Mau Humor

96 13 0
                                    


O resto do final de semana foi bem mais calmo que a última manhã de sábado. Os adolescentes passaram os dias aprendendo como servir os clientes na lanchonete e memorizando o cardápio de sanduíches, salgados e bebidas. De tempos em tempos, quando Jerry os chamava, entravam na toca e tiravam os chapéus para ver se os poderes já estavam sob controle. No domingo à noite, Justin e Harper já podiam ficar tranquilamente sem o adereço. Quer dizer, Harper não quis tirá-lo pois achava que combinava com todas as suas roupas, porém se quisesse, não haveria risco algum. Já para Alex e Max a situação não era tão favorável:

— Fala sério, não tem jeito nenhum de eu tirar esse chapéu logo?! Amanhã vou entrar numa escola nova; o que vão pensar de mim se me virem com esse treco horroroso na cabeça? — Ranhetava, a garota.

— Ei, como assim horroroso? — Exclamou Harper.

— Ai, desculpa, esqueci que você gosta de usar esse troço. Mas ainda assim, não deixa de ser; ahn, como direi? Patético. — Respondeu Alex.

— Acho que você está sendo dramática. — A outra continuou, inacreditavelmente com um sorriso no rosto. — Pensa bem: vai ser tipo uma pulseira da amizade, sabe, que identifica um grupo de amigos. Mas ao invés de pulseira usaremos esse chapéu mega-estiloso!

— Isso! Seremos a irmandade dos patetas. — Falou a morena, desdenhando. Desta vez, Justin se manifestou:

— Nossa, você está com um mal humor, hein? Tá tudo bem?

Ele tocara exatamente na ferida de Alex. Não estava tudo bem. Aliás, desde que terminara de falar com o pai, não estava nada bem. Mas, sabia que não podia desabafar com ninguém ali além dos tios, e não queria de modo algum, ser vista como uma pessoa problemática, ou de quem precisassem ter pena. Então, respirou fundo, estufando o peito e se aproximou do rapaz, com um sorriso tão falso que dava medo. Mas antes que falasse qualquer coisa, Jerry, saiu em seu socorro evitando que dissesse alguma grosseria:

— Ah, são todas essas novidades de serem feiticeiros que estão te estressando né, minha menininha? — Sussurrando completou — Não ouse me contrariar, Alex. Estou tentando te ajudar. — Voltou a falar alto — Bem, já acabamos os testes com os chapéus por hoje, podem ir. Só darei uma pequena palavrinha com minha sobrinha aqui, antes de deixarmos a toca também. E lembrem-se do que eu falei ontem à noite...

— Não podemos expor a magia ao mundo, pois isso poderia gerar conflitos por ambição de poder e etc. Fica tranquilo, já está entendido. — Respondeu Justin. Então ele, Max e Harper saíram.

— Caramba, como ele decora rápido! Eu fui a primeira a ouvir essa frase, quando o senhor me falou porque o meu pai nunca tinha me contado seu segredo, e até agora não gravei. — Comentou Alex. Entretanto, ao perceber a cara que o tio fez, acrescentou depressa — Mas fica tranquilo que já entendi! O que o senhor queria falar comigo, mesmo?

— Eu estou preocupado com você. Desde que me disse que Kelbo não tem nenhum dia livre para vir vê-la, tenho notado que seu humor piorou bastante. Será que eu poderia ajudar?

Alex deu um pequeno suspiro e disse:

— Infelizmente não. É que eu queria conversar com meu pai para entender algumas coisas; e precisava ser só com ele. São coisas... de pai e filha — E deu um sorriso triste a Jerry.

— Entendo. Bem, saiba que pode contar comigo para o que precisar, está bem? Sou seu tio, e quero honrar esse parentesco. Já bastam estes últimos anos em que Megan se afastou com você. Isso não vai acontecer mais. Eu não vou deixar. Sei que foi um tantinho cruel da parte dela te levar para morar conosco assim do nada, depois de tantos anos sem contato, mas por um lado, foi a melhor coisa que ela podia ter feito. Agora você tem a mim e à Theresa, e será amada como merece. — Falava enquanto dava um abraço reconfortante em Alex. Foi tão forte que seu chapéu até caiu. Ela não conseguiu responder nada, tamanha era a gratidão por aquele gesto e aquelas palavras na hora em que mais estava precisando. E não sabendo se era por estar tão desacostumada a ser tratada com carinho, ou por outra coisa, sentiu uma emoção muito forte tomar conta do seu peito, como se Jerry fosse intimamente ligado a ela; como se aquele abraço fosse realmente de um pai. Ela se afastou rapidamente, tendo certeza que isso tinha haver com a falta que sentia de Kelbo. Como não queria que o tio ficasse tão confuso quanto ela, inventou uma desculpa esfarrapada para o repentino afastamento do abraço:

— Ahn, eu acho que não estou me sentido muito bem. É melhor eu ir lá para cima, como os outros. E... muito obrigada, pelo o que disse.

Assim, deu um sorrisinho para seu instrutor mágico e saiu da toca, passando diretamente pela cozinha e o balcão da lanchonete, indo em direção às escadas que levavam ao apartamento. Chegando lá em cima, viu no relógio da sala que já estava quase de madrugada. Aproveitou a desculpa para dar boa-noite a seus colegas e ir se deitar, argumentando que teria que acordar cedo na manhã seguinte para o primeiro dia de aula na Tribeca. Harper então lhe interrompeu:

— Espera, já que tocou no assunto; de que série vocês são? Eu estava para perguntar isso há um tempão, mas como aconteceram tantas coisas desde que chegamos, acabei me esquecendo.

— Eu sou do último ano. — Respondeu prontamente Justin, sem conseguir disfarçar o orgulho.

— E eu sou do penúltimo. — Disse Alex, dando uma bocejada. — Harper, não dava realmente para esperar até amanhã para perguntar isso? Eu tô realmente precisando ir dormir e...

Mas a ruiva nem ouviu a última parte. Saiu dando um gritinho histérico por cima do que a outra dissera:

— Aaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhh, eu não acredito! Alex, nós somos da mesma sala! Caramba, é a primeira vez que eu entro numa turma conhecendo alguém.

— Sério?! Poxa, que... legal! — Contra todas as expectativas, aquilo acabou animando a morena. Por mais que achasse Harper às vezes excêntrica, não ser a única deslocada em uma turma nova era algo maravilhoso na cabeça da baixinha. Ainda mais, levando em consideração que a colega com certeza chamaria mais atenção do que ela, com suas roupas extravagantes. A perspectiva de usar o chapéu do pateta, nem parecia mais tão assustadora. — Taí, garota, acho que realmente temos grandes chances de nos tornarmos melhores amigas agora. — Falou.

— Ora, ora, vejo que alguém aí já está mais contentinha! — Comentou Justin, se aproximando das duas.

— Você anda reparando muito em mim, hein? — Alex provocou, chegando mais para perto dele.

— Quê? Er... n-não é nada disso; q-quero dizer, ahn...

— Deixa para lá, tô muito cansada para ouvir explicações. Boa noite!

E se virou, subindo para o quarto, enquanto o outro ficou só lhe observando, sem saber direito o que dizer. Ou fazer. Harper é que, irritada, tirou-o do transe ao estalar os dedos.

— Uou, Terra chamando Justin! Acho melhor nos deitarmos também que o dia amanhã será longo! Largue o vídeo-game e venha também, Max!

— Ah, sim. Certo, vamos. — Respondeu o rapaz, despertando.

Começaram, então, a subir os degraus que levavam aos quartos; Justin se perguntando porque Alex o deixava tão no ar, se isso nunca havia acontecido com tanta frequência antes. Não pôde deixar de se admirar com essa capacidade dela. Sempre levou a vida muito a sério, precisava de algo que o fizesse se desligar um pouco.

Chegando no corredor onde ficavam os quartos, ele passou por aquele que a garota escolheu, e olhou para lá. A porta estava trancada e nela já havia um aviso colado, onde estava escrito: "Não chegue nem perto, ou não me responsabilizo. " Ele deu uma risadinha e seguiu para o último quarto, onde havia dormido nos últimos dias. Ajustou seu despertador para as 6 horas do dia seguinte, e ainda pensando em Alex, deu uma profunda suspirada e permitiu se jogar na cama.

De Outro MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora