Capítulo Dois

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     Ainda trêmula por conta da adrenalina, subi pela longa escada em espiral, até chegar aos aposentados no alto da torre. Desta vez não me preocupei em fazer silêncio. Tirei a bolsa de viajem do ombro e desabei no sofá. Havia algumas folhas em meus cabelo, e tirei-as.
    - Bianca? - minha mãe veio do quarto dela, atendo o cinto do roupão. Ela sorriu sonolenta para mim. Você levantou cedo para dar uma volta querida?
    - Sim - suspirei. Já não via motivo para criar uma cena dramática.
    Meu pai veio em seguida. Ele abraçou minha mãe por trás carinhosamente.
    - Não consigo acreditar que nossa garotinha já está na escola Noite Eterna.
    - Aconteceu tudo tão rápido - ela suspirou. - Quanto mais velha a gente fica, mais rápido acontece.
    - Eu sei - ele abanou a cabeça.
    Dei um gemido. Eles falavam assim o tempo todo, e levávamos na brincadeira o quando aquilo me irritava. Meus pais apenas sorriam ainda mais.
    Eles parece novos demais para serem seus pais, é o que todo mundo dizia na cidadezinha onde nasci. O que eles de fato queriam dizer era bonitos demais. as duas coisas eram verdadeiras.
    O cabelo dela era cor de caramelo; o dele, de um vermelho tão escuro que parecia quase preto. Meu pai tinha estatura média, mas era musculoso e forte; ela era miúda em todos os aspectos. O rosto de minha mãe era suave e oval como um camafeu antigo; meu pai tinha uma mandíbula quadrada e um nariz que sugeria que ele havia se metido em algumas brigas na juventude, mas em seu rosto aquele nariz ficava bem. Eu? Eu tinha cabelo vermelho que só podia parecer vermelho, e pele tão pálida que parecia desbotada. Em cada lugar onde meu DNA deveria ter girando para a direita, ele ia para esquerda. Meus pais me diziam que com a idade eu mudaria, mas esse é o tipo de coisa que todos os pais dizem.
    - Vou lhe dar seu café da manhã - disse minha mãe, indo para a cozinha. - Ou você tomou algo?
    - Não, ainda não - percebi que não teria sida uma má ideia alimentar-me antes da grande escapada. Meu estômago estava zanzando pela floresta, morrendo de fome e com uma longa caminhada até Riverton pela frente. Beleza de plano de fuga.
    A lembrança de Lucas derrubando-me é nós dois rolando sobre as folhas secas cruzou minha mente. Na hora eu tinha ficado aterrorizada, e agora tremia ao recordar, mas com um tipo de sensação totalmente diferente.
    - Bianca - a voz de meu pai soou severa, é levantei os olhos me sentindo culpada. Será que de alguma forma ele tinha adivinhado meus pensamentos? Na mesma hora percebi que estava sendo paranoica, mas era evidente a seriedade dele ao sentar-se ao meu lado.
    - Sei que não está nada feliz com isso, mas a Noite Eterna é importante para você.
    Era o mesmo tipo de discurso que ele usava antes de me dar xarope contra a tosse quando eu era criança.
    - Eu realmente não estou a fim de ter essa conversa de novo bem agora.
    - Adrian, deixe-a em paz - minha mãe me passou um copo antes de voltar para a cozinha, de onde eu podia ouvir algumas coisa chiando na frigideira. - Além do mais, se não nos apressarmos vamos nos atrasar para o encontro do corpo docente antes da orientação.
    Ele olhou o relógio e gemeu.
    - Por que eles marcam tão cedo essas coisas? Não é possível que alguém possa querer fazer isso a está hora.
    - Eu sei - ela murmurou. Para meus pais, qualquer hora antes do meio-dia era cedo demais.            Eles deram aula durante toda a minha vida, travando sempre uma batalha interminável contra as oitos da manhã.
