Capítulo 7

247 48 5
                                    

Malu

Chegamos em casa e fui direto tomar um longo banho para tirar esse cheiro de hospital. Bento está meio neurótico, não permitiu sequer que eu andasse até o apartamento. Assim que saímos do carro ele me pegou no colo e começou a andar em direção ao elevador, dizendo que era forte o suficiente para carregar a mim e ao meu filho no colo. Eu apenas sorri para o meu amigo, tão lindo, tão doce, mas tão solitário. Como um homem como ele ainda estava sozinho? Não conseguia entender. Mas sei que quando ele menos esperar o destino vai colocar alguém em sua vida que vai amá-lo da forma que ele merece.

Espero a água esquentar para entrar dentro do box, e enquanto a água escorria pelo meu corpo, senti as lágrimas surgindo mais uma vez em meus olhos. E ali embaixo do chuveiro, quando a água se misturava as lágrimas, me permiti desmoronar uma última vez. Me permiti chorar e colocar para fora toda dor e angústia que estavam em meu peito, porque depois que saísse daqui o Max seria passado, e eu me concentraria simplesmente em ter uma vida tranquila ao lado de quem realmente ama a mim e ao meu filho.

Desliguei o chuveiro e olhei para o espelho. Meus olhos foram automaticamente para a minha barriga que ainda estava plana. Imaginei como seria daqui a alguns meses quando ela estivesse inchada e meu bebê chutasse. As lágrimas surgiram de novo, mas dessa vez de emoção e ansiedade.

Saí do banheiro e vesti meu pijama de bolinhas, o meu preferido, e fui para a cozinha. Quando cheguei lá peguei o final de uma conversa do Bento no telefone.

—Sim, eu estou voltando.

—Juro mãe.

—Não vai ter um ataque de emoção nada. Fique bem viva para me receber de braços abertos e com aquele bolo de chocolate que só a senhora sabe fazer.

—Ah... tem mais uma coisa, vou levar uma surpresa comigo.

—Eu sei que você odeia surpresas, mas essa é boa.

—Tá bom, eu conto. — Nesse momento ele sussurra no telefone e eu não consigo ouvir.

—Não precisa gritar no meu ouvido, mãe. Eu tenho que desligar agora.

—Também te amo Dona Marta, e estou morrendo de saudades. Beijos.

Ele desligou o telefone e virou, e ao me ver sorriu. —Vamos comer minha grávida preferida?

Eu assenti com a cabeça e perguntei. —Estava falando com a sua mãe? E como assim você vai voltar? — Medo encheu meu coração. Por favor, Deus. Não deixe que ele me abandone também.

—Primeiro vamos alimentar o nosso bebê, depois vamos as conversas sérias.

Juntos fizemos sanduíches e comemos em silêncio, eu não aguentava mais de ansiedade.

—Vamos Bento, me diz logo o que você tem para me contar.

—Tá bom. — Ele disse e suspirou. —Você sabe que eu não sou daqui. Mas o meu passado sempre foi algo que eu tentei fugir e esquecer. Não por ter alguém me perseguindo ou coisa do tipo, mas porque lá eu não podia ser eu mesmo. — Ele disse com a voz triste. —Minha família sempre foi muito conservadora, principalmente minha mãe, e eles nunca iriam aceitar quem eu sou. Nunca iriam aceitar a minha orientação sexual. Meu pai sempre me cobrou muito, principalmente porque o meu irmão era o pegador, e eu nunca levei uma mulher para casa. Eu sempre fui o "queridinho da mamãe" como meu irmão costumava dizer, e ela sempre falava que eu não saía com um bando de mulheres porque eu tinha caráter e não queria ficar por aí com qualquer uma, mas que ela sabia que quando eu encontrasse a mulher certa iria levá-la em casa para apresentar a eles, casar e encher a casa dela de netos. — Bento falou e seus olhos se encheram de lágrimas. Eu corri para o seu lado e o puxei para os meus braços.

—Meu Deus, Bento. Como você viveu tanto tempo desse jeito?

