Capítulo 18

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Eulália acordou sobressaltada e olhou em volta. Estava sozinha. Norberto não
estava no
quarto, nem Hilda. Apressou-se em descer as escadas. Sentia o corpo doer,
certamente por
haver passado a noite na cadeira. O dia já havia amanhecido e o cheiro do
café indicava que
os empregados já haviam levantado. Preocupada, foi à cozinha, onde
encontrou Hilda.
- Bom dia, Hilda. Não a vi sair do quarto.
- Eu acordei e resolvi fazer um café. Maria não veio ainda. É muito cedo.
- Você viu Norberto?
- Quando saí do quarto, ainda dormia. Ele não está lá?
- Não. Aonde terá ido?
- Não sei.
- Vou procurá-lo lá em cima. Procure-o aqui embaixo.
Eulália subiu novamente as escadas com o coração batendo forte. Ao passar
pelo quarto de
Eurico, verificou que a porta ainda estava fechada à chave.
- Ainda bem - pensou. - Aqui ele não entrou.
Foi para o quarto do casal e verificou que a porta do banheiro estava fechada.
Ouvia-se
perfeitamente o barulho da água da torneira. Respirou aliviada. Só podia ser
ele se lavando.
Olhou-se no espelho da penteadeira e não gostou do que viu. Estava pálida,
seu cabelo em
desalinho. Tratou de arrumar-se. Foi até o banheiro do corredor, lavou-se,
penteou-se e
voltou ao quarto. Norberto estava diante do guarda-roupas escolhendo algo
para vestir.
- Bom dia, Norberto - disse ela procurando controlar-se. Não queria que ele
percebesse seu
nervosismo.
- Bom dia - respondeu ele com naturalidade.
- Sente-se melhor?
Ele olhou para ela admirado.
- Estou bem. Por que pergunta?
- Ontem você teve uma crise de nervos e sentiu-se mal. Sacudiu Eurico com
tanta força que
precisei intervir.
Aquele menino me tira dei sério. É preciso ser firme com ele. Estou
cansado de
deixá-lo fazer tudo o que quer.
Eulália sentiu sua preocupação aumentar. Nunca Norberto tivera uma atitude
como aquela.
Sempre fora afável e cordato. Dava-lhe liberdade para educar as crianças
conforme ela
quisesse.
- Deixe-o por minha conta. Sei como lidar com ele.
- Tenho minhas dúvidas. Acha bom colocar aquele menino controlador do
lado dele?
- Nico? Ele tem sido uma bênção para Eurico. Graças a ele nosso filho
melhorou muito.
- Teria melhorado de qualquer jeito. Para isso ele mudou de clima. Se ele não
me obedecer
e continuar a fazer essa chantagem, mandarei Nico embora.
Eulália sentiu um aperto no peito. Norberto falava com voz dura, muito
diferente do que
costumava. Era evidente que ele não estava em seu estado normal. Resolveu
não o
contrariar e respondeu:
- Você é quem sabe. Eu marquei hoje uma consulta com o Dr. Caldas para
você. Temos de
ir a São Paulo. Pedi a Tonico para dirigir o carro, não quero que você se
canse.
- Não vou a lugar nenhum. Estou muito bem. Não preciso de consulta
nenhuma. Pode
desmarcar. Quem deveria ir é Liana. Essa, sim, eu quero levar a Caldas.
Eulália tentou contemporizar:
- Ela está casada. Não podemos interferir na vida dela. Depois, ela não quer
ir ao Dr.
Caldas. Está se tratando com o Dr. Marcílio.
- Aquele curandeiro. Não vou permitir que continue tratando dela.
- Calma, Norberto. Não temos como a obrigar a ir conosco para São Paulo.
- Pensando melhor, não precisa desmarcar a consulta. Passarei na casa de
Liana e ela irá
comigo ver Caldas. Você fica aqui com as crianças, Eulália.
- Não quero que interfira na vida de Liana. Ela escolheu o próprio caminho.
Você não está
bem e eu vou levá-Io ao médico hoje.
Norberto aproximou-se dela e olhando-a nos olhos disse com raiva:
Não se meta entre nós! Meu compromisso é com Liana. É ela que eu quero.
Tenho de tirá-
Ia daquele traidor.
Eulália abriu a boca e fechou-a de novo, sem saber o que dizer. O marido
estava fora de si.
Sentiu medo. Ele lhe parecia outra pessoa. Norberto havia enlouquecido. O
que fazer
sozinha com ele e as crianças naquela casa? Eles poderiam estar correndo
sérios riscos.
Repugnava-lhe pedir ajuda aos empregados. Pensou em ligar para o Dr.
Caldas e pedir-lhe
que viesse imediatamente. Pagaria o que ele pedisse. Enquanto isso, tentaria
acalmá-Io.
- Está certo - disse ela. - Farei como você quiser. Não precisa ficar zangado.
- Melhor assim. Não tenho nada contra você ainda. Não se meta, e ficará
fora disto.
- Está bem. O café está pronto. Quer que eu traga a bandeja aqui? - Por quê?
Vou tomá-Io
na copa.
Eulália concordou, embora preferisse que ele não deixasse o quarto.
Precisava telefonar ao médico sem que ele percebesse.
- Vou descer e ver se está tudo em ordem.
