#19 - Vida e Morte

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#Lanna

Nada do que decidimos fazer somos nós que controlamos. A vida tem um sentido só para cada indivíduo a sua própria maneira. Foi o que pensei ao sentir o último aperto da mão da minha mãe. Ela se foi na madrugada, estando presente comigo meu pai e meu avô. Foi como se todos soubessem o momento pois estávamos atentos, não havia sons de máquinas, só esperávamos pelo fim, então ela se foi levando parte de mim junto, parte do que me segurava nesse lugar. Ela era tudo para mim e agora tinha partido.
A dor era excruciante e mais tarde naquele dia quando Pietro veio me ver, não houve palavras a dizer. Meu pai estava na mesma situação sem trocar uma palavra com ninguém, todos aguardando o sistema funerário buscar o corpo da minha mãe, ao menos não tivemos que nos preocupar em fazer ligações e dizer sobre a triste notícia, todos os amigos ou parentes mais próximos estavam naquele hospital. Enquanto arrumava meu cabelo numa trança lateral, recebi uma mensagem de Julian, era assim que estávamos nos comunicando desde meu surto no hospital quando ele passou a pagar o quarto particular ao qual mamãe ocupou em suas últimas horas.
Julian: Não acho que tenha palavras para te confortar nesse momento, mas eu estarei lá por você. Sempre.
Apertei o celular no peito e respirei fundo deixando a lágrima solitária escorrer, ele tinha sido incrível, em todos os momentos como sempre. Infelizmente ainda tinham coisas para resolver em sua carreira. Acompanhei algumas de suas entrevistas, e as repercussões, Cristina dando explicações furadas. Eu queria poder voltar atrás e não ter saído correndo daquela maneira, exatamente do jeito que Cristina queria. Deixando Julian sem se explicar e causando nosso afastamento, ainda mais sendo num momento em que eu mais precisava dele, mesmo assim, ele nunca deixou de estar lá, não o amante, namorado, mas simplesmente o amigo. Eu não sabia como agradecê-lo.
— Tudo certo, querida?
Lizz perguntou da porta, segurando a mão de sua filha.
— Estou, conseguiu falar com meu pai?
— Eu acredito que seja melhor você ir chamá-lo, querida. Antes tenho que te entregar algo. — Lizz se aproximou tirando de sua bolsinha um envelope branco e estendeu para mim. — Sua mãe me pediu para entregar quando ela... Bem, leia quando estiver pronta.
Estava com o mesmo nó na garganta que Lizz quando virei o envelope frente e verso com uma simples dedicatória na letra da minha mãe.
“Para minha pequena guerreira. Nós te amamos. Mamãe”
Guardei o envelope na gaveta de minha escrivaninha com um suspiro antes de descer e ir para o quarto dos meus pais. Meu pai estava segurando uma fotografia da minha mãe, os ombros caídos. Um homem derrotado.
— Pai... — Ele se moveu apenas o suficiente para dizer que tinha me ouvido, eu não aguentava ver meu pai em todo aquele sofrimento, pior, não sabia se seria possível ajudá-lo a melhorar. — Estamos todos prontos, podemos ir?
— Sim.
Ele se levantou, em seu terno velho, gravata folgada, me aproximei e passei a mão alisando sua roupa, apertando o nó de sua gravata. Quando olhei para meu pai, seus olhos estavam tão tristes que senti meu coração se partindo na hora. Então abracei meu pai mesmo que não fosse receber de volta aquele conforto, eu precisava mostrar para ele que estava lá por ele e que seria assim dali para frente.
— Me perdoe, Lanna.
Sussurrou e me abraçou de volta apoiando seu queixo em minha cabeça, eu não queria saber pelo que estava pedindo perdão, achei que se perguntasse só estaria dificultando ainda mais as coisas e só perderia esse momento raro com ele, então aproveitei por mais alguns minutos, antes de levá-lo para fora. Ajudamos meu avô Henry a entrar no carro e partimos para o cemitério
Não éramos religiosos, então a missa foi curta, discursei sobre o quanto minha mãe era importante para mim, mas nada foi tão comovente quanto as palavras do meu pai, eu nunca duvidei do amor entre eles, e ninguém mais poderia.
