Nico levantou-se e foi até a janela. O jardim da mansão estava lindo como
sempre e ele se
recordou quando pela primeira vez havia entrado lá, com o coração cheio de
curiosidade,
desejoso de conhecer o interior da casa.
Fazia um mês que ele estava hospedado lá a convite de Liana e AIberto, que
não o
deixaram procurar outro lugar para ficar.
Nico falara de sua intenção de morar em Sertãozinho durante algum tempo e
de alugar um
lugar para montar seu ateliê. Agradecia o convite e o aceitaria enquanto
procurava um
espaço só seu. Agora que tinha recursos, desejava realizar esse sonho.
Sua mãe não quisera mudar-se das terras da família e Nico construíra
graciosa casa já em
fase de acabamento, e eles estavam muito contentes. Cada filho teria seu
quarto, e eles não
viam a hora em que a casa ficasse pronta.
Depois que deixou São Paulo, Nico nunca mais viu Amelinha. A princípio
esperava que ela
desse notícias, que o procurasse, ainda que fosse para reprovar sua atitude,
mas ela não fez
nada, nem um telefonema, nem um bilhete.
Seu silêncio aumentava sua sensação de culpa, tornando-o triste e calado.
Diante dos outros
fazia o possível para esconder seus sentimentos, e, se conseguia diante de
algumas pessoas,
não enganava sua mãe.
Uma noite em que não conseguira conciliar o sono, ao ouvir o galo cantar
levantou-se e foi
até a casa da mãe. Queria sentar-se mais uma vez a seu lado em baixo da
mangueira,
naquele caixão tosco que continuava no mesmo lugar, tomar aquele café
gostoso e
conversar com ela como nos tempos de infância.
Como foram bons aqueles momentos de intimidade e confidência, só os dois
no silêncio da
manhã que despontava, ouvindo o chilrear dos pássaros e o cacarejar das
galinhas, deixando o pensamento fluir, sonhando com o futuro.
O futuro havia chegado, ele conseguira realizar muitas coisas com as quais
havia sonhado.
Entretanto, embora elas fossem boas, não haviam conseguido dar-lhe a
felicidade que
acreditaria obter com elas.
É que ele não pensara no amor, nem como esse sentimento o deixaria
vulnerável,
estabelecendo outros objetivos que se tornariam importantes para a conquista
da felicidade.
Agora ele sabia, mas não via possibilidades de realizar o que sonhava.
Chegou à casa da mãe sentindo o cheiro do café que vinha da cozinha.
Entrou, beijou-a e,
como fazia antigamente, apanhou uma caneca, serviu-se direto do coador e
foi sentar-se em
seu lugar preferido.
Ficou lá, sorvendo pequenos goles de café, observando os primeiros raios de
sol que
coloriam o céu e as últimas estrelas que desapareciam conforme a claridade
aumentava.
Ernestina logo foi sentar-se a seu lado, e ali, juntos como antigamente, Nico
não teve receio
de falar sobre o amor que tumultuava seu coração, os motivos que o fizeram
voltar para sua
cidade e o que ele pensava fazer no futuro.
Ela escutou em silêncio, olhando-o com carinho, sem perder uma palavra.
Quando ele
terminou, disse apenas:
- Você estudou, melhorou de vida, tem diploma de faculdade, é um artista de
nome, mas
ainda não deixou de ser aquele menino pobre que ia na porta da venda do Seu
Nicolau à
espera de carregar alguma compra e ganhar alguns níqueis. Na verdade,
Nico, você nunca
saiu daqui.
- Por que está dizendo isso?
- Porque essa é a verdade. Embora você hoje pareça outra pessoa, seja
instruído, ganhe
dinheiro, se vista como um doutor, nunca deixou de ser o Nico, o menino
pobre, cuja mãe é
lavadeira e o pai um incapaz. Então eu pergunto: de que te serviu tanto
esforço? De que te
serviu trabalhar tanto se o teu coração continua o mesmo?
- Mãe, não estou entendendo.