Ele me olhou e continuou. —Quando eu era adolescente percebi que era diferente, enquanto meu irmão vivia cercado de garotas eu enfiava a cara nos estudos, e enquanto ele pegava todas as meninas da escola eu sentia atração pelos meninos. Isso me deixou muito confuso, foi uma época muito difícil, e também a época que me afastei dele. O tempo foi passando e eu fui começando a entender o que eu sentia e me aceitar, mas como eu ia contar para a minha família que eu era gay? Como eu ia falar para a minha mãe que eu nunca ia apresentar a tão sonhada nora dela? Então uma noite, que eu estava em uma boate, tudo mudou. — Ele termina e me dá um olhar perdido. —Mas isso não importa. Depois disso eu decidi que precisava sair de lá e viver minha vida. E pelo menos uma vez ser quem eu era. Então me mudei para cá, e essa foi a melhor decisão da minha vida, pois eu pude ser livre, e o mais importante, eu pude conhecer você. Mas o meu coração sempre ficou apertado com saudade deles, principalmente da Dona Marta. — Ele sorri com carinho ao falar da mãe dele.

—Bento, por que você não conta a verdade para eles? Tenho certeza que no começo pode ser ruim, mas depois, com o tempo, eles vão aceitar.

—Eu não quero decepcionar a minha mãe, não agora. Ia ser muito difícil para ela entender tudo. E é por isso que eu tomei uma decisão, e espero que você embarque nessa junto comigo.

Olho para ele desconfiada. —Agora você está me assustando. O que você quer dizer com isso?

—Eu liguei para a Dona Marta e disse que estou voltando para casa. Falei também que estou levando uma amiga comigo, e que você vai ficar na nossa casa com a gente.

Bento

Malu fica uns 10 segundos me encarando com os olhos arregalados, até que diz: —Você está maluco? A sua mãe vai pensar que somos um casal!

Depois que vi como Malu ficou nervosa e que não receberia bem a minha ideia, resolvi mudar de tática. Vou contar para ela aos poucos o meu plano. Por enquanto eu só preciso convencer ela a sair daqui. Não vou deixar que o Max a perturbe e nem que tente tirar o bebê dela.

—Primeiro, eu disse a ela que estou levando uma amiga, e não uma namorada. Segundo, vai ser bom para você sumir daqui e deixar tudo isso para trás. Terceiro, ter você lá comigo é tudo o que preciso para me dar forças e enfim conversar com a minha família.

Não vou dizer a ela que resolvi assumir seu filho, vou deixar as coisas acontecerem aos poucos. Também não sei se estou agindo certo, só sei que esse sentimento de proteção está cada vez maior dentro de mim, e que a saudade da minha família está me matando.

—Eu não posso Bento. Eu tenho o meu trabalho. Não posso simplesmente mudar toda a minha vida assim. E além do mais eu nem conheço a sua família.

—Claro que você pode. Fica tranquila, eu vou te dar todo apoio que precisar. E quanto a minha família, tenho certeza que vão amar você. — Eu digo e ela fica pensativa. —Vamos lá, Malu. Você vai poder recomeçar longe de tudo isso. Vai poder ser feliz, ter uma gravidez tranquila e principalmente, sem medo de alguém tentar tirar o seu filho. Por favor, pensa nisso.

—Eu vou pensar Bento. — Olho para ela desconfiado. —Eu juro! Só preciso colocar os meus pensamentos em ordem e acalmar o meu coração. — Ela diz e me abraça de novo. —Você é a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha vida. Eu te amo.

Ganho um beijo no rosto e vejo ela caminhar para o seu quarto. Vou dar um tempo para ela pensar, e enquanto isso vou resolvendo as coisas da nossa mudança. Não sei como vai ser quando eu chegar em casa. Quando falei para a minha mãe que estava levando uma amiga, ela logo se animou, e com certeza já está imaginando que estamos juntos. Conheço a Dona Marta, já deve ter contado para o meu pai. E se der mole já está organizando nosso casamento. Sorrio com o pensamento. Que saudade que estou dela.

Caminhos Traçados - Retirado em 11/02Onde histórias criam vida. Descubra agora