— Quando olhei a primeira vez para Lilian, eu tinha certeza de que estava totalmente realizado, que amaria ela para sempre. Não foi fácil, passamos por muita coisa, mas sempre juntos, quando ela engravidou sem que tivéssemos planejado, quando soubemos de primeira mão sobre o câncer, quando perdemos nosso filho... — Ele passou a mão no rosto secando suas lágrimas. — Nada foi justo com ela durante toda essa vida. E se eu pudesse poria o mundo a seus pés, ela era uma mulher incrível e sempre vai estar bem vívida em meu coração. Ela era única, e eu amarei até o fim da minha vida. Mesmo não sendo justo que eu tenha que viver mais que ela, que tenha que viver sem ela.
Não pude conter o soluço com o discurso do meu pai, vi a movimentação um pouco afastada dos bancos e então avistei Julian vestindo um terno e sobretudo, óculos escuros tentando não chamar atenção, ele acenou para mim e fiz de volta voltando a prestar atenção no meu pai e em seguida no discurso do meu avô. Pietro veio para perto quando passei a chorar com soluços fortes enquanto o caixão da minha mãe era levado para baixo e a terra era jogada.
— Sinto muito, Lanna. Sinto muito mesmo.
Abracei meu amigo de volta antes de me despedir das pessoas que vieram para o enterro, assim como Martin e sua família, Katie estava com os olhos vermelhos quando veio falar comigo ao mesmo tempo que Martin falava com meu pai, apertando sua mão. Eu não sabia que conselhos meu mestre estava passando a ele, mas tinha certeza de que não seria nada de ruim. Julian continuava afastado da multidão como me dissera que faria, tudo para não chamar atenção, então quando restavam poucas pessoas eu o vi cumprimentar meu pai e apertar sua mão enquanto se encaravam, me aproximei de Pietro só querendo ir embora.
— Lanna.
Ergui a cabeça ao ouvir a voz de Julian, ele havia tirado o óculos escuro e estava vindo até mim. Olhei para Pietro lhe pedindo privacidade.
— Vou te esperar no carro.
Meu amigo deu uma olhada séria para Julian antes de ir. Eu então respirei fundo e olhei nos olhos de Julian.
— Ela se foi, definitivamente agora.
— Eu sinto muito, Lanna.
Assenti porque sabia que era a única coisa que ele poderia dizer. Sem esperar eu o senti pegar em minha mão e levar aos lábios para um beijo cálido, fiquei o encarando até que ele abrisse os olhos me encarando de volta.
— Me diga se eu puder fazer algo para ajudar, ok?
— Pode me perdoar?
— Não há nada para te perdoar, amor.
Julian me puxou para um abraço e enquanto eu apoiava a cabeça em seu peito, podia ouvir as batidas de seu coração. Como eu poderia negar a imensidão de meus sentimentos por ele? E como poderíamos retomar de onde paramos e esquecer todo o problema gerado?
— Eu preciso começar a pensar em outras coisas diferentes da morte da minha mãe, mas só consigo pensar em como fui burra em te afastar, como fui burra em acreditar por um segundo sequer naquela víbora, e agora retrocedemos novamente.
— Lanna...
— Não, Julian. — Me afastei o suficiente para olhar em seus olhos. — Nós conversamos sobre isso. Em nos afastarmos, brigarmos por motivos bestas, falamos sobre lutar para ficarmos juntos independente de toda a mídia e pessoas, e mais uma vez eu fui a primeira a correr. O que você vê em mim afinal? Eu sou uma criança e tenho certeza de que pode encontrar mulheres maduras por aí, sinto muito ter feito você perder seu tempo.
Ele acariciou minha bochecha com o polegar e deixou um beijo em minha testa carinhosamente antes de me abraçar novamente, me deixando sem entender sua reação.
— Você não é uma criança, Lanna. Apenas passa por sofrimentos e transtornos em excesso para alguém com o coração tão puro quanto o que tem. Mas eu encontrei em você o amor de verdade.
