01/06
Ela sentia a vibração de seu celular junto com o toque irritante que colocou no despertador.
Fechou os olhos com força querendo que tudo não passasse de um pesadelo. Não queria ter que levantar e encarar novamente a legião de mães paranoicas e crianças abusadas.
Tudo o que ela queria era dormir até esquecer da vida, seria pedir de mais?- Acorda logo, preguiçosa! Até parece que não tem nada pra fazer da vida.
Pelo visto seu irmão não concordava.
Abriu os olhos relutante e encontrou aquele ser que se dizia seu parente. Ele sorria de seu estado e ela desejou com todas as forças que ele fosse logo para o trabalho e a deixasse descansar pelo menos mais cinco minutos.
- Rodrigo, faz um bem para a minha saúde mental e sai logo do meu quarto. - pediu com o máximo de calma que conseguia àquela hora da manhã, ele sorriu ainda mais e se retirou já prevendo a confusão que ela iria criar.
Assim que escutou a porta ser fechada tateou a mão sobre o colchão à procura de seu celular, no momento que o encontrou desligou o alarme antes que ele soasse novamente.
Respirando fundo ela criou coragem para sentar-se na cama, os olhos ainda se acostumavam com a claridade, até porque seu querido irmão havia feito o favor de abrir as cortinas da janela.
Olhando ao redor encontrou suas roupas jogadas pelo chão e levantando o olhar para a porta viu sua "farda" pendurada em um cabide na parte de trás.
Levantou preguiçosa e seguiu para o banheiro, era hora de despertar para o novo dia.
- Desmancha esse bico Ana, vai assustar as crianças assim. - escutou o sussurro impaciente de sua amiga ao lado e forçou outro sorriso para as pessoas que passavam em frente a vitrine.
Ela trabalhava em uma empresa de Contos de fadas, sendo esse literalmente o nome.
Na parte da manhã e algumas horas a tarde, doze princesas ficavam expostas em uma falsa vitrine em uma das salas do local, após as três começava a Tarde do chá que durava até às seis horas.
E adivinha que princesa era ela? Exatamente, Tiana.
O local abria de segunda à sábado, todos que trabalhavam ali só possuíam folga aos domingos e em poucos feriados.
Dizer que ela gostava daquele trabalho era exagerar, ela suportava, até porque precisava para pagar sua faculdade.
Morava somente com seu irmão que trabalhava dois turnos e também estudava à noite, a sorte era que ele havia conseguido um emprego ao lado da Universidade em que trabalhava, já ela ainda tinha que arcar com as despesas da mensalidade.- Amiga, mais alegria. - revirou os olhos diante do pedido de outra princesa que estava ao seu lado esquerdo.
- Pode deixar, Lady Diana. - provocou escutando ela bufar e não teve como conter o sorriso.
- Já te pedi pra não me chamar assim, minha mãe era louca. - reclamou novamente, mas logo desmanchou o bico em seu rosto e abriu um sorriso quase sincero assim que viu seu supervisor as encarando.
Ana soltou um palavrão baixinho que pôde ser ouvido apenas pelas duas ao seu lado, que seguraram os sorrisos o máximo que conseguiram.
Olhou de relance para a ruiva à sua esquerda e sorriu ao lembrar que ela foi a primeira amiga que encontrou naquele lugar.
Sempre fora uma pessoa um pouco difícil de lidar, mas Diana tinha um jeitinho especial que amolecia todos os corações e abria um sorriso na maioria dos rostos. Ela era ótima fazendo a Ariel, mesmo indo a fundo demais na personagem às vezes.
Já Camila estava longe de ser parecida com Aurora, sua teimosia e tiradas rápidas eram sua marca registrada e a meiguice era uma palavra desconhecida para ela. Tanto que por vezes ela teve que apartar discussões desnecessárias entre seu irmão e ela, mas estranhamente eles sempre esqueciam as alfinetadas e terminavam os encontros disputando alguma partida de vídeo game no sofá da sala.
Foi tirada de seus devaneios por um cutucão de Camila, fingiu não notar a delicadeza da amiga e abriu um sorriso doce ao ver um pai com uma criança no colo se aproximar da vitrine. O pequeno tinha os cabelos lisos e em tom claro, o sorriso banguela e encantado assim que as viu fez o rosto do homem que o carregava se iluminar.
O coração de Ana parou por alguns segundos, as lembranças de seu pai invadiram novamente sua memória, mas ela tratou de empurra-las para o canto mais distante de sua mente.
Tinha um trabalho a fazer e não poderia se entregar às sensações ou não conseguiria retornar.
Gritos, puxões de cabelo, cantorias desafinadas e "animais" irritantes que não a deixavam sossegada um minuto. Mesmo para um fim de turno o salão estava parcialmente lotado e justo naquele momento Luís, seu supervisor, havia decidido ir embora deixando toda a responsabilidade para os membros da falsa realeza que ali trabalhavam.
- Eu juro que eu vou matar o Luís. como aquele imbecil tem a grande ideia de deixar a gente sozinho com esses mínis anticristos?
Ela teve que sorrir com a comparação de Camila, mesmo com sua cabeça zunindo como se centenas de tambores batucassem em sua mente.
- E as queridas mães não dão a mínima e deixam as babás morrerem junto com a gente. - falou Fábio, que fazia Olaf, se colocando ao lado de Ana.
- Acho que a maternidade é superestimada.
- E eu acho que você como nossa querida Tiana, ainda não cantou. - relembrou a loira à sua esquerda abrindo um sorriso maldoso.
- Isso é verdade Ana. Vou já falar com o Paulo. - avisou Fábio se virando na direção oposta.
- Você não vai fazer nada. - ela disse entredentes o puxando pelo braço, que estava coberto por um tecido grosso que imitava um galho.
- Ah se vai. E vai agora.
- Não vai nada.
- Vai sim.
- Já disse que não!
Enquanto elas lutavam para prender e soltar o pobre Olaf de suas mãos, Diana chegou e os olhou confusa se metendo logo no meio dos três e libertando Fábio.
- O que é isso?
- Ana vai cantar.
Camila respondeu rapidamente à amiga vendo a outra a olhar irritada. Diana abriu um enorme sorriso e disse por fim:
- Vai logo cara, antes que ela te prenda.
Fábio correu para falar com o técnico que era responsável pela parte musical da empresa e Ana quis matar a todos assim que escutou as notas de Quase lá, o pior é que era uma de suas músicas preferidas. E respirando fundo ela foi para o pequeno palco onde algumas crianças ansiosas já a esperavam.
E depois ainda dizem que vida de princesa é fácil.
Pensou cansada ao segurar o microfone.
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(Des)encantada
أدب المراهقينAcenar, sorrir, fazer uma pequena reverência, sorrir ainda mais e acenar novamente. Era essa a sua rotina quase todos os dias. Se sentia como uma boneca em uma exposição, não poderia sair por mais de dez minutos de seu posto e quando voltasse teria...