Paralisado

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Consigo me lembrar de todos os detalhes daquele dia, até mesmo de como me senti no momento da briga com Yoongi ou quando saí de casa, bem cedo de manhã, certo de que aquele seria mais um dia normal, onde eu seguiria com o meu modo de vida rotineiro e tudo acabaria bem. Consigo lembrar até mesmo da minha respiração ofegante, a falta de ar que eu senti e a queimação no peito momentos antes de eu cometer o pior erro de todos. O erro que, eu não sabia na época, mas seria irreversível.

Acontece que a vida é cheia de imprevistos, e as coisas nem sempre vão acontecer como queremos. Eu aprendi isso da forma mais dolorosa possível.

Para falar a verdade, nunca parei para pensar sobre a morte, nem mesmo sobre o pós-morte. Eu simplesmente não tinha uma opinião realmente formada sobre isso. Quase todos os meus hyungs não acreditavam em Deus, ou em nenhuma entidade que pudesse ter "criado" o mundo ou o controlasse de alguma forma, com exceção de Hoseok, embora ele não falasse muito sobre isso. Meus pais eram cristãos, porém não praticantes. Talvez por influência da minha mãe, que era mais ligada a esse tipo de coisa, comecei a pensar que quando eu morresse provavelmente veria alguma figura que falasse comigo e destinasse o meu caminho — céu, inferno, ou qualquer outro termo que usassem para julgar para onde pessoas boas ou ruins devessem ir.

Eu apenas esperava que eu fosse para um lugar bom.

Mas eu não podia ver nada. Meus olhos queriam se abrir, mas não conseguiam, como se algo os impedisse, como se minhas pálpebras estivessem coladas.

Sentia meu corpo todo doer, como se um caminhão tivesse passado por cima de mim, e eu me sentia fraco. Era uma merda.

Tinha algo, no entanto, que me incomodava mais; uma sensação estranha, como se um raio de luz incidisse contra o meu rosto. Eu também podia ouvir um bip insistentemente irritante próximo a mim, embora o som estivesse um pouco abafado, como um medidor cardíaco.

Talvez eu não esteja morto, afinal. 

Fiz o máximo de esforço que pude para abrir os olhos e despertar, como uma pessoa que está se afogando e tenta alcançar a superfície, e percebi meus sentidos aos poucos se tornarem mais concisos.

Abri-los com muita dificuldade, quase cego pela luz que, de fato, batia em meu rosto. Não vi muita coisa, apenas branco. Paredes brancas, pelo o que parecia.

Quando me acostumei melhor com a claridade repentina, pisquei algumas vezes, com os olhos totalmente abertos, tendo assim um campo de visão mais amplo. Olhei para as paredes, brancas e sem nenhum resquício de sujeira, para o teto, onde havia duas lâmpadas compridas presas entre si, e então para o meu lado direito, de onde vinha aquele som, analisando o aparelho. Meus batimentos pareciam normais, já que as linhas eram estáveis, embora eu não entendesse muito daquilo.

— Jungkook?... — Ouvi uma voz familiar me chamar, e por um minuto me assustei. Olhei para o lado esquerdo e vi minha mãe, sentada perto de mim em um banquinho de madeira. Seus olhos estavam marejados. Não entendi o motivo, mas tive vontade de abraçá-la.

Meu corpo queria levantar, mas eu não conseguia mover nem um músculo. Senti um gosto estranho na boca, que não chegava a ser ruim, mas de certa forma me incomodava. Umedeci os lábios com a língua e tirei o aparelho respiratório do nariz.

— O que...aconteceu? Por que eu 'tô aqui? — Perguntei, com a voz falha e um pouco rouca, o que estranhei, e a confusão de meus olhos foi refletida nos globos cintilantes dela. Vi uma lágrima rolar pelo seu rosto, em silêncio, e analisei cada um de seus traços. 

Estava quase irreconhecível. Os olhos estavam cercados por olheiras escuras e profundas, o seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo bagunçado, e ela mal usava maquiagem, como era de seu costume. 

Lírios BrancosOnde histórias criam vida. Descubra agora