— Como pode dizer uma coisa dessas?
— É o que eu sinto, Lanna. E nada vai mudar isso. Eu sempre fui aberto a sentimentos e você não, em forma de defesa, claramente. Mas precisa saber que eu não vou a lugar algum, sempre estarei aqui por você, vamos ser amigos, namorados, o que for. Eu não vou te deixar sozinha.
O abracei novamente antes de levar meus lábios aos dele, apenas apertando um contra o outro, sem movimento de início até levar a mão a nuca dele arrepiando seu cabelo recém cortado. Ele se aproximou ainda mais e distribuiu beijos em meu rosto até pescoço para me abraçar apertado. Seguimos de mãos dadas até onde nossos carros estavam nos esperando. Phillip saiu de dentro para abrir a porta para seu chefe e Pietro esperando no outro carro sentado com a janela aberta olhando para nós.
— Você quer ir comigo no carro ou quer ficar com seu amigo? — Ele passou a mão no cabelo com nervosismo. — Você não deve ficar sozinha nesse momento, não quero ficar longe.
— Está tudo bem Julian. Eu vou com Pietro. — disse tocando o peito dele. — Precisamos conversar.
Ele suspirou e me deu um beijo rápido.
— Me ligue a qualquer momento, te encontro na sua casa.
Assenti e lhe dei mais um beijo antes de me afastar e entrar no carro de Pietro. Meu amigo seguiu em direção a minha casa sem falar nada, o que me incomodou bastante. Quando paramos no sinal vermelho eu o encarei quando ele bufou pela quinta vez.
— Eu sei que não gosta dele como antes, mas quem faz as escolhas da minha vida sou eu Pietro e me magoa te ver assim. 
— Eu sempre vou te apoiar Lanna, vou ser sempre o amigo que você precisa. Pode acreditar. Mas nem sempre vou concordar com tudo, nem sempre vou achar que é bom para você a mesma coisa que você acha.
— E você acha que Julian não é bom para mim. Já pensou que pode ser o contrário?
— Você é a única pessoa que me importa nisso tudo, Lanna. Vocês simplesmente... Evoluíram rápido demais, em um momento apenas admiravam fotos do Instagram, e então estavam envoltos em um emaranhado de fofoca e insinuações... E então. — Ele balançou a cabeça em negação respirando fundo. — Acho que vocês levaram as coisas rápidas demais quando poderiam ter visto tudo com mais calma. Quantas vezes já brigaram e se magoaram?
Eu poderia dar razão a Pietro, definitivamente começamos com o pé errado e as coisas foram rápidas demais, mas nada poderia negar a atração e sentimentos que nos envolvia. Eu me sentia confortada pelo senso protetor de Pietro e não queria magoa-lo, eu só podia então consertar as coisas com Julian e fazer dar certo, e não correr para longe a cada obstáculo que aparecia entre nós.
— Sei que posso contar com você para tudo e agradeço sua proteção e cuidado comigo. Eu amo você também Pietro, mas algumas batalhas eu preciso lutar sozinha. É tudo tão novo para mim e algumas coisas para ele, nós apenas estamos nos descobrindo. Isso é importante, e nós vamos nos encontrar.
Pietro olhou para mim e sorriu assentindo, eu agradecia por todo esse voto de confiança. Não encontraria jamais pessoa melhor que ele. Quando chegamos em casa, meu avô estava sentado no sofá ao lado de Julian, cercados por algumas crianças, havia menos pessoas que no enterro, Lizz estava no comando de tudo e a encontrei na cozinha com a família de Pietro. Encontrei meu pai no topo da escada com os braços sobre os joelhos, as mãos juntas e a gravata solta novamente. Lizz deu um olhar indicando que eu fosse fazer companhia para ele, então me sentei ao lado dele sem saber se tinha sido notada de tão perdido que seu olhar estava.
— Eu não sei como fazer isso, Lanna.
O olhei quando sussurrou, franzindo a testa sem entender bem o que ele queria dizer.
— Isso, o quê pai?