    Enquanto eu tomava o café da manhã, eles se arrumaram, fizeram umas piadinhas tentando me animar e me largaram sozinha à mesa. Por mim, tudo bem. Já fazia tempo que eles haviam descido, os ponteiros do relógio estavam cada vez mais próximos da hora da orientação, e eu ainda estava ali sentada. Acho que estava fingindo que, enquanto a refeição não terminasse, não poderia ir ao encontro daquele monte de gente que não conhecia.
    O fato de que Lucas também estaria lá embaixo - uma face amiga, um protetor - ajudava um pouco. Mas não muito.
    Finalmente, quando já não podia mais adiar, fui para meu quarto e vesti o uniforme da Noite Eterna.
    Eu o odiava. Nunca tivera de usar um antes. Mas o pior foi que voltar para o quarto me fez lembrar o estranho sonho daquela noite.
    Camisa branca engomada.
    Os espinhos ferindo-me a pele, arranhando-me, dizendo-me para recuar.
    Saia xadrez vermelha.
    As pétalas retorcendo-se e ficando negras como se estivessem queimado no fogo.
    Um suéter cinza com o brasão da Noite Eterna.
    Tá legal, uma boa hora para parar de ser tão mórbida? Mais ou menos agora.
    Decidida a agir como uma adolescente normal ao menos no primeiro dia do ano letivo, examine meu reflexo no espelho. O uniforme não parecia um horror em mim, mas também não estava demais. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo, removi um raminho que não virá antes e decidi que precisavam me contentar com minha aparência.
    A gárgula ainda me encarava, como se imaginasse como é que alguém podia parecer tão desajeitado. Ou então estava debochando do fracasso total do meu plano de fuga. Pelo menos eu não ia ter mais que olhar sua cara horrorosa de pedra. Endireitei os ombros e sai do quarto - pela ultima vez, na verdade. De agora em diante, ele já não era mais meu.
    Eu havia morado naquele apartamento com meus pais pelo último mês, e isso me dera tempo para explorar praticamente toda a escola: o salão principal e as salas de conferência no primeiro andar, e também as duas enormes torres que se erguiam lateralmente ao prédio principal. Os rapazes ficavam na torre norte, junto com uma parte dos professores e mais uma ou duas salas empoeiradas, cheias de arquivos, que devia ser onde os registros permanentes iam parar. As meninas ficavam na torre sul, junto com o resto dos aposentos dos professores, incluindo a da minha família. Os andares superiores do prédio principal, acima do salão principal, abrigavam as salas de aula e a biblioteca. A Noite Eterna fora se expandindo e recebendo anexos com o passar dos anos; por isso nem todas as suas seções tinham o mesmo estilo ou combinavam com a parte mais antiga. Haviam corredores que viravam e se torciam e às vezes não davam em lugar algum. Do meu quarto na torre eu podia ver o telhado lá embaixo, uma colcha de retalhos de arcos, telhas e estilos diferentes. Eu havia explorado o edifício e aprendido a me orientar nele; foi a única forma que encontrei de me preparar para o que estava por vir.
    Comecei a descer as escadas de novo. Não importava quantas vezes eu o fizesse, sempre tinha a impressão de que ia cair e rolar pelos degraus duros e irregulares, até lá embaixo. Sua tonta, disse para mim mesma, preocupar-se com pesadelos de flores murchas ou com uma queda nas escadas. Algo muito mais aterrorizante me esperava.
    Cheguei ao salão principal. Mais cedo, era silencioso como uma catedral. Agora estava apinhado de gente, cujas vozes ecoavam. Apesar da tremenda algazarra, parecia que meus passos reverberavam pelo aposento; dezenas de rostos se viraram para mim ao mesmo tempo. Cada um dos presentes parecia estar olhando a intrusa. Era como se eu tivesse um néon luminoso pendurado no pescoço, dizendo NOVATA.
