XXIII

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Amaro nessa manhã mandou à pressa chamar a Dionísia, apenas recebeu o seu correio. Mas a matrona que estava no mercado veio tarde, quando ele à volta da missa acabava de almoçar.

Amaro queria saber ao certo e imediatamente para quando estava a coisa...

- O bom sucesso da pequena?... Entre quinze a vinte dias... Por quê, há novidade?

Havia; e o pároco leu-lhe então em confidência uma carta que tinha ao lado.

Era do cônego, que escrevia da Vieira, dizendo "que a S. Joaneira tinha já trinta banhos e queria voltar! Eu, acrescentava, perco quase todas as semanas três, quatro banhos, de propósito para os espaçar e dar tempo, porque cá a minha mulher já sabe que eu sem os meus cinqüenta não vai. Ora já tenho quarenta, veja lá você. Demais por aqui começa a fazer frio deveras. Já se tem retirado muita gente. Mande-me pois dizer pela volta do correio em que estado estão as coisas". E num post-scriptum dizia: "Tem você pensado que destino se há-de dar ao fruto?"

- Mais vinte dias, menos vinte dias, repetiu a Dionísia.

E Amaro ali mesmo escreveu a resposta ao cônego, que a Dionísia devia levar ao correio: "A coisa pode estar pronta daqui a vinte dias. Suspenda por todo o modo a volta da mãe! Isso de modo nenhum! Diga-lhe que a pequena não escreve nem vai, porque a excelentíssima mana passa sempre adoentada".

E traçando a perna:

- E agora, Dionísia, como diz o nosso cônego, que destino se há-de dar ao fruto?

A matrona arregalou os olhos de surpresa:

- Eu pensei que o senhor pároco tinha arranjado tudo... Que se ia dar a criança a criar fora da terra...

- Está claro, está claro, interrompeu o pároco com impaciência. Se a criança nascer viva é evidente que se há-de dar a criar, e que há-de ser fora da terra... Mas aí é que está! Quem há-de ser a ama? É isso que eu quero que você me arranje. Vai sendo tempo...

A Dionísia pareceu muito embaraçada. Nunca gostara de inculcar amas. Ela conhecia uma boa, mulher forte e de muito leite, pessoa de confiança; mas infelizmente entrara no hospital, doente... Sabia de outra também, até tivera negócios com ela. Era uma Joana Carreira. Mas não convinha porque vivia justamente nos Poiais, ao pé da Ricoça.

- Qual não convém! exclamou o pároco. Que tem que viva na Ricoça?... Em a rapariga convalescendo as senhoras vêm para a cidade, e não se fala mais na Ricoça.

Mas a Dionísia procurava ainda, arranhando devagar o queixo. Também sabia de outra. Essa morava para o lado da Barrosa, a boa distância... Criava em casa, era o seu ofício... Mas nessa nem falar!

- Mulher fraca, doente?

A Dionísia chegou-se ao pároco, e baixando a voz:

- Ai, menino, eu não gosto de acusar ninguém. Mas, está provado, é uma tecedeira de anjos!

- Uma quê?

- Uma tecedeira de anjos!

- O que é isso? Que significa isso? perguntou o pároco.

A Dionísia gaguejou-lhe uma explicação. Eram mulheres que recebiam crianças a criar em casa. E sem exceção as crianças morriam... Como tinha havido uma muito conhecida que era tecedeira, e as criancinhas iam para o Céu... Daí é que vinha o nome.

- Então as crianças morrem sempre?

- Sem falhar.

O pároco passeava devagar pelo quarto, enrolando o seu cigarro.

O Crime do Padre Amaro (1875)Onde histórias criam vida. Descubra agora