— Ser quem você precisa. Ser forte o bastante para você daqui pra frente. Eu acho que nunca soube. Seria tão mais fácil se fosse eu quem tivesse ido no lugar da sua mãe, mas esse mundo só leva as pessoas boas.
— Nós... Nós podemos ser fortes um pelo outro pai. Não termos um bom relacionamento não quer dizer que não podemos melhorar isso. Será só nós dois agora, teremos que dar um jeito.
Ele assentiu e olhou para mim de um jeito cansado, cheio de remorso e dor.
— Teria sido tão melhor se eu agisse como devesse desde o início com você, mas... Deixei que o medo tomasse conta de tudo, achando que estava protegendo você, na verdade estava te privando de viver... Eu faria tudo diferente Lanna. E eu vou daqui pra frente, eu prometo. Eu posso ser melhor filha, eu posso sim...
Não acreditei no que estava vendo, meu pai soluçando e repetindo suas últimas palavras, totalmente aos prantos. Eu não poderia fazer nada diferente do que o abraçar apertado e chorar em silêncio com ele. Continuamos assim no topo da escada até a última pessoa ir embora. Lizz informou que estaria levando meu avô de volta para a clínica e Pietro apenas acenou da porta. Julian olhou para mim e me soprou um beijo antes de ir. Tudo ficando em silêncio enquanto eu permanecia abraçada a meu pai, como nunca imaginei estar antes.
— É melhor irmos descansar agora.
Assenti para as palavras do meu pai e observei enquanto ele descia as escadas lentamente em direção ao quarto ao qual dividia com minha mãe, a cama hospitalar já não estava mais naquele quarto. Me levantei e segui lentamente para meu quarto, tomei um banho quente e relaxante, deixando mais algumas lágrimas irem embora junto da água morna. Quando saí do banheiro já vestida em uma roupa leve para dormir, me sentei de frente para a escrivaninha e peguei o envelope que minha mãe deixou para mim. Dentro havia uma foto de quando era criança, estava com meu irmão e meus pais nos abraçando, todos rindo, a felicidade real estampada. Deixei a foto presa com uma tachinha em meu espelho junto das minhas favoritas desde sempre. Voltando ao envelope retirei a carta dobrada e meus olhos encheram de lágrimas novamente com as primeiras palavras escritas.
"Não estarei ao seu lado quando estiver lendo isso e eu sinto muito por termos tido um tempo tão curto juntas. Tudo o que eu mais queria era ver você crescer ainda mais, se tornar a mulher incrível que sei que será um dia. Mas eu fico feliz em imaginar tais coisas e sei que não me decepcionará.
Porém o objetivo desta carta não é para ser uma despedida, e sim para mudar algo que sei que pode ser capaz, querida, pois me parte o coração que tudo isso tenha acontecido escondido. Quero que saiba de duas coisas antes de tudo: seu pai é o homem mais amoroso quando se permite ser, mas já foi muito magoado e destruído, por isso criou todos esses muros. Segundo: você é o maior orgulho dele.
Nunca tivemos essa conversa o que para começar foi um erro. Seu pai sempre foi o meu melhor amigo, para tudo o que eu o precisava ele estava lá. Mas não quer dizer que eu tinha a capacidade de mudar seu jeito duro depois do que os pais dele fizeram com ele. Eram as únicas pessoas que o diziam amar além de mim, então tivemos você e Doug. Vocês são tudo para nós, mas seu pai não sabia como conciliar isso. É preciso tratamento para que ele tire a mágoa toda dentro de seu peito, e me sinto péssima por saber o quão difícil foi ele demonstrar isso para os filhos, crianças que seriam dependentes dele, que ele teria que ensinar a amar, logo ele que não encontrava esse sentimento com facilidade. Mas essa é a verdade Lanna, você e seu irmão são tudo o que seu pai mais ama na vida e agora então de todos nós só resta você. Eu peço que não o deixe Lanna, ou ele se perderá para sempre.
