Capítulo 24

1.6K 87 1
                                    

Liana acordou indisposta.
- O que foi? - indagou Alberto, preocupado com a palidez de seu rosto.
- Não sei. Acho que comi alguma coisa que me fez mal.
- Melhor irmos ver o Dr. Marcílio. Você comeu o mesmo que eu.
Não havia nada pesado.
- Isso não é nada. Vai passar logo.
Ela se levantou e foi ao banheiro lavar-se. Era o primeiro domingo de maio.
Amanhã
estava fresca, agradável. Quando ela se sentou à mesa para o café, Alberto
notou que as
cores haviam voltado a seu rosto e sorriu.
- Sente-se melhor?
- Sim.
- Em todo caso, falaremos com o Dr. Marcílio.
- Não é preciso. Estou muito bem. O cheiro do pão fresco despertou meu
apetite.
Comeu com disposição, porém nos dias que se seguiram ela acordava
sentindo-se enjoada.
Alberto convenceu-a a procurar o médico. Ele a examinou cuidadosamente e
indagou:
- Acorda indisposta, mas logo depois passa?
- É.
- Você está muito bem de saúde. Mas preciso fazer um exame. - Exame? -
estranhou ela.
- Sim. Acho que está grávida.
Liana levantou-se assustada:
- Grávida? Acho que não. Minha menstruação não está atrasada. Marcílio
sorriu e
respondeu:
- Há mulheres muito sensíveis que podem sentir a gravidez no momento da
fertilização do
óvulo.
Liana olhou para Alberto indecisa. Sempre desejara ter filhos, mas, depois
que soubera do
pedido do coronel Firmino para reencarnar através dela, evitara pensar no
assunto.
Alberto abraçou-a emocionado. Ele não tivera filhos do primeiro casamento.
O médico olhou-os com satisfação e esclareceu:
- Compreendo a emoção de vocês. Já presenciei muitos nascimentos, mas o
milagre da vida
sempre me emociona. Você me parece preocupada. Não está feliz?
- Sempre desejei ser mãe. Contudo, nestas circunstâncias, sinto receio.
- Você está muito bem de saúde e na idade boa para ser mãe. Do que tem
medo?
Ela hesitou um pouco e depois respondeu:
- Do coronel Firmino. Será que é ele que vai nascer?
- É cedo para saber - disse o médico.
- Não deve preocupar-se com isso, Liana. Deus sempre faz tudo certo -
interveio Alberto.
- Bem, não pensei que fosse acontecer assim, de repente. Os espíritos
disseram que ele só
nasceria se eu o aceitasse. Nunca sonhei com ele, não me recordo de
havermos conversado
e de haver concordado em ser sua mãe.
- Nesse caso, pode não ser o espírito dele que vai nascer. Não acha, Dr.
Marcílio?
- Pode ser. Entretanto, o mais importante é reconhecer que a vida não erra.
Se ela
programou esse nascimento, tudo está certo e você não deve preocupar-se.
Vamos fazer o
exame e confirmar a gravidez. Depois, é cuidar-se bem e esperar o bebê
com alegria. Isso é
o que importa agora. No caminho de volta para casa, Alberto não escondia o
entusiasmo.
Vendo sua alegria, Liana animou-se.
- Vou telefonar para Eulália. Ela será a primeira a saber.
- Estou pensando na casa. Vamos precisar de mais um quarto. O que acha de
procurarmos
uma maior?
- Não sei. Gosto tanto de nossa casa... Vamos esperar um pouco mais para
decidir.
Eulália vibrou com a notícia!
- Que maravilha! Como se sente?
- Por enquanto bem. Um pouco enjoada de vez em quando. - É natural. Meu
primeiro
sobrinho! Faço questão de comprar um enxoval completo para ele. O mais
lindo que
encontrar.
- Ainda é muito cedo, Eulália.
- Qual nada. O tempo passa depressa.
Alberto quer procurar uma casa maior, mas eu gosto tanto da nossa que
ainda não decidi.
- Você vai precisar de companhia. Eu gostaria de estar a seu lado agora. Por
que não voltam
a morar aqui?
- Nós gostamos da calma do interior. Não nos habituaríamos mais com a
cidade.
- Nesse caso, por que não se mudam para a mansão?
Liana teve um sobressalto:
- Que idéia, Eulália...
- Por que não? É uma casa linda, com conforto. Mesmo que morem lá, há
espaço para nos
acolher quando resolvermos passar férias aí. Além de economizarem o
aluguel, ficariam
mais bem instalados.
- Obrigada, Eulália, mas não podemos aceitar. O que Norberto iria dizer?
- Ficaria muito contente. Em nossas conversas, muitas vezes lamentamos que
uma casa tão
boa, tão bonita, permaneça fechada tanto tempo. Vocês cuidariam bem de
tudo e nos fariam
muito felizes.
- Agradeço, mas você sabe: eu não gostaria de voltar a morar lá, por causa
do espírito do
coronel Firmino. Já pensou se ele me aparecesse de novo?
- Qual nada! Ele já se foi. A casa agora está livre. Converse com Alberto.
Prometa pensar
no assunto.
- Está bem. Direi a ele. Gosto da casa, é linda, mas não me sinto com
coragem de morar lá
de novo.
Assim que desligou o telefone, Liana comentou com Alberto, que disse
apenas:
- A casa é ótima, mas, se você se sente assim, não vamos aceitar. Quero que
se sinta feliz,
alegre. Vamos escrever uma carta a eles agradecendo e pronto.
Não falaram mais no assunto. Nos dias que se seguiram, Liana fez todos os
exames
necessários e o Dr. Marcílio concluiu satisfeito que ela estava muito bem.
No mesmo dia em que soube da novidade, Eulália participou às crianças a
chegada do
sobrinho.
É o espírito do coronel Firmino - afirmou Eurico.
- Como é que você sabe? - interveio Amelinha curiosa.
- Isso mesmo - comentou Eulália. - Ninguém sabe. A natureza tem seus
segredos.
- Claro que é ele. Estava louco para nascer. Pediu muito, chorou.
Agora conseguiu.
- Isso é você que está concluindo - disse Eulália. - Liana não falou nada a esse
respeito.
Portanto é melhor não ficar afirmando isso. Ela pode ficar nervosa se achar
que é o espírito
dele.
- Quem mais pode ser? Ele é que estava querendo... - lembrou Eurico.
- Nem tudo que ele quer pode ter. No lugar onde ele vive agora há disciplina.
Para nascer,
ele precisaria de permissão superior.
- Acha que ele não conseguiu? - perguntou Nico com interesse.
Não sei. É provável que não. Em todo caso, não acho prudente desde já
acreditar que seja
ele.
- Mas e se for? - teimou Eurico.
- Se for, um dia saberemos. Tenho estudado sobre a reencarnação e
aprendido que não
devemos fantasiar sobre o assunto. O espírito que nasce esquece o passado e
isso evita
problemas, ajuda seu progresso. Não quero que falem com Liana sobre isso.
Ela pode ficar
nervosa, e não é bom para sua saúde.
Eles prometeram não comentar com a tia, mas quando se viram sozinhos
Eurico não se
conformou:
- Tenho certeza de que é ele.
- Pensando bem, você pode ter razão - concordou Nico.
- E se for ele, o que faremos? - volveu Amelinha.
- Nada, ora. O que podemos fazer? - respondeu Eurico.
- Se for ele, deve estar do lado dela e você pode ver -lembrou Nico. - É. Mas
eu não quero
ver nada. Eu posso me assustar e dar com a língua nos dentes. Já pensou se tia
Liana passar
mal por causa disso? - A não ser que ela já saiba - aduziu Nico.
- Pelo que mamãe disse, não. Depois, ela não o queria, lembra? tornou
Eurico.
Ela pode ter mudado de idéia. Ter visto como ele está diferente - sugeriu
Nico.
- Mamãe disse que iremos até lá no fim da outra semana. Poderemos
perguntar a ela - disse
Amelinha.
- Eu é que não vou perguntar nada - garantiu Eurico.- Logo agora que tudo
está tão
sossegado.
- Você tem dormido bem. Não me chamou mais durante a noite.
- Eles me deixaram em paz. Não quero que voltem. Mamãe tem razão.
Vamos esquecer esta
história.
- Se for ele, vai aparecer de novo mesmo - concordou Nico.
- Será que ele vai aparecer como nenê? Isto é, se ele for nascer? - perguntou
Amelinha.
- O professor disse que ele pode ser visto como ele era ou como ele vai ser.
Depende.
- Chi!!! Nico, você agora está confundindo minha cabeça - tornou Amelinha.
- Como pode
ser isso?
- Ora, na outra dimensão o tempo é diferente. Quem vê os espíritos está
olhando para a
outra dimensão. Pode ver o que já aconteceu, o que está acontecendo e o que
vai acontecer.
- É isso mesmo - concordou Eurico. - Já aconteceu comigo.
Uma vez eu vi tia Liana como ela era quando foi esposa do coronel.
- Como é isso? - indagou Amelinha.
- Ora, eu olhava para ela, e ela estava com outra cara. Parecia outra pessoa.
Uma vez olhei
para Nico quando ele dormiu do meu lado, e não era ele. Era um moço
bonito, de cabelos
castanhos, e que, engraçado, não estava dormindo. Olhou para mim e sorriu.
Quase morri
de medo! - Como sabe que era eu? Podia ser um espírito que estivesse do
meu lado.
- Não. Naquela hora eu sabia que era você. Não dá para explicar. - Puxa! E
eu? Você nunca
viu como eu era na outra encarnação? - Vi. Você era feia e faladeira. Como
agora. Sempre
dando palpites em tudo.
- É mentira! Não acredito. Você está querendo debochar de mim - reclamou ela chorosa.
- Ele não viu você - disse Nico com voz conciliadora. - Tenho certeza que
você foi uma
moça muito bonita e agradável.
Eurico olhou para eles e disse sério:
- Você deve saber mesmo. Naquele tempo andava sempre agarrado a ela!
Os dois olharam-no admirados.
- Por que está dizendo isso? - perguntou Nico.
- Não sei. De repente pareceu-me vê-Ios adultos e abraçados. - Você sabe
que às vezes eu
também me sinto assim, moço e ao lado de Amelinha? Será que já nos
conhecemos de
outra vida?
- Acho que de tanto andar juntos acabamos por imaginar coisas. - É mesmo.
É melhor
deixar esse assunto de lado. Não vamos poder saber ao certo mesmo -
concluiu Nico, e os
outros dois concordaram.
Quinze dias depois, eles foram passar o fim de semana na mansão. Eulália
estava ansiosa
para ver a irmã. Comprara já algumas coisas para o enxoval do bebê e não
falava em outra
coisa.
Norberto, ao saber a notícia, ficara pensativo. Sentiu receio de descobrir que
havia dentro
de si um pouco do antigo sentimento que nutrira pela cunhada. Mais tarde,
sozinho no
quarto, resolveu analisar melhor o que ia dentro de seu coração.
Ele e Eulália estavam vivendo uma vida feliz. Ela a cada dia revelava-se a
companheira
perfeita. Tendo descoberto o amor, tornara-se ardente, apaixonada, e
Norberto sentia que a
amava mais a cada dia.
Era com ela que ele sentia mais afinidade. Analisando melhor seus
sentimentos, ele se
sentiu aliviado, e todo o receio desapareceu. A gravidez de Liana não
despertara nele
nenhum ciúme ou desagrado. Ao contrário, sentia-se alegre, desejava que
tanto ela como
Alberto encontrassem a felicidade, formando uma família como a que ele
possuía.
Foi, pois, com disposição e prazer que participou da alegria de Eulália,
ouvindo-a discorrer
sobre o que comprara para presentear o futuro sobrinho, elogiando seu bom
gosto.
Pouco depois de chegarem à mansão, Liana e Alberto apareceram para
abraçá-Ios.
O ambiente estava alegre e eles conversavam animadamente.
As crianças estavam entusiasmadas com as roupinhas do bebê que Eulália
levara e faziam
perguntas querendo saber quando ele chegaria, se ele iria dormir no quarto do
casal, como
seria o berço.
Estavam tomando o café da tarde quando Maria informou Nico que seu
irmão o
procurava, muito agitado. Nico atendeu-o imediatamente:
- O que foi, Zé?
- Ainda bem que você veio! O pai teve um ataque e a mãe mandou chamar
você.
Está muito nervosa.
- O pai? O que é que ele tem? É melhor chamar o Dr. Marcílio. - Ele está lá
agora. Acho
melhor você ir comigo lá.
- Eu vou. Espere um pouco.
- Eu vou com você - disse Eurico, que ouvira tudo.
- Eu também quero ir - ajuntou Amelinha.
- Sua mãe não vai deixar. Vou falar com ela.
Nico foi até a sala acompanhado dos outros dois.
- O que foi, Nico? - indagou Eulália.
- O Zé veio me chamar. Meu pai sofreu um ataque e o Dr. Marcílio está lá.
Preciso ir.
- Eu vou com ele! - decidiu Eurico.
- Eu também - tornou Amelinha.
- Não é preciso. O médico está cuidando dele. Pode ser que já esteja bem.
- Vou mandar o motorista levá-lo para ir mais rápido - determinou Norberto.
- Obrigado.
- Vocês dois ficam aqui - resolveu Eulália. - Nico vai sozinho.
O Dr. Marcílio está lá cuidando. Em todo caso, Nico, pode contar com nossa
ajuda. Se
precisar, telefone.
Depois que os dois irmãos saíram, Alberto considerou:
- Fiquei com vontade de ir com eles.
Podemos passar lá quando sairmos - sugeriu Liana.
- Faremos isso.
Ao passarem pela casa de Ernestina, viram o Dr. Marcílio chegando também.
Ficaram
sabendo que Jacinto havia sofrido um derrame, cuja extensão só um exame
especializado
poderia informar. O Dr. Marcílio medicou-o e ficou lá observando a evolução
da doença.
Depois que ele deu ligeiro sinal de melhora, o médico foi até sua casa
apanhar alguns
medicamentos e voltou para reexaminá-lo.
Nico estava conversando com os irmãos na cozinha e aproximou-se de
Alberto e Liana
quando entraram na sala.
- O Dr. Marcílio está tratando dele. Vai ficar bom - disse Liana notando o ar
preocupado do
menino.
- Ele é um grande médico. Vamos confiar - tornou Alberto. - Eu sei disso -
respondeu Nico
- Seus irmãos estão assustados e você inquieto, angustiado. Acalme-se. Sua
mãe vai
precisar de sua ajuda. Como fazer isso se não se acalmar? - lembrou Liana.
- Minha mãe tinha medo que um dia isso fosse acontecer.
- Como assim, Nico? - perguntou Liana.
Ernestina aproximou-se e pediu:
- Nico, vai com as crianças conversar lá fora. - Enquanto o menino obedecia
saindo com os
irmãos, ela se voltou para o casal e continuou:- Vamos sentar, por favor.
- A senhora está ocupada, não queremos incomodar - respondeu Liana.
- Só viemos saber como ele está e dizer que podem contar com nossa ajuda
em tudo que
precisar - completou Alberto.
- Obrigada. Sei que são nossos amigos. O doutor está com o Jacinto e pediu
que eu saísse.
É até bom nessa hora ter com quem conversar.
- Sentem, por favor.
Eles se sentaram e Alberto perguntou:
- Nico disse que a senhora previu que seu marido iria adoecer. Por quê? Ele
já havia tido
alguns sintomas?
Ela fez um gesto vago e respondeu:
Não. Mas eu deduzi que ia acabar assim Veja: ele sempre foi muito forte e
saudável.
Tinha apetite, bons braços, pernas ágeis, mas nunca os usou bem. Não é
pessoa má, mas
nunca foi disposto pra trabalhar. Vivia se encostando, sentado, tudo pra ele era
trabalhoso.
Então eu pensei: Deus dá bons braços e pernas, saúde, força pra gente usar. A
vida é muito
prática e não gosta de coisas inúteis. Tudo na natureza se movimenta,
trabalha, produz.
Pode ver: a água parada apodrece e cria bicho; se você põe gesso na perna
ou no braço,
quando tira, não pode movimentar como antes. Leva tempo, precisa
exercício pra voltar a
ficar bom. Tudo é assim. A vida tem sua linguagem e, quando observamos,
podemos sentir
o que ela vai fazer com as pessoas que não se importam em usar os bens que
ela lhes dá.
Com o Jacinto eu sabia que ele não ia ter bons resultados dessa sua atitude. O
Dr. Marcílio
está lá. O Jacinto acordou, mas não está conseguindo mexer o lado direito do
corpo. O
braço e a perna estão paralisados.
- Mas hoje em dia a medicina está muito adiantada. O Dr. Marcílio é um
médico excelente.
Tenho certeza de que o Sr. Jacinto aos poucos vai melhorar - interveio Liana.
- Com a ajuda de Deus, e eu desejo isso. Mas no fundo do meu coração eu
sinto que vai ser
difícil. Ele sempre gostou de viver parado, a vida está dando a ele o remédio
que ele sempre
pediu.
Ernestina falava com naturalidade e Alberto olhou admirado para Liana, que
comovida
abraçou Ernestina, dizendo:
- Vamos esperar que ele se recupere, porque pode ser justo para ele, mas não
o será para a
senhora, que já luta com tanto trabalho e terá agora de ficar cuidando dele.
- Estou pronta pra fazer o que puder. Ele é meu marido. Tem seus defeitos
assim como eu
os meus, mas, se ele não se recuperar e eu precisar ajudá-Io, farei de
coração. Ele é o pai dos meus filhos e o meu companheiro.
O Dr. Marcílio saiu do quarto e Ernestina voltou-se para ele:
- Como ele está, doutor?
- Na mesma. Amanhã vou conseguir uma ambulância para levá-lo ao
hospital em Ribeirão
Preto para fazer alguns exames. Depois poderei falar melhor sobre o caso.
- Vou ficar ao lado dele.
- Já dei o remédio e ele vai dormir um pouco. Vou explicar-lhe como dar os
medicamentos.
Venha.
Eles foram para o quarto e Alberto comentou:
- Que mulher extraordinária!
- É admirável. Acho que Nico vai querer passar a noite aqui a fim de
confortá-la.
- É possível. Vamos esperar o Dr. Marcílio. Quero me informar melhor sobre
o
caso.
Quando o médico voltou, eles se despediram e saíram juntos. Nico pediu a
Liana que
telefonasse para Eulália e dissesse que ele iria ficar com a família naquela
noite.
Uma vez lá fora, Alberto conversou com Marcílio sobre o estado de Jacinto.
- Sua pressão arterial está descompassada. O processo ainda não se
estabilizou. Não
se pode prever como vai reagir.
- O derrame pode repetir-se? - indagou Alberto.
- Esse é meu receio.
- Nesse caso então seria melhor interná-lo imediatamente?
- Amedicação que ele tomaria no hospital, já lhe apliquei. Removê-lo nesse
estado pode
deixá-lo mais assustado do que já está e provocar exatamente o que desejo
evitar. Amanhã
faremos a internação com calma, sem nenhum prejuízo para ele e a família.
- Nós desejamos ajudar para que ele tenha todo o atendimento necessário.
Norberto também
quer colaborar. Portanto, informe-nos o montante das despesas.
- Deixe comigo. Nada faltará a ele, pode ter certeza. Quanto às despesas,
depois falaremos.
De minha parte tudo farei para que ele seja bem atendido.
Ao chegarem em casa, Liana ligou para Eulália e informou-a sobre a doença
de Jacinto e finalizou:
- Nico pediu-me para avisá-la que vai ficar esta noite com a família. Quer
confortar a mãe e
ajudá-ia. Se tudo correr bem, amanhã ele volta.
- Está bem. Só espero que ele não queira ficar aqui mais tempo. Amanhã
teremos de voltar
para São Paulo. Ele não pode perder aula. Além disso, se ele ficar, Eurico vai
me dar
trabalho. Nunca vi coisa igual. Eles não se largam. Os três. Aonde um vai, os
outros dois
vão.
- É verdade. Nico é muito amoroso e preocupado com a mãe, mas ela tem
bom senso. Não
vai permitir que ele se prejudique por causa da doença do pai. É uma mulher
prática e
inteligente. Olhe, amanhã o Dr. Marcílio vai levar Jacinto a Ribeirão Preto
para fazer
alguns exames. Tenho certeza de que Ernestina vai convencer Nico a voltar
com vocês para
São Paulo.
- Espero que sim. Esse menino já faz parte de nossa família. Às vezes chego
a esquecer que
ele não é nosso filho. Até Norberto costuma conversar com Nico sobre os
assuntos de
família e muitas vezes já o vi fazer as coisas exatamente como ele sugeriu.
Não é
surpreendente?
- Se fosse com outro menino, eu diria que é. Mas Nico é um menino especial.
Sempre
percebi isso. É um líder natural. Os outros dois também acabam fazendo o
que ele diz.
Ainda bem que ele os influencia para melhor. Por isso vocês o estimam.
- De fato. Se depender de nós, ele ficará conosco para sempre. Liana
desligou o telefone e
comentou com o marido:
- Decididamente Nico já conquistou toda a família. Eulália está com medo de
que ele deseje
ficar mais tempo com os pais.
- Amãe não vai permitir. Ela sabe o que quer.
Liana sorriu e meneou a cabeça, concordando. Estava se preparando para
deitar quando disse:
- Sabe, aquela idéia de ir morar na mansão não é tão disparatada assim.
Hoje, quando
estava lá, observei como aquela casa é bonita. Dá gosto ver.
- É verdade. Por mim, não tenho objeção. Você é que não gosta de lá.
- Não sei onde eu estava com a cabeça quando disse isso. Por causa de uma
bobagem eu
estou me privando de ir viver em um lugar espaçoso e bonito como aquele.
Afinal, o
coronel já foi embora e nunca mais voltará. Não foi isso que o Dr. Marcílio
disse?
Alberto, apesar de surpreso, respondeu:
- Foi.
- Há um quarto que pode ser muito bem adaptado para nosso bebê.
Fica logo ao lado do quarto de hóspedes, que seria nosso se nos mudássemos
para lá.
- Pelo jeito você esteve pensando nisso.
- É. Hoje me senti bem naquela casa. Acho que as más influências foram
embora.
- Ainda bem. Finalmente você se sente livre. Isso é o que importa. Às sete da
manhã
seguinte, a ambulância chegou para buscar Jacinto, e Ernestina queria
acompanhar o
marido.
Vou ver se a Dona Ana pode tomar conta das crianças até eu voltar.
- Pode ir, mãe. Eu fico aqui com eles.
- Você precisa voltar para a mansão, Nico. Dona Eulália está esperando.
- Não agora. Você vai e eu fico com eles. A Dona Ana tem muitos filhos e o
marido dela é
abusado, vai ficar brigando com ela. Deixa que eu fico.
- Está bem. Não sei quanto tempo seu pai vai ficar lá. Mas, se ele estiver
bem, eu volto e
você poderá ir.
- Eu quero ficar com você. Sei que vai precisar de mim. Ernestina passou a
mão de leve na
cabeça do filho:
- Nada disso. Acha que não sou suficiente para tomar conta da minha
família? Você não
pode perder aula. Seu pai está bem assistido. O Dr. Marcílio vai fazer tudo,
que puder por
ele. Depois, tem o professor Alberto. Ele também vai nos ajudar.
É meu pai, é minha família. Eu é que tenho que ficar.
- Vamos fazer os exames e seu pai vai ficar bem. Você vai poder voltar pra
São Paulo.
- E se ele piorar e eu estiver longe?
- Se ele piorar e eu precisar de você, telefono chamando.
- Promete?
- Prometo. Agora tenho que ir. A ambulância já vai sair. Depois que eles se
foram, Nico
chamou José.
- Senta aí. Precisamos conversar.
- Acha que o pai vai morrer?
- Não sei. Mas você é o filho mais velho. Se o pai está doente, é você quem
tem que cuidar
da família.
- Eu?! Amãe nunca me dá ouvidos. Ela só fala no queridinho dela, que é
você. Agora que
as coisas estão complicando, eu é que tenho que pagar o pato?
Nico levantou-se e aproximando-se do irmão olhou-o firme nos olhos e disse
sério:
- Você já fez treze anos. O que quer da vida? Acha que vai levar tudo assim,
jogando bola,
sem estudar nem trabalhar? Está na hora de começar a ajudar a mãe e a sua
família. Viu o
que aconteceu com o pai?
- Vi. Mas não foi por minha causa.
- Não? Eu ouvi a mãe falando que o pai ficou doente porque vivia muito
parado.
- Isso é bobagem. Ele teve um derrame.
- Mas ficou sem poder mexer o braço e a perna. Se não melhorar, não vai
mais poder andar.
Já pensou nisso?
José baixou a cabeça e não respondeu, Nico continuou:
- Amãe está certa. Se você observar, tudo se movimenta na natureza. E é isso
que garante a
vida. A água corre para o rio, o rio corre para o mar, o sol nasce e se põe, até
a Terra gira
em volta do sol. O vento movimenta as árvores, tudo se move. Quem fica
parado emperra.
Já pensou se o sol resolvesse parar e não voltar no outro dia? Se as águas não
corressem
para os rios e o sol, parado no céu, secasse tudo? Em pouco tempo todos nós morreríamos.
A vida se sustenta porque cada coisa, cada ser vivo, cada pessoa faz a sua
parte. Você
recebeu de Deus o dom da vida, precisa fazer a sua parte, contribuir para que
a vida seja
melhor a cada dia e tudo continue existindo. Esse é o preço que você tem que
pagar por
estar vivo. José olhou o irmão admirado. Nunca havia pensado nisso. Não se
deu por
achado:
- Eu não pedi pra viver. Deus me fez nascer porque quis.
- Mas você nasceu, está vivo e com saúde. O que você fez em favor da vida?
- Que idéia! Não preciso fazer nada. Eu quero viver, fazer o que eu gosto.
Não sou como
você, que vive puxando o saco dos outros.
- Mas enquanto eu estou estudando, me preparando para viver melhor, você
está a cada dia
mais preguiçoso. Não ajuda a mãe, não estuda, não trabalha. Como pensa
que será a sua
vida quando crescer?
- Quando chegar a hora vou pensar nisso. Agora sou criança.
- Quando for grande, vai ter que pegar o cabo de enxada se quiser comer. Por
enquanto a
mãe trabalha e você tem comida todos os dias. Mas, quando ela ficar velha e
você tiver que
comprar a própria comida, como vai fazer isso?
- Você sempre foi o queridinho dela. Eu sempre fui rejeitado. Você aparece
aqui vestido
como gente rica, mora na cidade, anda de carro, e ainda se dá o luxo de me
chamar de
preguiçoso?
Nico colocou as mãos nos ombros do irmão e sacudiu-o com força: - Viu o
que está
fazendo com você? Você nunca foi rejeitado por ninguém. O que a mãe me
ensinou
também ensinou a você. Só que eu ouvi os conselhos dela, e você não. Não
foi ela quem
rejeitou você, foi você quem rejeitou o amor e os conselhos dela. Agora fica
dando uma de
coitado, mas eu sei que você não é nada disso, que é um menino inteligente,
que tem saúde, que se quisesse poderia ser muito mais do que eu e conseguir tudo que
precisasse para
progredir na vida. Mas prefere dar-se ares de superioridade, de revoltado,
não obedece à
mãe, não ajuda, não faz nada. Acha que está se beneficiando com isso? Acha
que está
lucrando? Não, você está se enterrando, se acabando, se tornando um
vagabundo. É isso
que quer?
José sacudiu o corpo e escapou dele, dizendo:
- Me deixa em paz. Você não manda em mim. O pai fala que eu sou criança
para pensar na
vida, que quem é esperto não precisa se matar de trabalhar pra viver.
- Você dá ouvidos ao que ele fala e vai acabar como ele, vivendo às custas da
mulher e
entravado em uma cama. É isso que quer?
- Não fica agourando. Você não tem nada com a minha vida. Dizendo isso,
saiu. Nilce, que
observava da porta, aproximou-se: - Você está perdendo tempo. Amãe dá
tantos conselhos
a ele, mas nunca ouve. Esse não tem jeito mesmo.
- Apesar de tudo, ele é um menino inteligente. Um dia vai compreender e
mudar.
- Amãe também fala isso. Mas eu duvido. Vem tomar café, Nico.
Eu fiz e tem bolo de milho. O Jaime e a Neusinha já comeram.
- E o Zé?
- Deve estar no quarto. Vou chamar.
Pouco depois ela voltou admirada.
- Ele saiu. Não está em nenhum lugar. Ele é sempre o primeiro a tomar café.
Saiu sem
comer. Aonde terá ido?
- Foi esfriar a cabeça, mas volta logo, ainda mais que não tomou café. Vamos
nós.
Abraçando a irmã, Nico conduziu-a para a cozinha e sentou-se esperando que
ela colocasse
o bule na mesa. Felizmente Nilce estava crescida e tinha boa disposição para
ajudar a mãe
nos trabalhos da casa.
Se seu pai estivesse melhor, ele poderia voltar para São Paulo na tarde
daquele mesmo dia.
No fim da tarde, Ernestina voltou informando que o marido ficara internado para mais
alguns exames, mas que o estado dele havia estabilizado, o que afastava
temporariamente a
possibilidade de repetição do derrame. Assim, Nico podia voltar para São
Paulo com Dona
Eulália.
Ele concordou, um pouco hesitante, mas Ernestina insistiu e ele finalmente
aceitou ir.
Entretanto, antes de ir embora, aproveitou quando todos estavam tomando um
lanche na
cozinha e disse:
- Eu vou, mas, agora que o pai não está, o Zé é que tem que tomar conta da
família. É o
homem da casa.
Todos o olharam admirados. Ernestina olhou para Nico depois para José, e
respondeu com
voz calma:
- Ainda bem que Deus não me deixou sozinha nesta hora. É bom ter um
homem dentro de
casa pra me apoiar.
José estremeceu, endireitou o corpo, levantando a cabeça, mas não disse
nada. Ernestina
continuou tranqüilamente tomando seu café, conversando com os filhos com
naturalidade.
Quando acabaram, Nico beijou as crianças e despediu-se da mãe, fazendo-a
prometer que o
chamaria se precisasse dele. Ao sair, disse para José:
- Eu gostaria de ficar, mas não posso. Confio que você vai ajudá-los mais do
que eu. Vamos
rezar para que o pai sare logo.
José não disse nada, e Nico apressou-se em ir para a mansão. Eulália havia
mandado avisar
que partiriam às seis, e ele teria tempo apenas de arrumar suas coisas para a
viagem de
volta.

Quando Chega a HoraOnde histórias criam vida. Descubra agora