ᴄᴀᴘɪᴛᴜʟᴏ 2

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                  REINO DE TENCAI

Fiquei um bom tempo no meu quarto junto com o Tae, apenas conversando com ele. Eu ainda me pergunto o que seria de mim se eu nunca tivesse o conhecido. Desde que ele veio para cá, quando ainda éramos crianças, ele sempre foi minha única e especial companhia. Eu até tinha o Namjoon, mas por mais que ele me ajudasse e estivesse comigo, não era a mesma coisa ― ele tinha seus deveres, então não podia sempre ficar comigo. Já Taehyung, quando minha mãe viu que poderia se aproveitar dele, pois o mesmo teria que ficar aqui no castelo junto com os pais, lhe deu logo um trabalho, que era ser o meu servo, porque éramos quase da mesma idade.

Assim como foi difícil para mim, também foi muito difícil para ele ter que abdicar de tantas coisas quando criança. Mas como ficamos muito próximos, logo aproveitávamos para fugir de nossas obrigações e regras quando ninguém nos vigiava e podíamos ser simplesmente crianças novamente. De certa forma fomos o apoio um do outro, apesar de ele nunca ter reclamado tanto de sua vida quanto eu, eu sabia que ele também tinha seus ressentimentos e sabia o quanto eu significava para ele.

Quando deu a hora, fui para mais uma dessas aulas insuportáveis. Cada dia era uma tortura diferente. Aulas de etiqueta, aulas de cartografia, aulas de histórias sobre os reinos e suas famílias, aulas de estratégia e combate... Desde que eu me conheço por gente eu sempre as tive e também nunca consegui me adaptar a nenhuma delas. Sequer consegui gostar.

As piores, claro, eram sobre protocolo. Eu tinha que saber cada lei, cada ordem já dada e cada punição diante de cada julgamento por descumprimento das mesmas. Eu tentava ser o mais concentrado e disciplinado em todas as aulas, assim eu me livrava de ter que as ter por mais tempo, já que seria obrigado caso não me saíssem bem nelas.

Estava sentado no canto de um dos grandes salões, onde eram a maioria das minhas aulas e que ficava ao lado do salão de reuniões. Todos os cantos eram repletos de livros e mapas do chão ao teto, de diferentes idiomas e de diferentes épocas. Por mais que eu não gostasse, eu aprendi a decifrá-los. Se eu pudesse escolher algo que aprendi para me orgulhar, seria poder reconhecer cada reino, cada estrada, cada vilarejo e cada terreno sem título ― os quais eram chamados por meu pai de terras insignificantes, onde não havia nada de favorável para se retirar ou aproveitar e por isso eram esquecidas.

Sempre que estou aqui é inevitável acabar me lembrando de quando tinha por volta de uns cinco anos, correndo por todo esse salão, sempre admirado por seu tamanho e grandiosidade. Olhava para os livros com admiração, imaginando quais seriam as histórias que eles contavam e que tipo de sabedoria me guardavam, sem saber como seriam responsáveis por me privar de tantas coisas.

Gostava de chegar perto das grandes janelas dos salões e olhar para fora, olhar para as vidas que as pessoas tinham, olhar para o horizonte e imaginar quantos lugares existiam e acolhendo dentro de mim o desejo de um dia poder conhece-los. Todos esses pensamentos e sonhos foram desfeitos quanto completei seis anos. Foi a idade ideal para que meus pais estipulassem que eu teria que crescer e me tornar, enfim, um monarca.

Eu nunca fui questionado, nunca perguntaram se esse era o meu desejo. Mas também, como poderia? Sempre fui sozinho. Filho único. Destinado desde o nascimento a herdar uma nação. Não teria como recusar, e esse era o grande problema.

Eu sempre me questionei se caso eu tivesse um irmão, teria uma oportunidade de abdicar disso tudo. Contudo, nunca tive a chance de saber. Meus pais eram muito ocupados para se preocupar em ter mais um filho. Mal se preocupavam com o que já tinham. Eu não costumava reclamar da ausência deles, sabia que tinham deveres e obrigações das quais não poderiam abandonar, sabia o quanto eram responsáveis por um povo e que reclamar pela sua atenção era ser egoísta demais. Mas, mesmo assim, isso nunca me impediu de sentir o vazio que eles deixavam.

Namjoon era como um irmão mais velho, que logo depois se tornou como um pai para mim. Durante todo o meu crescimento, ele foi responsável por me ensinar aquilo que nenhum livro que já li jamais conseguiu. Sabia tanto quanto eu o sentimento de não ter os pais presentes, mesmo que em circunstâncias diferentes. Tentava ao máximo estar comigo sempre que pudesse e assim me ajudar, mas era difícil. Entrou para o exército muito novo, com baixa batente, precisava mostrar sempre sua capacidade e suas habilidades e por isso se dedicava ao máximo, treinava quase que o dia todo para chegar onde chegou.

Digno de seu posto atual e ainda ganhou a confiança de meu pai, o que tornou nossa relação mais distante, já que seu tempo era gasto em reuniões e missões junto a ele.

No final, não o culpo. Não culpo ninguém. Nem meus pais, nem Namjoon, nem todos os criados obrigados a me manter longe de uma vida normal. Ninguém tem culpa de eu ser o herdeiro de Tencai. Nem os reis antecessores, a Família Choi, por ter escolhido a Família Min, como os sucessores ao trono. Ninguém tem culpa do fardo ao qual é destinado a carregar. Mas e se, por uma vez, alguém tivesse a chance de mudar isso? Se alguém tivesse a oportunidade de abdicar daquilo que era para ser o seu destino? Por quanto tempo isso daria certo?

― Alteza? ― Ouvi uma voz calma e baixa me chamar.

― Sim? ― Respondi, saindo de meus pensamentos e piscando os olhos algumas vezes enquanto olhava para a pessoa que me chamou. Era o escriba Wong, a pessoa responsável pelas minhas aulas de protocolo e mapeamento desde que era criança. Um dos melhores escribas entre os quatro reinos vizinhos, incluindo o de Tencai.

― Vossa Alteza estava pensativo e avoado. Cheguei a um tempo e estava a te chamar. ― Colocou alguns livros em cima da mesa a minha frente e depois me encarou.

― Sim, é verdade, estava pensativo.

― Bom, de qualquer maneira, vamos começar nossa aula. Apesar de termos aprendido muita coisa nas outras aulas, ainda há bastante conteúdo. ― Por algum motivo sorriu ao final da frase, talvez para amenizar a importância do comentário.

― Sempre tem. ― Suspirei, por fim, dando permissão para que a aula começasse.

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Flight of Two Kingdoms and One PrinceOnde histórias criam vida. Descubra agora