Desde a partida de Doug, o que só o destruiu mais, ele tem tentado fazer as coisas diferentes, não é culpa dele que tudo tenha ficado ruim. A verdade é que ele nunca deixou de se orgulhar pelos filhos que tinha. Pode não parecer, mas ele sempre esteve lá por você querida, cada vitória ou derrota. Ele prometeu ser um pai melhor, ele queria mudar, mas não sabia como, ele sofre por te magoar, e eu gostaria que ele pudesse ser mais aberto para que pudéssemos ter resolvido isso antes, mas isso dependia muito dele. Eu falava que fazer as coisas escondido, confidenciando, não ajudaria muito, mas era o jeito dele de tentar resolver as coisas e como eu poderia repreende-lo se ele estava tentando encontrar um caminho mais fácil para isso? Mas quanto mais você cresce, mais você vai se tornando independente e ele não tem como fugir disso.
Eu preciso que você saiba, Lanna, e por mais difícil que possa parecer, ele esteve lá por você sempre. Nunca quis ser tão duro quanto tinha que ser. Seu pai tem medo dos próprios sentimentos, então ia pelo caminho mais fácil.
A verdade é que a cada momento importante para você, ele estava lá, porque a sua felicidade é a dele. Então vou te contar um segredo que não pode mais ser guardado. Ele não te deixava ir para as estaduais porque não poderia estar lá com você. Ele tinha medo de te deixar ir e algo ruim acontecer com você ou comigo, e ficando comigo ele não poderia vê-la ganhar, ele se sentia seguro podendo estar a poucos minutos de casa caso algo acontecesse comigo, e ao mesmo tempo podia estar lá por você.
O que podia ser errado de tantas formas, você precisava saber o quanto ele te apoiava. Você merecia saber de tudo isso, mas ele ainda não se sentia preparado...”
Respirei fundo secando o rosto me dando conta de tudo o que minha mãe dizia que fazia sentido. Meu pai trabalhando por mais horas antes da semana do campeonato, provavelmente para poder folgar as horas necessárias para poder me ver lutando, e eu podia me lembrar das vezes em que pensei tê-lo visto nas arquibancadas. Era tudo verdade agora e tudo fazia sentido, embora tudo pudesse ter sido diferente.
"Sei que não há justificativa em te prender quando você deveria ser livre, mas de pessoas que já perderam tanto, você deve entender como esse processo é difícil. O meu maior desejo é saber que você e seu pai vivem bem, que ambos perderão seus medos e receios e ficarão em paz. Agora mais que tudo vão precisar um do outro, eu preciso que esteja lá por ele querida, assim como tenho certeza ele estará ainda mais por você agora.
Uma mãe deveria querer que os filhos tivessem uma vida segura, com bons recursos e estabilidades, mas acima de tudo nós queremos a felicidade.
É o que desejo para você querida, então vá atrás dos seus sonhos. Focar em sua carreira é essencial e vai necessitar muito de seus esforços e alguns sacrifícios. Sei que prometemos coisas uma à outra, mas nada será mais gratificante para mim do que ver o seu sorriso no rosto, pelo menos saber que ele estará lá.
Deixe a faculdade se for preciso, se isso for impedimento, você tem talento o suficiente para não precisar disso. Saia de Seattle. (Vemos que sou uma mãe radical) Eu sei que seu pai também vai entender e que juntos vão consertar tudo o que há de errado.
Ele te ama, do jeito torto dele de demonstrar, ou não, mas ama.
E eu amo vocês dois.
Obrigada por tudo, minha princesa."
Enxuguei as lágrimas ao terminar a carta, simplesmente incrédula com o que havia sido revelado ali. Eu não sabia como começar, mas precisava ouvir a verdade do meu pai, e agora. Calçando meus chinelos saí do quarto descendo a escada com pressa, a porta do quarto dos meus pais estava entreaberta e eu podia ouvir as fungadas dele. Lentamente abri a porta e entrei. Meu pai estava sentado na beira da cama com a cabeça entre as mãos, os cabelos molhados e sua outra roupa dizia que ele havia tomado um banho também.
— Pai? — Ele só balançou a cabeça então me sentei ao seu lado, tocando seu ombro. — Pai, sinto muito, me dói ver você assim, por favor...
