O Pianista

Moonlight Sonata

A ínfima lembrança de saber que poderia sair de casa sem que isso fosse um problema acalentava o coração de Gaara. Quer dizer, antes ele sequer poderia fazer isso, mas apenas o fato de pisar fora de seu quarto já seria motivo de represália e por isso ele passara muito mais do que doze meses em casa após se formar no ensino regular. Foram anos recluso, excluído, sendo obrigado a ouvir que não fazia parte da família, que não poderia aparecer na frente de ninguém.

Foram, no mínimo, onze anos que passou assim. Por muito tempo Karura tinha sido capaz de protegê-lo da maldade de Rasa, mas quando Gaara atingira os sete anos passou a conhecer o ódio que o patriarca sentia por ele, e fora nessa mesma época em que se refugiou no mundo das sonatas e passou a ter o piano como seu único amigo.

Aos sete anos Gaara já era capaz de tocar algumas sonatas – fora nessa época que aprendeu Appassionata – e mostrou todo o talento que tinha para tal. Naquela época Rasa fora categórico ao dizer que o piano deveria ficar escondido e jamais ser tocado em sua presença, e ainda no mesmo período ele tinha tentado matricular Kankuro e Temari nas aulas, mas eles não conseguiam tocar como Gaara o fazia – eles não conseguiam tocar, na verdade e também não faziam questão -.

E a partir desse momento Rasa amaldiçoou o talento de Gaara por ele ter aquela marca específica em si que Kankuro e Temari jamais teriam. Conforme o tempo fora passando o ruivo passou a aceitar que deveria permanecer escondido e por conta disso sempre tocava o máximo que podia quando ia até a escola de música, a qual tinha frequentado dos sete aos treze anos, quando teve a certeza de que já sabia tudo que precisava para poder parar.

Na mesma semana em que se formou - a qual não chegou a ir, tendo apenas o canudo com o diploma escondido -, sua mãe apareceu com o piano em casa e deixou na saleta escondida, sem que aquilo fosse realmente um problema. Bem, Gaara estava tão feliz que mesmo que o piano não pudesse ficar em seu quarto não era algo que o incomodava. Era muita coisa para quem tinha sido privado de tudo.

Sendo assim, conforme o tempo ia passando e ele aprendendo mais e mais sonatas, tornou-se evidente que seu maior confidente era o instrumento de cordas, pois nos momentos mais difíceis e doloridos eram aquelas teclas que o confortavam tanto quanto o abraço de sua mãe e fora mais ou menos aos quinze anos que seus irmãos pararam de passar indiferentes ao que acontecia na casa. Karura tentara manter eles longe do monstro que era seu pai, mas Temari o vira uma vez indo até o quarto de Gaara com um cinto em mãos e passou todo aquele tempo ouvindo ele bater no irmão.

A partir dali nascera o sentimento de revolta da irmã. Ela obrigara Kankuro a ouvir também e os dois decidiram que deveriam ajudar Gaara, pois não queriam que ele sofresse daquela forma. Demoraram a entender o que era um estupro efetivamente, mas gostavam do irmão e não queriam que fosse torturado. No fim muito tempo tinha se passado, mas com uma atitude de Temari eles tinham conseguido livrar Gaara do inferno que vivia.

E a consequência disso era o fato de que estava se arrumando pra sair, o que seria impossível até dois meses, três meses atrás. O ruivo continuava tendo predileção por roupas pretas e de cor vinho, mas elas lhe caíam bem e agora estavam lá apenas por necessidade e não parar ocultar alguma marca ruim. Entretanto, como para qualquer pessoa que tivesse passado por anos de abuso, tinham os traumas e Gaara era cheio deles.

Os físicos eram os mais aparentes. Os vergões em seus braços e pernas causados pelas cintas tinham sumido e poucas e pequenas linhas de um tapa mais forte permaneceram, mas eram imperceptíveis, além da pequena marca em seu punho – aquela a qual sangrara tanto e que Temari precisou limpar com algum cuidado na primeira vez que cuidou de suas injúrias -. Além disso, havia a marca em sua testa a qual era agora uma cicatriz esbranquiçada que precisava de atenção para ser lida, pois não estava tão forte, assim como o risco que cortava seu olho esquerdo na vertical, causado pelo chicote.