Ela desceu enquanto ele acabava de vestir-se. As empregadas já estavam na
cozinha e ela
fez um sinal para Hilda. Quando ela se aproximou, disse nervosa:
- Hilda, ele não está bem. Não está falando coisa com coisa. Parece outra
pessoa. Quer ir
pegar Liana e levá-Ia para São Paulo. Está fora de si. Preciso de sua ajuda.
Você tem de
ligar para o Dr. Caldas, sem que ele perceba, e contar-lhe o que está
acontecendo. Peça-lhe
para vir imediatamente. Pagarei o que ele quiser.
- Está bem. - Vendo que Norberto descia as escadas, continuou em voz alta: -
Sim, senhora.
Já mandei colocar tudo no lugar. Posso servir o café agora?
- Pode, Hilda.
- As crianças ainda não acordaram.
- Deixe-as dormir mais um pouco - respondeu Eulália. - Ainda é muito cedo.
A aula é às
nove.
Hilda concordou e voltou à cozinha, enquanto Eulália se sentava com o marido na copa.
Enquanto Maria colocava os bules na mesa, Eulália levantou-se, foi à cozinha
e aproximou-
se de Hilda, dizendo-lhe baixinho:
- Não os deixe sair do quarto. Leve-Ihes o café lá. Diga-Ihes para manter a
porta fechada à
chave.
Hilda assentiu com.a cabeça e Eulália voltou à mesa, olhando preocupada
para o marido.
Não queria que ele percebesse o que ela estava tentando fazer. Ele comia em
silêncio, olhos
fixos em um ponto distante, alheio ao que acontecia à sua volta.
Ela respirou aliviada. Precisava distraí-Io enquanto o médico não chegasse.
Na melhor das
hipóteses ele demoraria de cinco a seis horas para chegar. Ia ser difícil. Se
Norberto tivesse
alguma crise, não sabia como agir.
Depois do café, Norberto sentou-se na sala, apático. Hilda fez sinal para
Eulália,
chamando-a para o jardim. Disse-lhe preocupada:
- Dona Eulália, o Dr. Norberto está muito mal. Precisamos fazer alguma
coisa.
- Telefonou para o Dr. Caldas?
- Telefonei. Ele não estava.
- Ligou para a casa dele?
- Sim. Falei com sua esposa. Ela me disse que ele teve um chamado de
urgência e saiu
ainda de madrugada. Há um cliente dele passando muito mal. Talvez ele não
volte logo.
- Deixou o recado para quando ele voltasse?
- Deixei. Expliquei o que está acontecendo. Ela sugeriu que chamássemos
outro médico.
Acha perigoso esperar. Estamos longe da capital. Mesmo que ele saia logo,
até chegar aqui
vai demorar muito. Temos crianças em casa.
Eulália juntou as mãos, apertando-as nervosamente.
- Meu Deus! O que vai nos acontecer?
- Se eu fosse a senhora, chamaria o Dr. Marcílio mesmo. Ele nos socorrerá
até o Dr. Caldas
chegar. Pode dar algum calmante para ele. - Não posso fazer isso depois de
tudo que aconteceu.
- Não temos outra saída. Se o Dr. Norberto tiver outra crise de loucura, o que
faremos?
- Nem me fale uma coisa dessas! Podemos mandar Tonico a Ribeirão Preto.
Lá há
bons médicos.
- Ele demoraria pelo menos duas horas. Não conhecemos ninguém lá. Mande
buscar
o Dr. Marcílio mesmo.
- Ele pode não querer nos atender.
- É um médico, não fará isso. Depois, apesar de tudo, tenho ouvido falar
muito bem
dele. Salvou a vida de muita gente por aqui.
- Vamos ver. Pode ser que Norberto fique calmo. Vamos esperar. - A
professora já está
tomando café. Vamos suspender a aula de hoje? De onde estava, Eulália via
Norberto
sentado na sala. Lançando um olhar para ele, decidiu:
- Melhor irem para aula como sempre. Se suspendermos, eles ficarão soltos
pela casa. Não
acho isso aconselhável. Vamos mantê-Ios ocupados.
Hilda saiu e Eulália entrou. Estava resolvida a esperar. Se notasse qualquer
agitação
nele, mandaria chamar o Dr. Marcílio.
Suspirou angustiada. Não lhe restava outra saída. Voltou à sala. Apanhou uma
revista, sentou-se no sofá e começou a folheá-la, fingindo interesse. Mas
estava observando
o marido atentamente.
As crianças acordaram, tomaram o café no quarto e foram avisadas que
deveriam descer
para a aula. Eurico não estava querendo ir, mas Nico conseguiu convencê-Io:
- Não acho bom provocar seu pai agora. Já pensou se ele fica nervoso e volta
com o coronel
Firmino?
- Nem fale uma coisa dessas! - disse Eurico, nervoso.
- Eu tenho medo dele! - tornou Amelinha.
- Não precisa. Ele não vai nos fazer nada. Estou pensando uma coisa...
- O que foi, Nico? - indagou Eurico
- Tenho que avisar o professor. Ele entende de alma do outro mundo.
- Não quero que você saia hoje. Já pensou se o coronel aparece de novo? -
retrucou Eurico.
Vou e volto logo. Temos que tomar uma providência.
- Como você vai fazer isso? Minha mãe não vai gostar de você perder aula.
- Ela só vai saber se vocês contarem.
- Eu não conto - prometeu Amelinha.
- Eu também não. Mas e a professora?
- Deixe-a comigo.