- Está, sim. Você fez tudo pensando em nos ajudar, em conquistar o respeito
dos outros, e
conseguiu. Mostrou que é inteligente, capaz, honesto e trabalhador. Mas se
esqueceu de ver
todas essas qualidades em você. O tempo todo ficou se sentindo menos do que
o Eurico ou
a Amelinha, pensando que estava com eles de favor.
- Mas essa é a verdade. Eles foram muito bons comigo, me respeitam e me
estimam.
- Não estou dizendo o contrário. Eles são maravilhosos. Durante anos me
ajudaram com
uma mesada generosa que aliviou o sofrimento da nossa família. Sou
eternamente grata a
eles por isso e considero eles amigos de coração. Entretanto, você só vê esse
lado. Esquece
como retribuiu ajudando o Eurico a recuperar a saúde, sendo sempre sincero
e amigo. Meu
filho, o teu orgulho está te cegando, e isso é que está te infelicitando.
- Orgulho?! Não, pelo contrário. Estou considerando minha real posição.
- Qual é a tua real posição? Você é ainda aquele menino pobre, sem estudos,
precisando da
ajuda dos outros? Claro que não. Você hoje é um psicólogo, tem diploma
universitário, é
um artista de nome. Talvez até mais nome do que a Amelinha, que está
lutando pra
conquistar um lugar de atriz, mas que apesar de ser relativamente conhecida
ainda não
atingiu fama igual à tua como pintor.
- Não é tanto assim.
- É, sim. Tenho acompanhado pelos jornais e revistas. O Dr. Marcílio sempre
me traz as
reportagens sobre você. Não que eu dê importância a isso, porque a fama é
uma ilusão
passageira, mas você está se colocando no lado oposto, como se fosse um
fracassado, e isso
não é verdade. Você é um vencedor e é digno de se casar com a mulher que
ama, se ela te
quiser.
Está falando como mãe.
- Não, meu filho. Você sabe que eu sempre digo a verdade. Nunca menti pra
você. Repito,
o teu orgulho está te confundindo. Você não é mais o Nico daqueles tempos,
você agora é o
Antônio Juventino dos Santos, psicólogo, pintor famoso. Está construindo uma
casa pra tua
família. Essa é a realidade. Mas, enquanto fica se depreciando, com medo de
assumir aquilo
que é, de deixar ir embora aquele menino pobre que você foi, não merece
conquistar a
felicidade. Vai ficar aqui, enterrado nessa pequena cidade, sofrendo, se
machucando,
perdendo tudo que conquistou. Você conseguiu progredir, isso pode acontecer
a qualquer
um, com esforço, perseverança e trabalho, mas manter esse progresso só
será possível
quando aceitar no teu coração que você é tão bom como qualquer pessoa.
- Talvez tenha razão, mas para a família de Amelinha sempre serei Nico, o
menino que eles
ajudaram por caridade.
Ernestina colocou a mão no braço do filho ao responder:
- É você quem está se colocando nessa posição. Pensando dessa forma,
nunca chegará a
ocupar o lugar que gostaria naquela família. Nunca te ocorreu que eles
podem te ver de
outra forma? Que não fariam objeção e até se sentiriam felizes em casar a
filha com você?
Nico sobressaltou-se:
- Eles nunca consentiriam.
- O preconceito é teu. Como pode saber se nunca perguntou pra eles? Nem
sequer teve
coragem pra se abrir com o Eurico, que é mais do que um irmão pra você.
- Não teria coragem de tocar nesse assunto com ele.
- Por quê? Onde está a tua sinceridade?
- Depois, Amelinha não me ama. De que serviria falar sobre meus
sentimentos?
- Você me decepciona. Nunca pensei que fosse covarde.
Nico endireitou-se no banco. Ela continuou:
- Por que será que essa moça se entregou a você depois de alguns beijos?
Será que ela é assim tão fácil?
- Claro que não! - objetou ele. - Eu fui o primeiro... E é isso que me está
atormentando.
Ernestina foi à cozinha e voltou logo em seguida com mais café na caneca.
- Quer mais um pouco?
Como ele fez que sim com a cabeça, ela despejou um pouco na caneca dele.
- Tem bastante açúcar. É bom pra acalmar. Então essa moça, que nunca tinha
tido um
homem, se entregou a você. Por que será? Não é curioso?