    Os alunos formavam rodinhas fechadas demais para que um recém-chegado pudesse entrar, seus olhos sombrios e rápidos me inspecionando. Era como se pudessem ouvir o tamborilar assustado do meu coração. Para mim, pareciam todos iguais, não de uma forma óbvia, mas em sua perfeição compartilhada. O cabelo de cada menina brilhava, fosse numa cascata caindo pelos ombros ou preso num coque caprichado. Os rapazes todos pareciam confiantes e fortes, com sorrisos que serviam de máscaras. Todos usavam uniforme, com suéteres, saias, casacos e calças em todas as variações aceitáveis: cinza, vermelho, xadrez, negro. Todos usavam o brasão de corvos, ostentando-o como se fossem seus donos. Deles emanava autoconfiança, e superioridade, e desdém. Eu podia sentir o calor sendo drenado de mim, enquanto me mantinha na periferia da multidão, mudando o peso do corpo de um pé para o outro.
    Ninguém me cumprimentou.
    O burburinho recomeçou de novo daí um instante. Pelo jeito, novatas abobadas não mereciam mais do que segundos de atenção. Minhas faces estavam vermelhas de vergonha, porque pelo visto já tinha feito algo errado, mesmo não sabendo o quê. Ou será que eles já sentiam, como eu sentia, que este não era de fato meu lugar?
    Cadê Lucas? Estiquei o pescoço, procurando-o na multidão. Eu já sentia que poderia encarar a situação se ele estivesse do meu lado. Talvez fosse maluquice sentir aquilo por um sujeito que mal conhecia, só que eu não ligava. Lucas tinha de estar ali, mas eu não o achava. No meio de tanta gente, sentia-me totalmente só.
    Enquanto me movia aos poucos para um canto afastado, comecei a perceber que havia alguns alunos na mesma situação que eu - ou ao menos que também eram novatos. Havia um rapaz bem loiro, com um bronzeado de praia, usando um uniforme tão amarrotado que parecia ter dormido com ele; bom, ser superinformal não te fazia mais popular por aqui. Ele vestia uma camisa "havaiana" aberta por cima do suéter, mas por baixo da casaco; suas cores berrantes pareciam quase desesperadas no ambiente deprimente da Noite Eterna. Uma garota tinha cabelo negros tão curto que mais parecia um menino, mas não num estilo bonitinho, gracioso; era como se tivesse usado uma navalha para cortá-lo de qualquer jeito. Seu uniforme pendia deselegante, dois números a mais. Os outros se afastavam dela como se alguma força misteriosa os repelisse. Ela bem podia ser invisível; antes mesmo da primeira aula, já havia sido marcada como insignificante.
    Como eu sabia disso? Porque acabava de acontecer comigo também. Eu estava aprisionada nos limites da multidão, intimidada por seu barulho, diminuída pelas paredes de pedra e totalmente desorientada.
    - Atenção, todos!
    A voz soou e o barulho de imediato terminou. Todos nos viramos para o lado do salão onde a Sra. Bethany, diretora, havia subido ao palanque.
    Era uma mulher alta, com cabelos escuros abundantes presos no topo da cabeça, como alguém de era vitoriana. Eu não podia calcular sua idade. Um broche dourado fechava a gola da blusa toda debruada com rendas. Se uma pessoa tão austera pode ser chamada de bela, então ela era. Eu a conhecera ao mudar-me com meus pais para os aposentos dos professores; na hora fiquei um pouco assustada com ela, mas disse a mim mesma que era só porque havia acabado de conhecê-la.
     Ela estava ainda mais imponente agora, se isso era possível. da forma como a vi, conquistando sem esforço a atenção do salão lotado de gente - essa mesma gente que num acordo silencioso me rejeitara antes mesmo que eu abrisse a boca-, percebi que a Sra. Bethany tinha poder. Não apenas o poder que o cargo de diretora lhe confere, mas o verdadeiro poder, aquele que vem dentro.
    - Bem-vindo à Noite Eterna - ela estendeu as mãos. Tinha unhas longas e translúcidas. - Alguns de vocês já estiveram aqui antes. Outros devem ter ouvido falar na escola Noite Eterna durante anos, talvez de suas próprias famílias, e perguntaram a si mesmos se algum dia ingressariam em nossa escola. Este ano temos novos alunos, como resultado da mudança em nossa política de admissões. Achamos que é hora de nossos alunos conhecerem uma gama mais ampla de pessoas, de origens mais variadas, para melhor se prepararem para o mundo lá fora. Aqui todos têm muito a aprender entre si, e estou certa de que tratarão uns aos outros com o devido respeito.