- Vai contar para ela? - perguntou Eurico.
- Não. Ela não vai acreditar. Vou dar um jeito. Vocês vão ver. Uma vez na
sala de aula,
depois de cumprimentarem a professora,
Nico aproximou-se dela dizendo:
- Dona Melissa, pode me fazer um favor?
- Depende. O que é?
- Tenho que ir até minha casa agora. Hoje a senhora vai conferir aquele
trabalho, e eu
deixei o caderno na casa da minha mãe.
- Você pega à tarde. Eu vejo amanhã.
Nico não se deu por achado:
- Fiz com tanto capricho! Ficou tão bom! Eu quis mostrar para minha mãe e
esqueci lá.
- Deveria ser mais atento. Vamos à nossa aula de história. Vou repetir o ponto
que dei.
- Oba! - fez Amelinha. - Eu gostei muito daquela história.
- Dona Melissa - tornou Nico -, eu sei essa história na ponta da língua.
Enquanto a senhora dá essa aula, eu vou até em casa, pego o caderno e volto.
Quando
acabar, já estarei aqui.
- Não acredito que já saiba tudo.
- Eu sei. A senhora pode perguntar.
- Você é insistente. Já vi que está querendo mesmo ir até lá. Confesse que está
com saudade
de sua mãe!
- Um pouco.
- Está bem, Nico. Peça a Dona Eulália. Se ela deixar, eu deixo. Nico sentou-
se desanimado.
- Eu desisto. Ela não vai deixar.
- Quer que eu o deixe sair e não conte a ela? Não posso fazer isso. Nico olhou
para os
amigos com tristeza. Depois decidiu:
- Está bem. Vou pedir a ela.
Saiu e Hilda segurou-o pelo braço.
Aonde vai?
- Falar com Dona Eulália.
- Agora não. Ela está com o Dr. Norberto na sala. É melhor voltar para a
aula.
Nico não se conformou:
- Sabe o que é? Eu esqueci o meu caderno com o trabalho para hoje lá na
casa da
minha mãe. Dona Melissa disse que deixa eu ir até lá buscar se a Dona
Eulália concordar.
- Não precisa incomodá-Ia para isso. Pode ir. Eu deixo. Diga à professora que
eu
assumo a responsabilidade por isso.
Nico voltou radiante, deu o recado e saiu pelos fundos para não ser visto por
Norberto. Foi
o mais rápido que pôde. Chegou eufórico à casa do professor. Gislene abriu a
porta,
convidando-o a entrar.
- Preciso falar com o professor. É urgente.
Antes que ela fosse dar o recado, Alberto apareceu na sala:
- O que foi, Nico? Aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu, professor. O Dr. Norberto ficou nervoso com o Eurico e sacudiu
ele
com força. Parecia louco. Então o Eurico viu que o coronel Firmino estava no
lugar dele.
Alberto suspirou preocupado. O que ele temia acontecera.
- Conte-me tudo com detalhes. Não esqueça nada.
Nico contou e finalizou:
- Quando eu saí, a Dona Eulália estava vigiando ele na sala. Ele parecia outra
pessoa. Estava calado, cara esquisita. Lá na mansão todo mundo está com
medo dele. A
Liana está melhor?
- Está, Nico. Agora está. Ele veio aqui e agrediu-a também. Queria levá-Ia
com ele.
- Cruz credo!
- Agora não posso sair daqui. Tenho de ficar do lado dela. Ele pode voltar.
- O que vamos fazer? Faço força para mostrar coragem perto do Eurico e da
Amelinha, mas
tem hora que fico com medo. Ele é muito perigoso e tem força.
- Não precisa ter medo. Ele só tem força com as pessoas que não têm fé e
que não se ligam
com Deus. Nós temos proteção. Só precisamos estar atentos. Ouça bem. Vou conversar
com o Dr. Marcílio. Ele tem uma sessão espírita com pessoas que entendem
dessas coisas.
Conta com a ajuda de muitos espíritos superiores. Precisamos ficar firmes na
fé. Se
acontecer alguma coisa, se o coronel Firmino voltar a ameaçar vocês, reze.
Peça a ajuda de
Jesus. Ele os protegerá. O bem é mais forte que o mal.
- Se ao menos a Dona Eulália acreditasse! Ela estava tão abatida...
Não sabe o que fazer.
- Vamos ajudar, Nico. Fale com as crianças e procurem ficar longe de
Norberto. Vão para o
jardim, fechem-se no quarto, mas não se aproximem dele.
- Está bem. Agora tenho que ir. Prometi à professora estar de volta logo.
- Vá, Nico. Deus o acompanhe. Obrigado por ter vindo me avisar.
Depois que o menino saiu, Alberto foi para o escritório, apanhou o telefone e
ligou para o
Dr. Marcílio contando-lhe a visita de Nico. Finalizou:
- Precisamos fazer alguma coisa para ajudá-Ios. O que o senhor me
aconselha?
- Prece. Faça prece e continue vigilante. Ele está com idéia fixa em Liana.
Não se afaste
dela por nada. Conserve as portas da casa trancadas. Vou reunir os médiuns e
pedir
orientação. Qualquer coisa, comunique-me. Eu farei o mesmo.
Depois de desligar o .telefone, Alberto foi ao quarto ver Liana. Ela estava
dormindo. O
médico dera-lhe um relaxante. Aproximou-se da cama, curvou-se e alisou o
rosto dela com
carinho. Estava pálida. Ele se comoveu.
Estava ali para protegê-Ia. Não deixaria ninguém lhe fazer nenhum mal.
Sentou-se ao lado
da cama, segurou a mão dela e levou-as aos lábios, beijando-a com
delicadeza.
Liana abriu os olhos e, vendo-o, sorriu. Acanhado, ele largou sua mão, mas
ela se remexeu
na cama, procurou a mão dele, segurou-a e fechou os olhos novamente.
Alberto sentiu um calor brando invadir-lhe o peito. Ela confiava nele e sentia
prazer ao seu
contato. Era muito bom sentir esse aconchego.
Nico voltou à mansão, entrou na casa e apanhou o caderno de que precisava.
Desceu, pediu
licença e entrou na sala de aula. Enquanto a professora retomava o assunto,
Nico fez
pequeno sinal afirmativo com a cabeça para os outros dois.
Assim que a aula acabou, eles foram ao jardim e Eurico perguntou: - E
então?
- Falei com o professor. Ele pediu para ficarmos o mais longe possível do Dr.
Norberto,
pelo menos enquanto o coronel estiver com ele. Disse também para não
termos medo, para
rezarmos, que os espíritos superiores iam nos ajudar. O Dr. Marcílio fala com
eles e ia
pedir para virem aqui. - Puxa! Como serão esses espíritos superiores? -
perguntou
Amelinha.
- Só fazem o bem. Trabalham para Jesus - esclareceu Nico. - Eles são anjos?
- retrucou ela.
- São pessoas - interveio Eurico. - Aquela mulher que sempre aparece para
buscar o coronel
Firmino quando ele está me assustando deve ser um espírito desses. Ela é tão
bonita!
Quando a vejo, eu me acalmo e perco o medo. Às vezes ela sorri para mim.
- Puxa! Que sorte a sua! - exclamou Nico. - Bem que eu gostaria de ver esses
espíritos.
- Pois eu não. Se pudesse, trocava com você. Aí eu ia ver se está falando a
verdade, se não
tem medo mesmo.
- Essas almas não têm poder nenhum. Todo poder vem de Deus.
Como eu estou com Deus, não tenho nada a temer.
Hilda chamou-os para o almoço. Querendo afastar-se de Norberto, eles
pediram para fazer
o prato e comer na mesa do caramanchão. Hilda conversou com Eulália, que
achou até
bom, uma vez que Norberto continuava na sala, calado.
Angustiada, ela não o deixava só nem por um instante, com medo de que ele
tivesse alguma
crise. Almoçaram os dois em silêncio e depois ele se sentou novamente na
sala, olhando de
vez em quando para o relógio.
Quando o carrilhão da sala bateu duas vezes, ele se levantou dizendo: - Tenho
de ir. Mande tirar o carro.
- Aonde você vai?
- A São Paulo. Não temos uma consulta para Liana às cinco? Eulália tentou
contemporizar:
- Não. Terá de ficar para outro dia. Infelizmente o Dr. Caldas viajou e não
poderá nos
atender hoje.
- Não importa. Vou levá-Ia de volta a São Paulo. Lá esperaremos por ele.
Eulália aproximou-se dele, dizendo preocupada:
- Você não pode fazer isso! Ela não quer ir. O marido dela não vai deixar!
Os olhos de Norberto brilharam rancorosos. Ele disse com raiva:
- Pouco me importa o que esse impostor quer. Ela é minha, entendeu?
Ninguém a tira de
mim!
Eulália empalideceu e não soube o que dizer. Ele continuou:
- Ela é minha! Está na hora de ir buscá-Ia e de ficar a meu lado para sempre.
Nosso amor é
mais forte que tudo!
- Você está fora de si, não pode sair desse jeito! Meus Deus! Ele está
enlouquecendo!
- Não se meta em minha vida. Chega! Saia de meu caminho. - Espere um
pouco. Não saia
desse jeito!
- Não tente me impedir. Nada vai me fazer desistir agora. Custou muito para
conseguir
chegar até aqui.
Empurrando-a com força, Norberto saiu e Eulália, apavorada, foi atrás dele
chamando por
Hilda, que apareceu em seguida.
- Chame o Dr. Marcílio. Peça-lhe que venha imediatamente. Norberto entrou
no carro que
se encontrava na garagem e deu a partida. Eulália ainda tentou impedi-Io,
mas não
conseguiu. Vendo o carro arrancar e sair pelo portão principal, em pranto
correu para casa.
Vendo Hilda ao telefone, perguntou:
- É o Dr. Marcílio?
Hilda fez que sim com a cabeça e ela apanhou o telefone, dizendo:
- Dr. Marcílio, é Eulália. Ajude-nos, pelo amor de Deus. Meu marido
enlouqueceu de
repente. Saiu com o carro e não consegui segurá-Io. Disse que vai tirar Liana de casa e
levá-Ia com ele para São Paulo.
- Acalme-se, Dona Eulália. Vou imediatamente à casa de Liana avisá-Ios. Se
sabe rezar,
reze. É o melhor que tem a fazer agora.
- Rezar? Quero que o senhor encontre Norberto e lhe aplique uma injeção
para fazê-Io
dormir. Depois trataremos da saúde dele.
- Sei como agir em casos como o dele. A oração terá o dom de ajudá-Ia a
acalmar-se. A fé é
alimento da alma. A oração é um santo remédio.
- Está bem. Não temos tempo agora. Vá procurá-Io, por favor. Depois que o
médico
desligou, Eulália disse com voz desconsolada: - Ele me mandou rezar! Onde
já se viu um
médico como esse? Como podemos confiar nele?
- Pois eu acho que foi um sábio conselho. Sou pessoa de fé. Acredito que,
quando não
podemos fazer nada para resolver nossos problemas, Deus pode. Depois,
Dona Eulália, a
senhora está muito nervosa. A oração faz bem e tem o dom de acalmar.
Eulália andava de um lado a outro inquieta. Depois resolveu:
- Vamos até lá ver o que está acontecendo. Não podemos ficar aqui
esperando. Vai ser um
escândalo. Ele vai querer tirá-Ia pela força e é claro que o professor não vai
deixar. Meu
Deus, o que pode acontecer ainda?
- É melhor ficar aqui, Dona Eulália. Não vai acontecer nada. O Dr. Marcílio
vai cuidar de
tudo. Ele deve saber como lidar com um caso desses. Vai ver que logo estará
de volta
trazendo o Dr. Norberto.
- Não sei. Tenho medo. Nunca vi Norberto desse jeito. Está fora de si. Seus
olhos pareciam
de um louco!
- Não diga isso, Dona Eulália. Calma. Vamos esperar.
- Não. Mande Tonico tirar meu carro e vamos até lá. Pediremos a Melissa
que faça
companhia às crianças.
Marcílio chegou à casa de Liana acompanhado de Adélia e mais dois
médiuns que participavam das sessões espíritas em sua casa. Alberto fê-los entrar, e
Marcílio tornou:
- Prepare-se. Norberto vem vindo novamente. Eulália ligou-me pedindo
ajuda. Ele saiu
como louco dizendo que vinha buscar Liana para levá-Ia com ele a São
Paulo. Não tenho
dúvida de que o espírito do coronel Firmino o está dominando. Como está
Liana?
- No quarto. Ainda se sente fraca - respondeu Alberto.
- Vamos nos preparar para recebê-lo. Você, Alberto, vá para o quarto de
Liana, tome a mão
dela, fique em oração. Se ela acordar, diga-lhe que não tenha medo de nada.
Nós estamos
cuidando de tudo.
Enquanto Alberto obedecia, ele disse para Gislene:
- Ponha sobre a mesa aquele vaso com flores e uma jarra com água.
Fique observando da janela. Quando o Dr. Norberto chegar, avise-nos.
Depois ele se sentou ao redor da mesa em companhia de Adélia e dos outros
dois e
pediu:
- Vamos nos ligar com nossos guias espirituais e pedir proteção para Liana e o
coronel.
Cada um cerrou os olhos e começou a orar em silêncio. Passaram alguns
minutos quando
Gislene avisou:
- Parou um carro aqui. É ele. Está descendo.
Norberto bateu na porta, dizendo com voz calma:
- Liana, abra. Precisamos conversar.
Ninguém respondeu. Ele continuou:
- Não tenha medo, Liana. Só quero seu bem. Abra a porta. Sei que está
doente e precisando
de ajuda! Vamos, abra.
Durante alguns minutos ele tentou, enquanto os três ao redor da mesa oravam
em silêncio.
Por fim, Marcílio abriu os olhos e pediu a Gislene:
- Abra a porta e deixe-o entrar.
Ela olhou assustada para ele, mas, apesar de estar trêmula, obedeceu.
Abriu a porta e ele entrou rapidamente, dizendo:
- Vá chamar Liana imediatamente.
- Ela está dormindo.
- Acorde-a. Estarei esperando.
Gislene saiu da sala e então foi que Norberto viu os quatro sentados ao redor
da mesa na
sala de jantar. Estremeceu, olhando-os assustado. Depois gritou:
- O que estão fazendo aqui, tramando contra mim? Saiam de meu caminho se
não quiserem
ser esmagados por minha raiva. Sei como acabar com todos vocês.
- Você não tem esse poder, coronel Firmino - disse Marcílio com voz firme.
- Quem me desafia? Não sabe que eu mando e todos me obedecem?
- Quando você estava na carne, gostava de mandar em todo mundo. Mas esse
tempo
acabou. Seu corpo morreu e você não passa de um fantasma sofrido e
solitário.
- Não é verdade. Você está querendo me iludir para atrapalhar meus planos.
Pensa que não
sei?
Algumas pancadas na porta da frente fizeram-no estremecer. Marcílio
levantou-se e foi
abrir. Vendo Eulália e Hilda, fez-Ihes sinal para que entrassem.
- Vi o carro de Norberto - explicou Eulália.
Marcílio fez-lhe sinal para que se calasse, tomou-as pelo braço e conduziu-as
até a sala de
jantar indicando as cadeiras para que se sentassem. As duas deixaram-se
cair, olhando
assustadas para Norberto e os dois em volta da mesa sem entender nada.
Marcílio, voltando-se rara Norberto, tornou:
- Você está enganado. Só queremos ajudá-Io. Não está cansado de tantos
anos de
sofrimento? Por que teima em querer voltar ao passado, se ele já acabou faz
tempo? Não
percebe quanto tempo está perdendo?
- Chega de conversa fiada. Onde está Liana? Ela é minha e tem de me
obedecer!
- Ela é livre. Aquele tempo acabou. Hoje ela é casada com outra pessoa.
- Isso não vale nada. Ela é minha mulher! Custei a encontrá-Ia. Não vou
perdê-Ia de novo.
Marcílio levantou-se e aproximou-se de Norberto, que em pé a um canto da
sala, olhos
fixos em um ponto indefinido, continuava mergulhado em sua obstinação, e
colocou sua
mão direita sobre a cabeça dele, que estremeceu e começou a gritar
enfurecido:
Saia daqui. Vá embora. Não se meta em minha vida. Você não vai
conseguir nada. Sou
mais forte do que você e do que todos os seus asseclas.
Marcílio continuou orando em silêncio com a mão colocada sobre a nuca de
Norberto.
Depois foi até Felipe, um dos moços que estava sentado ao redor da mesa, e
colocou a mão
sobre a nuca dele, continuando em oração.
Alguns segundos depois o corpo de Norberto amoleceu e ele caiu ao chão,
enquanto o rapaz
na mesa agitava-se exclamando:
- O que está fazendo? Que truque é esse? Está tirando minhas forças! Você
vai me pagar!
Eulália levantou-se para socorrer o marido, mas um gesto enérgico de
Marcílio a deteve.
- Fique onde está! Ajude-nos com suas orações.
Ela se sentou novamente e desta vez começou a rezar de fato. Marcílio, com
a mão direita
sobre a cabeça do rapaz, continuou:
- Ao invés de querer brigar comigo, por que não aproveita este momento
para melhorar sua
vida? Não está cansado de viver sozinho, triste, de um passado que nunca
mais voltará, ao
invés de aproveitar o que pode agora, de encontrar pessoas que gostam de
você, que só
esperam que aceite as mudanças de sua vida para virem a seu encontro? Por
que prefere a
infelicidade quando já pode viver melhor e ser mais feliz?
Com voz embargada, Felipe respondeu:
- Você fala isso porque não sabe o que é viver como estou vivendo. Não sabe
o que é vagar
em busca dos que ama e nunca os encontrar.
Sentir-se sozinho sem que ninguém se importe com sua dor ou com seus
sofrimentos.
- Você está assim porque quer. Agarrou-se ao passado, recusa-se a obedecer
às orientações
daqueles que têm condições de ajudá-lo. Fechou-se em sua teimosia e
recusa-se a deixar a
mansão, como se ainda fosse o dono dela!
- Eu a construí. Aquela casa é minha!
- Você a construiu. Mas agora ela é do mundo e daqueles que a herdaram.
Você não
pertence mais a este mundo. Vive em outra dimensão, onde há coisas
maravilhosas
esperando por você, onde pessoas que o amam esperam que acorde dessa
ilusão e possa
finalmente deixar o passado, tomando consciência do presente e seguindo
adiante para a
conquista da felicidade.
- Você diz isso, mas eu sei que fui muito ruim. Cheguei ao crime, minha filha
me odeia!
Não. Não acredito que haja alguém que goste de mim ainda, mesmo depois
de tudo que fiz
para a minha própria família.
- Pois há. Aqui mesmo está alguém que espera ansiosamente que você saia
dessa ilusão
para poder abraçá-Io e ajudá-Io a buscar o caminho do equilíbrio e da
renovação. Olhe.
Felipe remexeu-se na cadeira e depois gritou em lágrimas:
- Mãe! É você! Vá embora. Eu não mereço. Fui muito egoísta, mau. Não me
abrace, mãe.
O outro moço que estava ao lado disse com voz emocionada:
- Meu filho! Descanse em meus braços, que sempre estarão abertos para
recebê-Io!
Entregue-se a este momento de amor e venha comigo. Vou levá-Io a um
lugar onde você
ficará sob meus cuidados. Venha. Perceba que ninguém é culpado pelo que
lhe aconteceu.
Você plantou e colheu de acordo com sua semeadura. Arranque todas as
mágoas de seu
coração, perdoe a todos, mas principalmente a si mesmo por ter sido tão
resistente.
Felipe soluçava sentidamente. O outro rapaz continuou:
- Isso, meu filho. Extravase toda a sua mágoa. Deixe ir todas as suas dores.
Descanse a
cabeça em meu colo. Vou levá-Io comigo.
- Mãe, ajude-me a encontrar a paz! Eu quero esquecer!
Felipe respirou fundo e estremeceu. Depois abriu os olhos, ajeitando-se na
cadeira. O outro
rapaz ainda disse:
- Obrigado, amigos. Voltarei outro dia para conversarmos.
Marcílio sentou-se, fez uma prece de agradecimento a Deus. Quando terminou, levantou-se,
aproximou-se de Norberto, que, estendido no chão, parecia dormir, e
chamou:
- Acorde, Norberto. Já passou.
Ele abriu os olhos e olhou assustado para todos os presentes, como quem
acorda de um
pesado sono. Marcílio ajudou-o a levantar-se e fê-Ia sentar-se ao redor da
mesa. Apanhou
um pouco de água e deu-lhe para beber enquanto os outros dois serviam os
demais.
Eulália e Hilda estavam mudas. Não se atreviam nem a perguntar.
Norberto recuperara seu estado normal, olhou-os admirado e perguntou: -
Podem explicar-
me o que estamos fazendo aqui? O que aconteceu? Marcílio respondeu com
simplicidade:
- O espírito do coronel Firmino incorporou em você e tivemos de esclarecê-
Ia. Garanto que
de agora em diante ele não mais aparecerá a ninguém naquela casa, muito
menos a Eurico.
- O coronel Firmino? Estou ouvindo bem? - disse Norberto, admirado.
Desta vez Eulália tomou coragem e interveio:
- Pois foi. Você ficou como louco. Foi horrível. Se não fosse o Dr. Marcílio e
essas pessoas
aqui, você estaria internado em um hospício.
Meu Deus! Eurico estava dizendo a verdade! Por que não acreditei?
- Ele disse muitas vezes que via espíritos - lembrou Hilda.
- Ele estava certo - esclareceu Marcílio. - Esse menino tem uma sensibilidade
especial. Ele
vê e ouve os seres de outras dimensões.
- Mas o coronel está morto! - disse Norberto.
- Engano seu. Ele está vivo. Quem morre neste mundo vai para outras
dimensões, mas
continua vivendo.
- É difícil acreditar.
- Para quem nunca se interessou pelo assunto, pode ser - respondeu o médico.
- Entretanto,
para os que são chamados a essa realidade, o contato com quem já partiu é
natural.
Norberto passou a mão pelos cabelos um pouco inquieto e disse:
- Gostaria de saber como chegaram a essa conclusão. Minha própria mulher,
que nunca acreditou nisso, agora está afirmando que a alma do coronel existe mesmo.
- Eu posso esclarecer como foi. Você não se recorda de nada?
- De certa forma, não perdi a lucidez. É difícil dizer. Havia momentos em que
me sentia
atordoado, fazia coisas desconexas, mas não conseguia parar. Era como se
estivesse em um
sonho em que as idéias se embaralhavam em minha cabeça. Foi horrível!
- Então você percebeu que sacudiu Eurico com violência, assustando-o? -
perguntou
Eulália.
- Eu fiz isso mesmo? Houve um momento em que senti muita raiva de
Eurico, tive vontade
de... - Norberto parou horrorizado.
- De acabar com ele - completou Marcílio, calmo. - Nessa hora, quem sentia
toda essa raiva
e queria fazer isso não era você, mas o espírito do coronel Firmino. Sempre
que ele
aparece, demonstra sentir raiva dos meninos, porque de certa forma eles
atrapalharam o que
ele pretendia fazer.
- Esses sentimentos brotavam dentro de mim e chocavam-me. Eu amo meus
filhos. Sempre
fiz tudo para que Eurico ficasse bem, com saúde.
- Você se chocava, sentia-se culpado por sentir isso, e o coronel conseguia
dominá-lo ainda
mais.
- O que me conta é incrível! Nunca pensei que uma situação dessas
acontecesse.
- Agora experimentou. Não pode mais duvidar.
- Ainda bem que Eulália interveio. Não sei o que poderia ter acontecido. O
que Eurico está
pensando de mim? Fui rude demais.
- Ele sabe que não era você. Nessa hora ele viu em seu lugar o coronel
Firmino - esclareceu
Marcílio.
- Como sabe?
- Ele teve medo de que lhe acontecesse alguma coisa e pediu a Nico que
viesse nos
procurar e contar tudo - explicou o médico.
- Estou admirado! Quero saber tudo a respeito. Se ele fez isso, foi porque
sabia que vocês podiam nos ajudar - disse Norberto.
- Agora não há mais motivo para que não saibam toda a verdade.
Esses meninos são maravilhosos. Seu filho vê e até conversa com os seres de
outras
dimensões. Ele tem medo, mas Nico não, e o tem ajudado a enfrentar esses
encontros com
coragem e firmeza. Graças a ele, Eurico está reagindo e melhorando a cada
dia.
- É verdade - interveio Eulália. - Você ameaçou mandá-lo embora. Sentia
raiva dele
também?
- Sim. De repente parecia que ele estava me atrapalhando, que era meu
inimigo.
- Ele estava atrapalhando os planos do coronel Firmino, ajudando-nos a
libertar Liana da
interferência dele - disse Marcílio. Norberto assustou-se:
- Liana? Por que ela?
- Vocês ignoram porque vieram morar naquela casa. Não foi apenas por
causa da saúde de
Eurico. A vida trouxe-os aqui porque tinha seus motivos. Era preciso que
vocês todos se
reencontrassem, principalmente Liana com Firmino - esclareceu Marcílio. -
Posso contar
tudo desde o começo.
- Gostaria de entender - pediu Eulália.
- Por favor - tornou Norberto.
Marcílio falou sobre reencarnação, sobre os laços que uniam Liana e as
crianças ao
espírito do coronel, a intenção dele de continuar a dominá-Ia.
Eulália não se conteve:
- Por isso você disse que amava Liana!
Norberto empalideceu:
- Eu disse isso?
- Sim. Disse também que ela era sua mulher. Pensei que tivesse
enlouquecido. Agora
entendo... era o coronel que sentia isso!
- Era - apressou-se a dizer Marcílio. - Mas é preciso lembrar que ele se
aproveitou de sua
amizade por sua cunhada e por seu interesse em ajudá-Ia levando-a a seu
médico de
confiança.
É. Ele dizia que ia levá-Ia ao Dr. Caldas. Tentei impedi-lo, mas não
consegui.
Você estava como louco!
Norberto remexeu-se na cadeira. Sentia-se envergonhado.
- Isso já passou. Está se sentindo bem agora? - perguntou o médico.
- Sim. Apesar de assustado, estou bem. Quando vocês falam, parece que se
referem
a outra pessoa.
- Era outra pessoa mesmo - confirmou Marcílio.
- Só não entendo uma coisa. Vocês estavam todos aqui quando chegamos.
Como
sabiam? - perguntou Eulália.
Marcílio contou a razão pela qual tiraram Liana daquela casa às escondidas
para o
casamento, mas omitiu o fato de eles haverem se casado apenas na
aparência. Explicou
também como, com a ajuda dos espíritos superiores, haviam ido até lá
naquela tarde para
esperá-lo.
- Quando ele saiu de casa como louco e não me deixou acompanhá-lo, não
pude
suportar. Vim atrás.
- Fez bem. Assim pôde assistir a tudo que aconteceu aqui - disse o médico.
Eulália hesitou um pouco, depois decidiu:
- E Liana, como está?
- Melhor. Está no quarto, e Alberto está com ela. Pedi-lhe que ficasse em
prece ao
lado dela para fortalecê-Ia. As energias do coronel eram fortes e poderiam
envolvê-la. Ela
se encontra ainda um tanto debilitada.
A obsessão dele em dominá-Ia fazia-o emitir energias controladoras que
sugavam as forças
dela, enfraquecendo-a.
- Por isso ela estava sempre deprimida, apática, sem vontade? perguntou
Eulália.
- Sim. Esse estado é próprio da subjugação espiritual. O coronel jogou
energia de domínio
sobre Liana e ela não reagiu. Se tivesse usado sua força para afastá-Io de sua
aura, não teria
sido tão atingida.
- Ela não sabia de nada disso - lembrou Eulália.
Tentei avisar. Eurico via. Ela mesma chegou a ver o coronel, lembra-se?
- É verdade! - concordou Eulália.
- Quem poderia imaginar tudo isso? - comentou Norberto, perplexo.
- E agora? - disse Eulália. - Estou com medo de voltar àquela casa. Acho
melhor voltarmos
para São Paulo.
- Não há mais motivo para isso. Eurico deu-se bem aqui, apesar do que
aconteceu. Garanto
que o coronel agora não oferece mais perigo. Foi afastado. O espírito de sua
mãe sofria
muito vendo-o naquele estado. Há muito tentava ajudá-ia. Agora conseguiu
que ele
compreendesse e resolvesse aceitar afastar-se daquela casa e receber
tratamento. Se um dia
ele voltar, estará melhor e não prejudicará mais ninguém - esclareceu
Marcílio.
- Não sei. Essas coisas de almas do outro mundo me assustam. Antes não
tinha medo
porque não acreditava nelas, mas agora... - considerou Eulália.
Marcílio sorriu e respondeu:
- Quer saber por que Eurico não se dava bem na cidade grande?
Ele teve dificuldade em reencarnar por problemas de sua vida passada.
Estava frágil e
sensível. A pressão das energias negativas é muito maior na cidade, onde há
muito mais
pessoas, mais problemas, mais violência. O acúmulo de gente
energeticamente representa
acúmulo de problemas. A sensibilidade dele sofria com isso. Aqui, tudo é
mais calmo, as
energias menos agressivas, ele pode ir aos poucos assumindo melhor a
encarnação. Se ele
continuar aqui por mais algum tempo, garanto que chegará à idade adulta
saudável e
recuperado.
- É o que eu mais desejo neste mundo! - tornou Eulália.
- É preciso também cuidar da sensibilidade dele. Precisam aprender as leis
que regem o
campo das influências, para que ele aprenda a viver bem com a sensibilidade
que possui.
- Depois do que me aconteceu, não posso ignorar - disse Norberto. - Desejo
saber tudo, estudar o assunto, para que não aconteça novamente. Tremo só em pensar
nessa
possibilidade
- Faz bem. Tenho estudado sem cessar e possuo em minha casa extensa
biblioteca sobre o
assunto. Está à sua disposição.
- Obrigado, doutor.
Alberto apareceu na sala e Marcílio chamou-o:
- Aproxime-se, Alberto. Como está Liana?
- Bem. Houve momentos em que ficou inquieta, queria sair do quarto, ir
embora daqui,
estava apavorada. Com a mão dela entre as minhas, fiz prece e aos poucos
ela se acalmou.
Agora quer levantar-se. Ouviu vozes e eu lhe disse que era você. Ela quer vê-
Io e saber se
já pode se levantar.
- Ela deve estar se sentindo muito melhor. Felizmente o coronel Firmino foi
afastado.
Agora ela ficará bem - disse o médico.
Eulália hesitou um pouco, depois disse:
- Só agora ficamos sabendo a causa da doença dela. Estou arrependida de ter
sido tão
descrente. Será que eu poderia conversar com ela?
- Claro - respondeu Alberto sorrindo. - Tenho certeza de que sua visita será
para ela um
excelente remédio.
Eulália olhou para o médico, que disse:
- Pode ir, Dona Eulália. A alegria só faz bem.
Eulália olhou para o marido, que decidiu:
- Vá sozinha. Será melhor. Minha presença agora pode não ser muito
agradável.
Eulália foi até lá enquanto Alberto pedia a Gislene que servisse um café com
aquele bolo
gostoso que ela sabia fazer tão bem.

Quando Chega a HoraOnde histórias criam vida. Descubra agora