordo. — Brienne fez um biquinho sorrindo. Quando eu não disse nada ela continuou. –  Se eu for muito bem, gostaria que fossemos, hm, poderíamos ter um encontro, o que acha?
— Certo, se você for bem, e quanto a se não for bem?
Brienne riu travessa e mordeu o lábio me fitando.
— Então eu teria que me esforçar mais, melhor que isso, alguém poderia me ensinar melhor, no caso. Você seria perfeito, o que acha?
Fixei meu olhar no dela. Que merda aquela garota tinha na cabeça? Flertando daquele jeito, descaradamente.
— Quantos anos você tem Brienne?
— Acabei de completar 18. Não tem mais nenhum problema. — Brienne sorriu radiante me olhando.
— Com certeza só tem problema. Não perca seu tempo comigo, Brienne. E sinceramente, é patético. ― Franzi o cenho enquanto retirava a luva dando as costas para ela, passando o olhar pelo salão chamei o primeiro aluno que vi. ― Bruce?
— Sim? — O garoto veio trotando até mim.
— Você e Brienne vão lutar juntos hoje. Podem se preparar.
Saí deixando os dois boquiabertos sem dizer mais nada. Lanna apareceu ao meu lado, segurando uma mochila no ombro, vestindo jeans e uma blusa por cima da regata.
— Tem um minuto?  — Ela perguntou.
— Por que está vestida assim? Não vai lutar de novo? — Perguntei como se fosse totalmente da minha conta.
— Não, hoje eu saio mais cedo. Eu só queria agradecer melhor pela carona ontem, e me desculpar por...
— Não tem por que se desculpar. — A interrompi. — Não quis passar a impressão errada para seu pai. Aquilo foi estranho. Mas bem, conseguiu uma bicicleta nova do namorado, não?
— O quê? — ela perguntou trocando o peso de uma perna para outra. — Do que está falando?
— Do que vi mais cedo... É uma bicicleta boa...
— Não, você entendeu errado. — Lanna deu uma risadinha nervosa. — Sobre mim e Pietro. Está totalmente errado.
— Estou? — Perguntei juntando as sobrancelhas.
— Com certeza. Somos só amigos, e ele me emprestou a bicicleta dele enquanto arrumo a minha, já que ele está com o carro agora, mas é só isso. Bem, eu tenho que ir, mas obrigada.
Observei enquanto ela dava as costas seguindo para o andar de cima onde eu sabia que existia o consultório da psicóloga parceira de Martin. Eu estava contente por saber que entre ela e Pietro não existia nada, mesmo que isso não devesse significar nada para mim, não era certo ficar contente por Lanna ser solteira.

Thunder - Lutar é Preciso [LIVRO 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora