I - O poço que grita

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           Olhando através da janela do carro, Sophia viajava na maionese em meio ao mar de serras. Ao lado dela, sua irmã, Bruna lia um livro aos trancos e barrancos, deslizando para os lados á cada curva. Elas iam para Belo Horizonte, encontrar seu primo, e sair para investigarem juntos seus primeiros "casos sérios". As irmãs falavam muito pouco com Richard, sempre dizendo o quanto o primo era solitário, e ás vezes, arrogante, e logo pensaram que o correto seria impôr autoridade sobre ele.

As serras logo se cobriram com um tapete de casas, e a capital mostrou suas caras. A viagem demorou mais do que o esperado, já que tinham de ir á uma região antiga da cidade. O bairro parecia bem calmo quando comparado á agitação de São Paulo, e suas casas velhas, desbotadas pela crueldade do tempo, juntamente com enormes castanheiras, davam um charme á calmaria. Na maior casa de uma ruazinha, o número 84, morava o primo.

Elas desceram do carro, e tocaram o interfone. Sem resposta. Chamaram pelo tio no portão, que veio correndo como se nunca houvesse amanhã.

- Tio Chiquinho!

- Meninas! Como cresceram! - o tio as abraçou, e seus óculos caíram no chão com a força do ato.

- Cadê o inútil do Richard? - perguntou Bruna, impaciente.

- Lá em cima. É só entrar, subir as escadas e ir até o final do corredor.

As meninas adentraram a casa, que era confusamente suntuosa. Subiram as escadas de tábua-corrida, e seguiram pelo corredor. O segundo andar tinha piso de madeira, paredes brancas, e um frio natural á ponto de ser comparado ao do Polo Norte. Na sala ao lado do corredor, um menino magro, de cabelos castanhos, curtos e arrumadinhos, vestindo um moletom laranja com estampas brancas, calça também de moletom, meias e chinelos. Seus olhos escuros estava, vidrados na TV, assistindo um show de rock.

- Primo?

- Sophi? Bru? O que vocês estão fazendo aqui!? Minha mãe jurava de pé junto que só viriam lá pro meio do ano!

- Sabemos disso. Anda, bota aí uma coisa mais interessante de se ver. - ordenou Sophia.

- Não! Metallica é metal do bom. Apenas aprecie.

Elas não quiseram discutir. Em vez de perderem o dia todo pensando no que iriam assistir, pediram á ele que lhes mostrasse seu quarto, que era logo no finzinho do corredor. Richard as levou até lá. A única coisa que o menino via nas faces de suas primas era confusão.

- Por que seu quarto não tem porta?

- E por que tem uns baldes de tinta em cima do guarda-roupa?

- Porque meu pai adora bancar o engenheiro/arquiteto, - o menino respondeu, revirando os olhos e sentindo vergonha alheia. - e por culpa dele, desde que eu nasci a droga da casa nunca tá pronta!

- Ah...

- Curioso... Rick, cadê suas armas?

- Oi? - ele se voltou para Bruna.

- Não tem!? Como acha que vai caçar monstros? Com o dedo!?

- Calma aí.

- Calma!? Assim não vamos á canto algum! O que a vovó Carol vai dizer da gente???

Ela se referia á Carolina Delore IV, a matriarca da família. A ex-caçadora havia se aposentado há 20 anos, e fazia linha dura com os filhos, que trocaram a tradição pela vida moderna.

- Escuta só: eu tenho 2 armas, só que não me deixam usar quando eu quero.

- Mentira. 

- Duvida mesmo, Sophi?

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