Capítulo 10

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Malu

Já estamos na estrada há um bom tempo, Bento está animado, falando o tempo inteiro em como eu vou me dar bem com a família dele. Disse que Dona Marta vai me adorar, que ela sempre sonhou em ter uma filha, que dizia estar em desvantagem com tantos homens dentro de casa, e que tem certeza absoluta que ela vai me adotar como filha. Ele me disse que seu pai é um pouco mais fechado, mas para eu ficar tranquila que ele vai me receber de braços abertos.

Estamos ouvindo música e cantando, mas aos poucos percebo que Bento está cantando mais baixo, até que para de repente, e quando olho para ele, percebo que está pensativo.

—Um centavo pelos seus pensamentos.

Bento me olha por um momento, mas logo volta a atenção para a estrada. —Malu, você sabe que eu tenho um irmão, certo?

—Sei sim. Guilherme, não é isso?

—Eu preciso que você me prometa que vai ficar longe dele. — Olho para ele sem entender, e vejo que ele está bem sério. É difícil ver o Bento assim.

—Por que eu teria que prometer uma coisa dessas, Bento? — Digo cruzando os braços.

—Por favor, Malu, só me prometa. Eu jurei que ia te proteger, e isso inclui te deixar bem longe dele.

—Você só pode estar ficando doido Bento. Eu estou grávida! Além disso acabei de ouvir do cara que eu pensei ser o amor da minha vida que sou uma puta interesseira. Então se tem uma coisa que você não precisa se preocupar é comigo me aproximando de alguém.

—Eu sei Malu, eu sei pelo que você passou. — Ele respira fundo e continua. —E eu te conheço, mas eu também conheço o meu irmão. — Ele diz e suspira.

—Tudo bem, Bento. Eu prometo ficar longe dele se isso te deixa feliz.

Depois disso, ficamos em silêncio por um tempo, até que sinto meu estômago se contorcer de fome. Como é possível que eu já esteja com fome? Nós jantamos antes de pegar a estrada. Resolvo não falar nada, mas o que adianta me calar se nesse momento meu estômago ronca alto? Nós nos olhamos e caímos na gargalhada.

—Meu Deus Malu, você tem um bebê aí dentro ou um alien? Porque esse barulho não pode ser normal.

—Cala a boca e arruma logo um lugar para a gente comer.

Continuamos na estrada por mais trinta minutos e nada de aparecer um restaurante, acabamos avistando um bar que fica ao lado de um posto de gasolina e resolvemos parar, assim podemos comer e abastecer. Bento diz para eu ir entrando e pedindo nossa comida para adiantar que ele vai encher o tanque e já me encontra.

Entro e congelo, esse lugar está caindo aos pedaços, e em uma mesa no canto tem uns caras muito estranhos que estão me encarando. Finjo que não vejo e vou até o bar perguntar se eles ainda estão servindo algum tipo de comida, e a atendente, uma mulher de meia idade, diz que só tem bebidas e alguns petiscos.

Sinto os olhos daqueles caras em mim o tempo todo, isso está me deixando nervosa, então peço a mulher batatas fritas e frango para viajem. Não quero comer aqui, estou com uma sensação muito ruim.

Estou esperando o pedido quando sinto alguém ao meu lado sussurrar no meu ouvido.

—O que um docinho como você está fazendo por aqui?

Sinto um arrepio na espinha e fico estática. Não respondo nada.

—O que foi delícia? O gato comeu a sua língua?

Não olho para ver quem é, mas eu sei que é um dos caras que estavam me encarando. Fico sem saber o que fazer e ele segura meu braço. —Está com medo de mim? Não precisa ter medo docinho, não vou te morder, a não ser que você peça.

Quero gritar, quero correr, quero fugir, mas não consigo me mover.

—Algum problema por aqui? — Graças a Deus Bento entrou, ele para ao meu lado e me puxa pela cintura. O estranho é obrigado a me soltar.

—Problema nenhum cara, só estava tendo uma conversa com esse docinho aqui. — A forma como ele diz "docinho" está embrulhando o meu estômago, sinto que posso vomitar a qualquer momento. —Não sabia que ela estava acompanhada.

—Sim, ela está.

O homem olha para nós dois de forma estranha, como se estivesse nos avaliando, e para o olhar no relógio de pulso do Bento. Uma vez ele me contou que esse relógio foi um presente do seu pai quando ele fez 18 anos, eu sempre disse a ele para não ficar usando o relógio pelas ruas porque chama atenção, mas ele nunca me deu ouvidos.

O cara dá um sorriso de lado, levanta as mãos e senta na banqueta próxima a nós, mas continua nos olhando . Bento está tenso, eu posso sentir pelo jeito que ele está segurando minha cintura. Seus dedos estão me apertando. Nós precisamos sair daqui.

A atendente aparece com o nosso pedido e Bento dá a ela seu cartão, percebo que o cara franze a testa e se levanta. Merda! O cartão do Bento é daqueles que só pessoas com dinheiro tem, de contas exclusivas.

Falo baixinho. —Bento, a gente precisa sair daqui. Esses caras não param de nos encarar, ele viu seu cartão e ficou de olho no seu relógio.

—Eu sei. Vá andando para o carro que eu estou logo atrás de você.

Viro e começo a caminhar, Bento está logo atrás de mim com a sacola de comida na mão. Assim que abrimos a porta vejo todos eles se levantando. Escuto um deles falar alguma coisa, mas não sei o que é. Olho para trás e vejo que eles estão andando rápido na nossa direção. Quando estamos quase alcançando o carro, ouço um deles dizer: —Vamos fazer agora ou vamos de perseguição? Mas já aviso que a docinho é minha!— É o mesmo cara que me abordou no bar.

Aceleramos o passo e entramos no carro, Bento na mesma hora liga o motor e sai as pressas, olho para trás e não vejo nada. A estrada está escura e deserta. Meu coração está acelerado. Olho para o Bento e vejo ele apertando o volante com força.

Ele respira fundo algumas vezes. Sinto o desespero querer tomar conta de mim. —Malu, eles vão vir atrás da gente. Até chegarmos a próxima cidade falta uns vinte minutos, e até lá só teremos essa estrada pela frente. — Nesse momento vejo um farol de carro se aproximando atrás de nós em alta velocidade.

—Bento, pelo amor de Deus! O que a gente vai fazer?

—Eu não vou parar, Malu. Não importa o que aconteça. Se eu parar eles vão te machucar, e isso eu nunca vou permitir. — Ele diz e segura minha mão, então afunda o pé no acelerador e vamos a toda velocidade. Me seguro como posso. Olho para trás e o carro está cada vez mais perto, olho para o lado e vejo que estamos próximos de um barranco. Não temos para onde ir.

Escuto barulho de tiro e me abaixo. —Ai meu Deus, eles estão atirando.

Bento não me olha, só continua acelerando. Desespero toma conta de mim, coloco a mão na minha barriga como se eu pudesse proteger meu filho. Começo a pedir a Deus que nos proteja. Viro para trás e vejo que o carro que estava atrás de nós pega a contramão e fica ao nosso lado. O cara que estava tentando se aproximar de mim no bar dá um sorriso no banco do carona, como se estivesse adorando tudo aquilo. Olho para o Bento, mas ele está concentrado na estrada e não vê quando o homem aponta a arma na direção dele. Meu coração acelera, e antes que eu possa gritar um tiro é disparado, escuto o barulho de vidro se quebrando e sinto o carro derrapando e girando sem controle, saindo da estrada. Caímos no barranco e o carro começa a capotar. Parece que tudo está em câmera lenta, e meu único pensamento é tentar proteger meu bebê. Sinto minha cabeça bater com força no vidro da porta e minha visão começa a ficar turva. Tento olhar para o lado, preciso saber se o meu amigo está bem, se o tiro pegou nele. Por favor Deus, nos ajude. Sinto uma nova pancada e começo a perder os sentidos, a última coisa que consigo fazer é segurar a minha barriga com força, e então... tudo fica preto.

Caminhos Traçados - Retirado em 11/02Onde histórias criam vida. Descubra agora