- Acho que a perturbei com meus beijos, ela me tem amizade, ficou
confusa...
- E arrastou você pro quarto em seguida. Pelo que contou, foi ela quem te
levou lá, não foi?
- Foi.
Ernestina suspirou. Meneou a cabeça negativamente várias vezes, depois
tomou:
- Você gosta mesmo dela?
- Gosto. Sem ela a vida não tem mais valor.
- Custo a acreditar.
- Eu a amo mais que tudo neste mundo. Por que diz isso?
- Porque se amasse mesmo não tinha desistido sem ao menos tentar. Fica aqui
perdendo
tempo sem saber a verdade. Fugindo como se tivesse praticado um crime.
- O que posso fazer? Não tenho coragem para olhar Dona Eulália e o Dr.
Norberto. Se
souberem o que eu fiz, vão ficar furiosos.
- Mais furiosos ficarão se descobrirem através de outras pessoas.
- Ninguém sabe, a não ser ela e eu.
- E se ela contar?
- Não se atreveria. Teria vergonha.
- Não sei. Ela pode ser mais corajosa do que você.
Nico remexeu-se no banco, inquieto.
- Ela teria coragem?
- Não sei. O que sei é que você gosta da Amelinha, dormiu com ela. Ao invés
de fugir, o
mais decente era pedir a moça em casamento pros pais.
- Não teria coragem.
- Pois ia ser o mais digno.
- Ela não me ama.
- Tenho minhas dúvidas. Mas o correto era pedir a moça em casamento. Se
ela não aceitar, não vai ser culpa tua. Eles não vão ficar magoados com você.
- Isso é verdade. Estou começando a pensar que tem razão.
- Pensa, meu filho. Vai pra casa e reflete em tudo que eu disse. Consulta o teu
coração e
não fica com medo de fazer o que tem vontade. A sinceridade é sempre a
melhor escolha.
Quantas vezes perdemos a chance de felicidade com medo de enfrentar
algumas
dificuldades? Você ama a Amelinha. Desejar casar com ela é natural.
- Ela vai recusar...
- Se recusar, pelo menos você tentou. Não fugiu nem perdeu por omissão.
Nico deu um beijo no rosto da mãe e levantou-se:
- Vou pensar. Prometo.
Ele mal dormiu naquela noite, mas, quando voltou para a mansão, não sentiu
sono, ficou
pensando em tudo quanto Ernestina lhe tinha dito. Reconheceu que era
verdade. Apesar das
conquistas que fizera na vida, no fundo continuava vendo-se como o menino
pobre e
desvalido que precisava da ajuda dos outros para sobreviver.
Reconheceu que estava vivendo um momento decisivo: ou assumia e via-se
como uma
pessoa que subira na vida e poderia ainda progredir mais, ou continuaria a
julgar-se
socialmente inferior. Nesse caso, sua mãe tinha razão: de nada lhe valera ter
conquistado o
diploma e o sucesso.
As palavras dela continuavam se repetindo em seus ouvidos e ele não
conseguia esquecê-
Ias. Por fim decidiu. Voltaria a São Paulo e falaria com Amelinha.
Afinal, havia se afastado sem nenhuma palavra sobre o que acontecera entre
eles. Ela
deveria estar magoada. Poderia estar pensando que ele desejava escapar à
responsabilidade.
A esse pensamento, sentiu-se inquieto. Sim, ele precisava voltar e enfrentar as
conseqüências do que fizera.
Preparou a bagagem, despediu-se de Liana e Alberto e passou pela casa de
Ernestina para
contar-lhe sua resolução.
- Estou contente que tenha decidido enfrentar a situação. Não é bom deixar
mal resolvido um assunto tão importante como o teu.
- É. Foi o que pensei. A senhora estava certa. Sei que Amelinha não me ama,
acredito que
Dona Eulália e o Dr. Norberto não gostariam que ela se casasse comigo, mas
diante do que
aconteceu, tenho de me posicionar. Primeiro, falarei com ela para dizer que
não pretendo
fugir à minha responsabilidade. Vou pedi-Ia em casamento. Desejo saber
também o que ela
pensa sobre o que aconteceu entre nós, se devo confessar a seus pais ou se ela
prefere
manter em segredo.
- Você fala como se ela já tivesse recusado o teu pedido de casamento. E se
ela aceitar? Se
disser que gosta de você?
Nico passou a mão pelos cabelos inquieto e suspirou fundo.
- Claro que ela vai recusar. Durante tantos anos de convivência sempre me
viu como um
irmão. Ninguém deseja casar-se com um irmão.
Ernestina sorriu.
- Se eu fosse você, Nico, não tinha tanta certeza. As mulheres são
imprevisíveis.
- Nesse caso acho difícil. Apesar disso, estou disposto a enfrentar seja o que
for. Afinal,
aconteça o que acontecer, pelo menos as coisas se definem, é melhor do que
ficar aqui me
culpando.
- Vai com Deus, meu filho.
- Obrigado, mãe.
Beijou Ernestina e saiu. Dirigindo seu carro de volta à capital, Nico ia
pensando no que
poderia estar acontecendo na casa de Eulália. Eurico ligara quase todas as
noites contando
as novidades e perguntando quando ele voltaria. Chegaria de surpresa.
Passava das duas da tarde quando Nico chegou. Foi recebido com alegria por
Eulália, que
comentou:
- Ainda bem que voltou. Espero que resolva ficar, porque Eurico anda
impossível. Fala em
você o tempo todo. "Porque vou ligar para Nico e contar isso... Vou perguntar
quando ele estará de volta..." Vivia me pedindo para ir buscar você. Quanto a Amelinha,
parece uma
sombra. Não sei que bicho a mordeu. Anda de mau humor, quieta, o que não
é seu costume.
Ando desconfiada de que é alguma coisa de namorado.
- Vai ver que brigou com ele.
- Pode ser. Ele não tem aparecido para buscá-Ia. Acho que sua presença
poderá ajudá-Ia.
Comigo ela nunca se abre. Com você sempre foi diferente. Sei que conta
todos os seus
segredos. Por isso lhe peço: veja se consegue saber o que está acontecendo
com ela. Não
agüento mais vê-Ia tão apática, distraída e triste.
Tentando esconder a preocupação, Nico respondeu:
- Conversarei com ela quando chegar.
- Ela está no salão. Devia ter ido ensaiar, mas disse que não estava muito bem
e queria
descansar um pouco. Isso me deixou mais desconfiada de que algo não vai
bem com ela.
- Vou levar a bagagem para o quarto e depois falarei com ela.
- Isso, meu filho. Você tem feito muita falta aqui em casa, viu? Todos
sentimos saudade
dos tempos em que estávamos todos juntos.
- Eu também sinto saudade. Foi um tempo bom.
- Foi, sim. Agora vá, meu filho. Deve estar cansado da viagem, com fome.
Deixe a mala no
quarto e venha tomar um lanche antes de falar com Amelinha.
- Obrigado, mas eu comi na estrada. Estou bem. Não se preocupe. Nico
subiu, deixou a
mala, lavou-se, trocou a camisa um tanto suada e empoeirada da viagem e
procurou
Amelinha no salão.
Abriu a porta e espiou. Ela estava deitada no sofá tendo ao colo um maço de
papéis, olhos
fechados. Estaria dormindo?
Ele entrou e aproximou-se dela, chamando:
- Amelinha.
Ela abriu os olhos e disse:
- Você! Você voltou!
Colocou os papéis sobre a mesinha e sentou-se olhando para ele.
- Voltei porque precisamos conversar.
Ele se sentou ao lado dela no sofá.
- Por que foi embora sem dizer nada?
Sem desviar os olhos dos dela, que o fitavam firmes, ele respondeu:
- Porque estava com medo. Senti-me culpado. Por não haver controlado
minhas emoções,
arrastei você a uma situação delicada. Devo-lhe desculpas por isso.
- É só o que tem para me dizer? Que está arrependido?
- Não. Vim para dizer-lhe que, se me aceitar, poderemos nos casar, embora
seus pais
possam se opor.
- Por que se oporiam?
- Você sabe. Não pertenço à mesma classe social que vocês.
- E isso lhe dá o direito de decidir por nós? Você disse que me amava. Beijou-
me com
paixão. Está arrependido disso também?
Nico colocou a mão sobre o braço dela, dizendo nervoso:
- Sabe, Amelinha, seus pais receberam-me nesta casa como um filho, e
vocês me trataram
como um irmão. Eu não tinha o direito de trair essa confiança.
- Desde quando o amor acontece de acordo com as regras convencionais?
Desde quando o
amor entre duas pessoas livres e adultas é proibido? Se reconhece que o
queríamos como se
fosse da família, porque ocultou seus sentimentos e agora se envergonha
deles? Será que
esse amor não é uma ilusão? Será que não está confundindo nossa
proximidade, nosso
carinho, com amor?
- Você está sendo cruel comigo. Eu gostaria de sentir por você apenas um
carinho de irmão,
mas o que fazer se quando me aproximo de você meu corpo treme, sinto
desejo de abraçá-
la, de beijá-la, de guardá-la em meus braços para sempre? Como posso
explicar o que sinto
e como me foi difícil ocultar esses sentimentos por perceber que você não
sentia a mesma
coisa?
As lágrimas corriam pelo rosto de Amelinha, e Nico passou a mão pelo rosto
dela como
querendo enxugá-Ias e continuou:
- Estou fazendo você sofrer. Não queria isso.
Ela o fitou com os olhos molhados e rompeu em soluços. Nico não esperava
por isso.
Nervoso, abraçou-a dizendo:
- Não chore mais, por favor. Não posso vê-la assim.
Ela encostou a cabeça em seu peito e continuou soluçando. Ele alisava seus
cabelos
tentando acalmá-Ia. Por fim, Amelinha passou as mãos em seu pescoço,
levantou sua
cabeça e beijou os lábios dele, que inebriado retribuiu apertando-a de
encontro ao peito,
sentindo novamente dentro de si aquele turbilhão de emoções.
Beijaram-se várias vezes. Nico estava trêmulo, emocionado. Notou que
Amelinha, tanto
quanto ele, não conseguia falar. Fez um esforço, tentou acalmar-se. Quando
serenou um
pouco, disse:
- Eu amo você, Amelinha. Não é pela proximidade, nem pelo fato de
estarmos sempre
juntos. É amor de verdade. Faz tempo que descobri isso. Mas me contive
porque você
nunca demonstrou sentir atração por mim.
- É que eu não sabia. Naquela noite, quando você me beijou, tudo ficou claro.
Senti que o
amava e foi por isso que o levei para meu quarto. Foi por amor!
- Não está confundindo seus sentimentos, o carinho de irmão, a afinidade
espiritual que
sempre tivemos, com amor?
- Por que duvida de mim? Já lhe dei a maior prova que uma mulher pode dar.
Depois,
quando eu estava feliz, sonhando com nosso futuro, você foi embora sem
uma palavra.
Fiquei triste, cheia de dúvidas. Por que fez isso?
- Senti-me culpado. Achei que a tinha induzido a fazer o que fez. Pensei na
bondade e na
confiança de seus pais que eu tinha traído. Fui embora com o coração partido.
Sofri muito
todo esse tempo.
- E agora, por que voltou?
- Porque resolvi deixar de ser aquele menino pobre que sempre fui e assumir
o que sou
hoje. Como pessoa que tem um diploma, uma profissão, que conseguiu realizar seu sonho
proporcionando conforto e bem-estar à sua família, que tem, além de muito
amor e carinho,
condições de formar uma família e sustentá-la. Vim para pleitear a conquista
mais
importante de todas. Casar-me com você.
Amelinha passou novamente os braços em torno do pescoço dele e beijou-o
nos lábios com
carinho. Depois se afastou um pouco e disse alegre:
- Agora está falando verdade. Sempre admirei sua postura firme, sua lucidez,
sabendo o que
queria da vida, trabalhando para conquistar seus objetivos de maneira clara.
Por isso,
quando se colocou abaixo de mim, falou de diferença de classes, não entendi.
O importante
é o que você é, o que conquistou, com esforço, trabalho, perseverança e boa
vontade.
- Você se casaria comigo?
- Depende.
- Do quê?
- De ver como encara esse casamento. Se for por amor, para ficarmos juntos
toda vida, eu
aceitaria; mas, se for apenas por causa do que aconteceu naquela noite, só
para "reparar um
erro", eu sofreria, mas diria não.
Nico abraçou-a, beijando delicadamente seus lábios.
- Passar o resto da vida com você é meu maior sonho.
- Tem certeza?
- Tenho.
- Nesse caso, se me pedir, eu aceito.
Beijaram-se longamente. Depois ele disse:
- Bom, e agora? Terei de falar com seus pais.
- É o primeiro passo.
- Você acha que me aceitarão?
- Vai ter de descobrir. - Vendo que ele franziu o cenho preocupado, ela sorriu
e continuou: -
Do jeito que eles gostam de você, será fácil.
A porta do salão abriu-se e Eulália entrou. Vendo-os abraçados, parou
surpresa. Foi
Amelinha quem falou primeiro:
- Mamãe, Nico pediu-me em casamento e eu aceitei.
Eulália abriu a boca e fechou-a de novo sem saber o que dizer. Nico interveio:
- Dona Eulália, nós nos amamos. Descobrimos isso há algum tempo. Por isso
fui embora.
Pensei que estava abusando da confiança que tanto a senhora quanto o Dr.
Norberto
depositaram em mim. Mas, lá longe, sozinho, sofrendo, resolvi lutar por esse
amor. Por isso
voltei. Estou aqui. Conversamos, e Amelinha garantiu que também me ama.
Pretendia
conversar com a senhora e o Dr. Norberto juntos e falar de meus sentimentos
e do que eu
posso oferecer para a mulher que for minha esposa. Porém, já que fomos
surpreendidos,
acho melhor abrir meu coração.
Eulália aproximou-se, olhando-os com interesse. Seus olhos brilhavam
emocionados.
Quando Nico se calou, ela disse:
- Fez muito bem, meu filho, em voltar. Se vocês se amam de verdade, se
pensam em casar-
se, têm todo o meu apoio. Para ser bem sincera, ultimamente o futuro de
Amelinha tem me
preocupado. Ela foi sempre ajuizada, mas o ambiente onde trabalha é muito
liberal. Há
pessoas de todos os tipos. Várias vezes Norberto e eu conversamos sobre isso,
sentindo
receio de que um dia ela se apaixonasse pela pessoa errada e viesse a sofrer.
Nós a amamos
muito. Ela é nosso raio de sol, com sua alegria e beleza. Deixá-la com você, a
quem
amamos e confiamos, é para mim uma grande alegria e até certo alívio.
Nico esforçou-se por segurar as lágrimas que estavam prestes a cair, mas
não conseguiu.
Elas lhe desceram pelas faces. Eulália abraçou-os com carinho.
- Sejam felizes, meus filhos. Tenho certeza de que Norberto vai concordar
comigo.
- Obrigado, Dona Eulália. Depois de tudo quanto recebi da senhora nestes
anos todos, ainda
tenho este presente. Só Deus pode pagar o que tem feito por mim. Desde já
tem minha
promessa de que tudo farei pela felicidade de Amelinha. Eu a amo muito.
- Eu sei, meu filho. Para dizer a verdade, estou me sentindo muito feliz.
Hoje, quando o Dr. Norberto chegar, farei o pedido.
- Vou mandar fazer um jantar especial. Tenho certeza de que teremos muito
a comemorar.
Espere até Eurico saber! Ele vai ficar muito feliz. Estava reclamando tanto
sua ausência.
- Também sinto falta dele.
- Vamos tomar um café na copa. Quero saber tudo exatamente como
aconteceu.
Abraçados e alegres, eles foram até a copa, sentaram-se ao redor da mesa,
trocando idéias,
planejando o futuro.
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Quando Chega a Hora
EspiritualRomance espírita, psicografado pelo espírito Lucius. Os herdeiros do coronel Firmino mudam-se para o seu antigo casarão, há muito abandonado e assombrado pelo espírito do antepassado. Nico, Eurico e Amelinha são as crianças cujas brincadeiras desper...