A garota de cabelos ruivos esvoaçantes chamada Mérida nos entregou a chave do automóvel e disse que estaria ali, domingo as cinco para apanhá-lo de volta.
Preferi não dizer nada. Embora minha vontade fosse de cancelar aquela loucura e pegar um taxi. Contentei-me apenas em ficar em silêncio enquanto rezava mentalmente para que chegássemos vivas em Mankato.
Vivi a maior parte da minha vida ali. Sabia com exatidão como os estados do norte ficavam após novembro. Nem uma nevasca extrema, nem uma pista levemente molhada. Praticamente tudo virava um barro nojento e escorregadio. E era ai, que morava o perigo.
Ganhei minha habilitação ali também, então eu tinha consciência de que nenhum carro era melhor que uma 4x4. Nenhum seria suficientemente bom para andar tranquilamente pela neve.
Por isso, por mais bonito e confortável que fosse o carro, não valia o risco.
Não quis nem ao menos oferecer-me para dirigir, se o destino quisesse que sofrêssemos um acidente, que não fosse por minhas mãos. Até porque inquieta do jeito que eu estava era isso que aconteceria.
Enquanto eu a observava de soslaio ela ignorava-me completamente. Estava séria, segurava o volante com força, e não parecia confortável. Regina dirigia muda e concentrada na estrada, aparentemente sabia o que estava fazendo.
- Você nunca dirigiu por aqui, não é? - eu quebrei o silêncio desconfortável entre nós. E no minuto seguinte me arrependi. Ela segurou a direção com mais força e se endireitou totalmente desconcertada no banco.
- O que você quer dizer com isso? - indagou.
Não respondi. Porém o pressentimento de que daria algo errado não parava de martelar na minha cabeça.
Encostei minha testa no vidro gelado do carro. Faltava pouco para chegar, agora eu conseguia distinguir os lugares, e me localizar brevemente.
Vi o pequeno parque com alguns balanços, e escorregadores onde brinquei por muito tempo. Engraçado que em cidades pequenas as coisas não mudam. Talvez um muro seja pintado de uma cor diferente, porém, aparentemente, ninguém se importa de construir algo novo. Até mesmo a cafeteria que eu frequentava estava exatamente igual, desde o período jurássico.
E mesmo que agora, minha realidade fosse completamente diferente, eu não conseguia parar de comparar. Mankato tinha os índices de criminalidade baixíssimos, entretanto eram pouco mais de meia noite, e nenhuma alma viva perambulava por ali.
Até mesmo no laguinho congelado, onde as crianças, inclusive eu, adoravam patinar até tarde, estava vazio.
Parecia aquelas cidades fantasmas, onde duas amigas resolvem ir - Não eu e Regina - para descobrir se os boatos, de coisas sobrenaturais, são verdadeiros. E nunca mais conseguem sair daquele inferno... A não ser, mortas... Em sacos plásticos pretos. E muito provavelmente esquartejadas. Assim que descobrem que a cidade não tinha nada de sobrenatural. E o que acontecia ali estava bem mais ligado a sacrifício humano, feito por pessoas vivas, em rituais satânicos esquisitos e que os pobres fantasmas não tinham nada haver com isso.
No minuto seguinte a cena de meus pais e Zelena chorando, com fotografias minhas e de Regina sorridentes e vivas, nas mãos não saia da minha cabeça. E mais, com um cartaz de "procura-se" com letras garrafais vermelhas atrás deles, amarrados em dois postes só contribuiu para o meu curta metragem mental, me assustar mais.
E foi então que aconteceu.
O carro derrapou, Regina perdeu o controle da direção e começou a gritar. Eu comecei a berrar também enquanto o carro parecia mais um peão que girava pela estrada.
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Não foi à Primeira Vista
FanfictionEu sei que as coisas mudam de repente. O destino, constantemente, nos prega peças. De qualquer maneira, sempre me achei psicologicamente fodida, e inapta a me apaixonar. Acredito que por muito tempo ela sentiu o mesmo. Nós éramos diferentes, mas de...