    Ela podia muito bem ter pintado um cartaz com enormes letras vermelhas, ALGUNS DE VOCÊS NÃO DEVIAM ESTAR AQUI. A "nova política de admissões" com certeza era responsável pela presença da surfistinha e da menina de cabelo curto; eles não eram estudantes "de verdade" da Noite Eterna. Estavam aqui como uma experiência de aprendizado para a turminha da casa.
    Eu não fazia parte da nova política. Se não fosse por meus pais, eu não estaria aqui. Em outras palavras, eu não servia nem mesmo para ser uma rejeitada.
    - Na Noite Eterna, não tratamos os alunos como crianças - a Sra. Bethany não olhava para ninguém em particular. Parecia olhar por cima de nós, um tipo de olhar distante que conseguia, no entanto, abarcar tudo em seu campo de visão. - Você vieram aqui para aprender a agir como adultos em pleno século vinte e um, e é assim que esperamos que se comportem. Isso não significa que a Noite Eterna não tem regras. Na posição em que nos encontramos, devemos manter a mais estrita disciplina. Esperamos muito de vocês.
    Ela não disse qual a punição em caso de transgressões, mas imaginei que ter tarefas depois da aula não seria o pior castigo.
    As palmas das minhas mãos transpiravam. Sentia o rosto queimar, e provavelmente eu me destacava no meio daquela gente como um foguete de sinalização. Tinha me prometido que seria forte e não me deixaria afetar pela multidão, mas só ficou na promessa. O teto alto e as paredes do salão pareciam se fechar sobre mim. Eu ainda tinha a sensação de não conseguir respirar direito.
    Minha mãe deu um jeito de atrair minha atenção sem acenar nem chamar meu nome, uma dessas coisas que só as mães conseguem.
    Ela e meu pai estavam em pé na extremidade da fileira de professores, e ambos sorriam para mim, encorajando-me. Queriam me ver curtindo o momento.
    Aquela esperança deles me machucou. Já era difícil lidar com meu medo sem ter que lidar com a decepção deles.
    A Sra. Bethany concluiu:
    - As aulas começarão amanhã. Por hoje, instalem-se em seus quartos, conheçam os novos colegas e ambientem-se. Confiamos em que estejam preparados. Estamos feliz por tê-los aqui e esperamos que tirem o máximo proveito enquanto frequentarem a Noite Eterna.
    Aplausos encheram a sala, e Sra Bethany agradeceu, sorrindo levemente e fechando os olhos, num piscar de lentos e satisfeito de um gato bem alimentado. Então o burburinho recomeçou, mais alto que antes. Só havia uma pessoa com quem eu queria conversar; ainda bem, pois pelo visto era a única com algum interesse em conversar comigo.
    Dei a volta no salão, sempre pelos cantos, mantendo-me de costas para parede. Examinei ansiosa a multidão, tentando ver o cabelo castanho-claro de Lucas, seus ombros largos, os olhos verde-escuros. Se eu o procurava e ele me procurava, em breve teríamos que nos encontrar. Apesar de meu medo a aglomerações, e minha tendência a exagerá-las, eu sabia que não havia aqui mais do que uns duzentos alunos.
    Deve ser fácil localizá-lo, disse a mim mesma. Ele não é como todos esses ai, antipáticos, metidos e orgulhosos. Mas logo percebi que não era verdade. Lucas não era metido, mas tinha o mesmo tipo de beleza perfeita, o mesmo corpo bem formado, e a mesma, bem, perfeição. Ele não se destacaria muito no meio dessa multidão bonita; ele seria parte natural dela.
    Ao contrário de mim.
    Aos poucos a multidão foi sumindo, à medida que os professores saíam e os alunos se dispersavam. Fiquei por lá até ser praticamente a única no salão principal. Com certeza Lucas me procuraria. Ele sabia como eu estava apavorada e sentia-se responsável por ter me assustado ainda mais. Ia querer dizer oi, não ia?
    Mas não o fez. No fim, tive que aceitar que não o veria. Assim, não havia nada a fazer senão ir conhecer minha companheira de quarto.
    Subi devagar a escada de pedra, as solas duras dos meus sapatos novos fazendo um claque-claque alto demais. Minha vontade era continuar subindo direto até o alto, de volta para o apartamento de meus pais, mas, se o fizesse, eu sabia que me mandariam de volta no ato. Depois do jantar eu teria tempo suficiente para pegar minhas coisas e me mudar de vez. No momento, a prioridade era "ambientar-me".
    Tentei ver a coisa pelo lado bom. Quem sabe minha companheira de quarto estivesse tao assustada com a escola quando eu. Lembrei-me da menina de cabelo supercurto e torci para que fosse ela. Se eu dividisse o quarto com outra "rejeitada", as coisas seriam mais fáceis . Seria uma tortura conviver com uma estranha, ter alguém desconhecido por perto o tempo todo, ate durante o sono, mas tinha esperança de que com o tempo essa sensação passasse. Nem me atrevia a ter a esperança de que nos tornássemos amigas.
    Patrícia Deveraux, estava escrito na ficha. Tentei casar o nome com a garota do cabelo curto, não consegui. Só que tudo era possível.
    Abri a porta e constatei, decepcionada, que o nome da minha companheira de quarto casava direitinho com ela. Não era de forma alguma outra "rejeitada".pelo contrario, era a perfeita personificação do aluno Noite Eterna.
    A pele de Patricia tinha a cor de um rio ao nascer do sol, um marrom adorável e suave, e seus cabelos encaracolados estava presos, deixando ver brincos de perola e seu pescoço delgado. Estava sentada diante da penteadeira, colocando os vidros de esmalte numa fileira caprichada, que continuou a arrumar enquanto me olhava.
    - Então você e a Bianca - disse. Nem aperto de mão, nem abraço, só o barulhinho de cada esmalte sendo colocado na mesa: rosa-claro, coral, salmão, branco. - Você não e como eu esperava.
    Nossa, valeu mesmo.
    - Você também não.
    Patricia inclinou a cabeça, me avaliando, e imaginei se já nos odiávamos. Ergueu a mão perfeitamente manicurada e começou a enumerar regras.
    - Você pode pegar emprestados meus perfumes, mas não as roupas ou as joias - ela não mencionou pegar emprestadas minhas coisas, mas estava obvio que jamais ia querer isso. - Planejo estudar principalmente na biblioteca, mas se quiser estudar aqui me avise, e irei conversar com minhas amigas em em outro lugar. Você me ajuda com as matérias nas quais e boa, e eu farei o mesmo por você Tenho certeza de que vamos aprender muito uma com a outra. Parece justo?
    - Com certeza.
    - Então esta certo. Vamos nos dar bem.
    Se ela tivesse se fingido de amiguinha logo de cara, acho que teria me intimidado mais. Do jeito que foi, senti-me um pouco reconfortada por Patrícia ser tao pratica.
    - Que bom que você acha isso - disse eu. - sei que somos... diferentes.
    Ela não me contradisse.
    - Dois dos professores daqui são seus pais, não e?
    - É. Parece que essas noticia se espalham rápido.
    - Você vai estar bem.Eles vão tomar conta de você.
    Tentei sorrir e torci para ela estar certa.
    - Você já esteve aqui antes?
    - Não. É a primeira vez. - Patrícia disse isso como se, para ela, mudar todo o estilo de vida fosse tao simples quanto calçar um novo par de sapatos de grife.- Este lugar é lindo, você não acha?
    Deixei minha opinião sobre a arquitetura da escola fora da conversa.
    - Mas você disse que tem amigas aqui.
    - Bem, é claro - seu sorriso era tão delicado quando tudo o mais nela, do brilho labial cor de pêssego ao perfume e aos vidros de esmalte todos enfileirados na penteadeira. - Courtney e eu nos conhecemos na Suíça no inverno passado. Vidette era minha amiga na época em que fiquei em Paris. E Genevieve e eu passamos um verão juntas no Caribe, acho que foi em Saint Thomas. Ou foi na Jamaica? Nunca lembro direito esses detalhes.
    Minha cidadezinha caipira parecia mais sem graça do que nunca.
    - Então todas vocês frequentam os mesmos círculos.
    - Mais ou menos - só então Patricia notou como eu estrava sem jeito.- Com o tempo vão ser os seus círculos também.
    - Queria eu ter tanta certeza.
    - Vão sim, você vai ver - ela vivia num mundo em que intermináveis verões tropicais eram o direito de qualquer um. Nao conseguia imaginar ser um dia parte dele. - E você, conhece alguém aqui alem dos seus pais?
    - Só as pessoas que conheci hoje de manha - isso incluía Lucas e Patricia, num total de duas.
    - Você terá muito tempo para fazer amigos - disse Patricia, animada, enquanto guardava mais pertences: echarpes de seda cor de marfim, lingerie em tons perolados. Onde ela pretendia ir tao elegante? Talvez achasse inconcebível viajar sem estas coisas. - Ouvir dizer que a Noite Eterna é um ótimo lugar para conhecer rapazes.
    - Conhecer rapazes?
    - Você já tem alguém?
    Quis contar a ela sobre Lucas, mas não podia. O que quer que tivesse acontecido entre nos na floresta, significava algo, mas meus sentimentos eram recentes demais para compartilhar.
    - Nao deixe nenhum namorado em minha cidade quando sai de la - foi tudo o que disse. Eu conhecia todos os rapazes da minha velha escola desde pequena e me lembrava de quando brincavam com blocos de montar e melecavam meu cabelo com massinha. Ficava meio difícil me apaixonar por algum deles.
    - Namorado - os lábios dela se curvaram para cima, como se a palavra lhe soasse a criancice. Mas Patrícia não estava debochando de mim.Eu era apenas nova e inexperiente demais para que me levasse a serio.
    - Patrícia? É a Courtney - uma garota bateu a porta, já abrindo-a e entrando no quarto, com a certeza de que seria bem-vinda. Era ainda mais bonita que Patricia, com cabelos louros que batiam quase na cintura e lábios carnudos do tipo que eu só tinha visto em atrizes de TV, daquelas que podiam pagar por coisas como colágeno. A mesma saia que pendia desconjuntada sobre os meus joelhos fazia as pernas dela parecerem ter um quilômetro de comprimento. - Ah, seu quarto é muito melhor quer o meu. Adorei!
    Os quartos eram na verdade todos muitos parecidos - um quarto de dormir grande o suficiente para duas pessoas, com camas brancas de ferro fundido e penteadeiras de madeira com entalhes por todo lado. A janela abria-se para uma das arvores que cresciam próximas a Noite Eterna, mas eu não via nada de especial no quarto.
    - Estamos mais perto dos banheiros!
    Courtney e Patrícia me olharam como se eu tivesse sido grosseira. Sera que eram refinadas demais para admitirem que precisávamos de banheiros?
    Envergonhada, continuei.
    - Eu nunca, hã, dividi o banheiro antes. Quer dizer, dividi com meus pais, mas não com...                  Quantas, doze garotas dividindo cada banheiro? Vai ser uma loucura de manhã.
    Essa era a deixa para elas concordarem e reclamarem a respeito. Em vez disso, Courtney continuou me examinando, curiosa. Conclui que a curiosidade dela era normal, mas desejei que ela dissesse algo. Ela me olhava com olhos apertados, um olhar mais ameaçador que o da maioria dos desconhecidos.
     - Esta noite vamos nos reunir lá fora - disse para Patrícia, não para mim. - Para comer. Tipo um piquenique.
     Na escola Noite Eterna as refeiçoes deviam ser feitas nos quartos dos alunos. A explicação dada era de que se tratava de uma "tradição", a maneira como as coisas eram feitas nos velhos tempos, antes que pensassem em inventar a lanchonete. Os pais mandavam pacotes para reforçar a espartana porcão de alimentos entregues toda semana em cada quarto. Isso queria dizer que eu devia aprender a cozinhar no pequeno microondas dado por meus pais. Patrícia obviamente não se preocupava com problemas tao mundanos.