— Ela se foi Lanna, sua mãe se foi. E estou sofrendo, você pode me deixar em paz, garota?
Me encolhi pelo seu tom puxando a mão de volta, mas fechei os olhos e balancei a cabeça lembrando do conteúdo da carta.
— Não pode mais me afastar, também não pode mais falar assim comigo, é somente eu e você agora pai! — Dessa vez eu consegui sua atenção — Mamãe escreveu uma carta para mim.
Ele fechou os olhos e assentiu, pegando um papel amassado na cabeceira de sua cama e entregando para mim.
— Você leu?
— Eu li. — Assenti conforme registrava o conteúdo da carta do meu pai, que era o mesmo que o meu praticamente. — Mas não entendo de fato. Por que vocês me esconderam isso? Por que você agia dessa forma?
— Lanna, eu... Vamos conversar sobre isso, mas não agora. Não posso Lanna, nesse momento não.
— Quando então? Se não fosse... Se não fosse pela morte da mamãe...
— Não termine essa frase garota. — Ele disse se levantando e me encarando. — Vamos conversar quando a minha cabeça não estiver um caos. Você merece ao menos isso, não é?
Levantei a cabeça e assenti dobrando os papéis das cartas, iria ler a carta dele para entender melhor. De manhã quando percebi a casa em silêncio, desci para a cozinha imaginando que meu pai estaria tão mal quanto eu, e a vontade de agradá-lo de fazer com que ele se sentisse bem, era muito forte, então eu me imaginei preparando um belo café da manhã, com ovos, bacon e torradas e tudo mais, mas ao chegar na cozinha meus pensamentos pararam quando no centro da cozinha estava meu pai segurando uma bandeja me encarando com nervosismo. Seus lábios tremiam e seu olhar estava perdido.
— Pai? ― Piscou ao me ouvir, e coçando a garganta deixou a bandeja na mesa para passar a mão no rosto e cabelos. — Está tudo bem?
— Sim, tome seu café da manhã, você tem aula não tem?
Me sentei observando-o de costas para mim e se apoiando na pia.
— Na verdade... Eu pensei no que a mamãe dizia nas cartas, eu vou trancar o curso.
Ele respirou profundamente antes de se virar de braços cruzados encarando o chão.
— É algo que temos que conversar, não é? As cartas?
Afastei a bandeja farta que mal toquei e encarei meu pai esperando que ele me olhasse, quando ele o fez indiquei outra cadeira para que ele se sentasse.
— Por que esconder tudo isso de mim?
— Não sei o que sua mãe pode ter dito nas cartas Lanna, mas você precisa da minha versão também. — Ele passou a mão no rosto com nervosismo. — Eu sei o que é ser um atleta, eu sei o que é se esforçar ao máximo para conseguir aquilo que tanto sonha, e eu sei o quanto o apoio e a falta dele pode ajudar.
— Martin me falou sobre o que aconteceu no colegial com você.
Ele fechou a cara com a menção, mas se controlou para voltar ao que estava fazendo.
— Nunca tive o apoio dos meus pais, eles são um advogado e outra estilista de gente famosa, — disse as profissões com repulsa em seu tom e expressão — eu ser um atleta não servia para o tipo de vida que eles queriam levar, não quando eu tinha planos de seguir com a carreira... A falta de apoio deles só me fazia buscar ainda mais a perfeição, mesmo que eu estivesse buscando a bolsa para cursar direito, o que devia agradá-los de qualquer forma, mas não... Eu era um dos melhores, tinha muitas garantias, mesmo assim nunca foram em uma competição ou premiação, nem se quer perguntavam como eu estava durante meu treinamento. Até que um dia, foram me ver, tomaram um lugar na frente só para eles, estavam olhando com cara de decepcionados para mim, aquilo me distraiu e foi quando eu caí no meio da pista. A fratura foi feia e eu precisei de muita fisioterapia, muita paciência, pelo menos para poder voltar a andar normalmente, a corrida estava fora de questão para mim. 
Nunca tinha visto meu pai falar tão abertamente assim, parecia uma outra pessoa e eu me perguntava o que de fato tinha acontecido com o pai que eu conhecia, o violento e negligente.
— No fim seus avós conseguiram o que queria de fato, que eu me dedicasse somente a família e seu legado, sendo um belo advogado, mas não estava nos planos deles que eu conhecesse sua mãe — Ele sorriu com o olhar sonhador. — Tão linda. Então de repente nos tornamos pais, Lanna, e eu tinha tanto medo de não ser o que vocês precisavam... E foi tudo o que me tornei.
— Não, você sempre foi tudo o que Doug queria, ele sempre foi seu preferido... Ele sempre se encaixava. E eu... — Balancei a cabeça, pela primeira vez dizendo como me sentia realmente em relação àquilo. — O problema era sempre eu.
— Eu não sei como pude fazer isso, acontece que ele lembrava tanto a sua mãe, e você sempre foi minha cópia, eu tinha muita vergonha de mim mesmo, Lanna, me via refletido em você. E isso é péssimo, eu sei, não consegui evitar.
Ele abaixou sua mão para tocar a minha, mas recuei me encolhendo. Ele então coçou a garganta e voltou a falar.
— Eu via o quanto você queria seguir com aquilo, o quanto a luta era um combustível para você, desde pequenina quando faziam capoeira. E sabia que você nunca desistiria, aquilo foi acabando comigo, porque o meu maior medo era imaginar você se machucando e saber que poderia nunca mais fazer aquilo que tanto amava, como eu. E você era tão parecida comigo, sabia que tendo apoio ou não você iria continuar, e sabia que sem apoio você iria lutar e se garantir sempre no topo, sempre a melhor. E eu sabia que isso a faria feliz. Mas então sua mãe ficou doente de novo e sabíamos que seria o fim dessa vez, eu sabia onde poderia chegar, e me matava te ver saindo, agindo como se só esperasse a hora e seguia em frente como se nada de ruim estivesse acontecendo com sua mãe doente em cama, morrendo!
— Eu nunca fiz nada nisso! — Gritei de volta aos prantos.
— Lanna...
— Não, tudo o que eu queria era minha mãe saudável, e uma vida normal, com o apoio dos meus pais! Dos dois! E agora você está me dizendo que agia dessa forma, me batia, gritava comigo e me humilhava porque tinha medo por mim? E ainda diz que eu não ligava para minha mãe que estava morrendo? Você não me conhece! — Me levantei arrastando a cadeira, então senti a mão dele me segurando.
— Lanna, eu não quis dizer isso assim. Eu sei o quanto é doloroso, muitas vezes me perdia na bebida e exagerava.
— Exagerava? Eu fiquei com um olho roxo!
Ele fechou os olhos apertado enquanto respirava fundo, me soltando e cruzando os braços novamente.
— Eu gostaria que tudo pudesse ter sido diferente, há muita coisa para se resolver, como sua mãe disse.
— Você precisa se resolver antes, é o que precisa fazer. Não pode usar seus medos e sua experiência de vida como desculpa para tudo o que já fez ou deixou de fazer.
— Que belo sermão, Lanna, só não se esqueça de que eu sou o pai aqui.
Olhei boquiaberta para o tom frio dele novamente, sua mensagem foi clara, e sua imagem também, ele havia voltado ao que era, mesmo com lágrimas nos olhos. Ele queria controle e queria que tudo fosse do seu jeito e mais nada diferente, mas eu não seria assim, e eu não podia deixar meu pai se afundar ainda mais naquilo. Peguei meu celular, papel e caneta e anotei um número deixando na mesa para ele.
— Temos que fazer isso do jeito certo, ligue para Maia, ela saberá como ajudar. Eu preciso pensar em tudo isso agora.
— Onde você vai? Eu não terminei.
— Foi o bastante por hoje.
Peguei meu casaco e saí de casa, sabia que conversar com uma psicóloga seria o melhor, Maia saberia exatamente o que fazer para ajudar meu pai, para que a gente pudesse ficar bem. Com esse pensamento mandei mensagem para Pietro, pedindo para encontrar me no parque.

Thunder - Lutar é Preciso [LIVRO 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora