Os olhos se perderam por entre o papel em suas mãos analisando cada linha da folha pautada, as claves de sol e fá devidamente colocadas em seus lugares, aconchegando por entre cada traço as notas musicais correspondentes daquela sonata em específico. Um tipo singular de leitura, difícil para olhos destreinados, porém comum para si. Aquelas linhas silenciosas diziam mais do que a posição correta de cada nota e seu conjunto estava longe de ser quieto. Elas tinham muito a dizer, mas apenas para aqueles que conseguiam lê-las.
Talvez um pouco de como ele também fosse, já que sua essência era constituída basicamente da quietude que o acompanhava desde pequeno, mas que trazia no cerne a intensidade de um movimento agitado de uma sonata que explodia quando se menos esperava e revelava a grandeza daquele conjunto potente, absorto em melancolia e com traços fortes de um Allegro como um movimento de uma das sonatas de Beethoven, ou talvez seria com a agitação de Tempest, que por acaso também se criara nas mãos do mesmo compositor?
Os movimentos mais enérgicos das sonatas, no fim, eram os mais impressionantes de ouvir – talvez por exigirem tanto de quem lhes tirasse daquelas folhas pautadas? – e revelavam a potência daquele que a compusera, mas ele gostava da intensidade das melancolias dos movimentos mais calmos, pois soavam mais impactantes – ou talvez isso fosse apenas o reflexo de sua própria alma? -.
Aquelas notas de fato diziam mais do que faziam parecer, mas exigiam tamanha intimidade para que soassem coesas e se fizessem entender sem grandes explicações. As teclas imaculadas do instrumento se faziam soar e esse singelo ato expressava toda a potência da alma de seu criador. Como saber o que Beethoven pensava quando compunha suas sonatas? Bem, não era uma questão que realmente seria respondida, sua genialidade transcendia os limites conhecidos e sua surdez parcial diagnosticada ainda em sua juventude e que lhe trouxera tantos males e confusões mentais não fora capaz de lhe tirar a vida de maneira brusca enquanto ainda novo.
Poucos sabiam que Beethoven não havia perdido por completo sua audição, e diante da sintonia que tinha com sua própria genialidade fora capaz de continuar compondo e tocando sem que seu male fosse maior do que sua própria vontade de continuar criando suas obras.
Obras essas que agora eram expressas por diversas mãos habilidosas, fosse em pianos com suas sonatas famosas e outras que não tinham designação numérica específica como Für Elise ou mesmo na magistralidade dos violinos com sua Quinta Sinfonia. Mesmo aqueles que jamais tivessem tido contato com as músicas eruditas conheceriam o movimento criado pelo compositor alemão.
Ele suspirou pesadamente, prestando atenção em cada movimento que sua caixa torácica fazia enquanto completava aquele ciclo tão necessário para a sobrevivência de suas células e órgãos. Estava estudando aquela sonata mesmo sabendo tocá-la quase em sua totalidade, mas queria ler o que aquelas notas tinham para dizer e enquanto o fazia podia ficar acolhido pelo silêncio de seu quarto. Sua mente trabalhava tentando reproduzir os movimentos de seus dedos pelas teclas polidas ao passo em que o som ia se propagando em seu imaginário e a música se mostrava para ele.
Talvez as grandes composições surgissem daquela forma? O sonido revelava-se em sua mente antes mesmo de seus dedos percorrerem o instrumento que lhes daria alma? Bem, se ele fosse um compositor certamente direcionaria suas criações para o instrumento que dominava.
E de certa forma talvez ele mesmo fosse uma sonata, mas ainda não estava completo, pois não tinha quem lhe dar a alma que via naqueles papéis, e como seria uma composição parecida com as que estudava e reproduzia se a essência delas era dizer tudo através de cada instrumento e ele se sentia como uma casca oca incapaz de ser reproduzida?
- Quanto desperdício imaginativo.
- Falando sozinho de novo, querido?
Ele sobressaltou na cama ao ouvir a doce voz feminina que se fez soar antes mesmo que sua mãe abrisse a porta e o encontrasse em sua cama estudando a linguagem de sua alma – ele poderia se descrever com uma junção de diversas sonatas se lhe fosse perguntado -. A presença de sua mãe o tirou a atenção do que lia e seus olhos se encontraram quando ela adentrou seu espaço e tomou lugar junto a si.
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O Pianista
Hayran Kurgu[ItaGaa][SasuNaru][ShikaTema] [Universo Alternativo] ~ [09/09] A vida de Gaara seguia quase todos os passos de uma sonata, com a exceção de que nas linhas de sua existência não haviam as passagens alegres e brilhantes, mas sim os movimentos pesados...