    - Parece divertido. Você não acha, Bianca?
    Courtney lançou-lhe um olhar duro; pelo jeito o convite não era aberto.
    - Desculpe - eu disse. - Meus pais me esperam para jantar. Mas obrigada pelo convite.
    Os lábios exuberantes de Courtney pareciam quase demoníacos quando se torciam num sorriso de desdem.
    - Você ainda fica pendurada em papai e mamãe? Por que, eles ainda te dão mamadeira?
    - Courtney - Patricia a repreendeu, mas deu para perceber que achava graça.
    - Você tem que ver o quarto da Gwen - Courtney começou a puxar Patricia para fora do quarto.      - Escuro e lúgubre. Ela diz que bem poderia ser uma masmorra.
    Elas se foram, e qualquer conexão tênue que eu tivesse criado com Patricia se quebrou num instante. Suas risadas ecoaram pelo corredor. Com o rosto ardendo, fugi de meu novo quarto e do andar dos alojamentos e corri escada acima, indo buscar refugio no apartamento de meus pais.
    Para minha surpresa, deixaram-me entrar sem criar caso. Nem sequer me perguntaram por que havia vindo tao cedo. Em vez disso, minha mãe me abraçou forte, e meu pai disse:
    - Confira sua bagagem, esta bem? Ainda há coisas para você arrumar, mas já demos uma adiantada.
    Fiquei tao agradecida que quase chorei. Fui para meu quarto, louca por um pouco de paz e tranquilidade em algum lugar seguro.
    Só algumas roupas de inverno continuavam penduradas em meu armário. Todo o resto tinha sido acomodado na velha arca de couro de meu pai. Uma inspeção de minha sacola de viagem revelou maquiagem, Fivelas, xampu e todo o resto arrumadinho dentro dela. A maior parte de meus livros ficaria; eu tinha livros demais para as poucas prateleiras do dormitório. Mas meus favoritos tinham sido separados para eu levar: Jane Eyre, O morro dos ventos uivantes, meus livros de astronomia. A cama estava feita, e sobre um dos travesseiros havia um pacote de coisas para eu pendurar nas paredes, como os cartões-postais que os amigos tinham me mandado ao longo dos e algumas cartas astronômicas que eu colocara nas paredes de nossa antiga casa. Mas algo novo havia sido pendurado neste quarto, como uma declaração de meus pais de que esta ainda era minha casa: uma reprodução pequena e emoldurada de O beijo, de Klimt. Meses antes, vi essa gravura numa loja e fiquei encantada, e pelo visto eles a compraram como uma surpresa para mim no primeiro dia na escola nova.
    De inicio, senti apenas gratidão pelo presente. Depois não consegui tirar os olhos da gravura nem me livrar da impressão de nunca te-la visto de verdade antes.
    O beijo era uma de minhas obras favoritas. Sempre amei Klimt, desde os dias em que minha mãe começou a me mostrar seus livros de arte. Encantava-me o modo como ele ornamentava cada espaço da tela e cada espaço da tela e cada linha, e gostava da beleza dos rostos pálidos que emergiam das imagens caleidoscópicas criadas por ele. Mas agora a imagem estava diferente para mim. Nunca prestara muita atenção na forma como o casal se inclinava um para o outro - o homem curvado-se para baixo, como se alguma força inexorável o atraísse para mulher. A cabeça dela dobrava-se para trás, em transe, cedendo a força da gravidade. Os lábios rubos pareciam escuros contra a palidez da pele. O mais fascinante de tudo - o fundo cintilante do quadro - não parecia mais estar separado do homem e da mulher. Era agora uma nevoa poderosa e cálida, o amor deles tornado visível, transformando em ouro o mundo a seu redor.
    O cabelo do homem era mais escuro que o de Lucas, mas ainda assim eu tentava imaginar-lo ali. Meu rosto queimava de novo, outra vez estava ruborizada, mas agora era outro tipo de rubor.
    Voltei de súbito para o aqui e agora; sentia-me como se tivesse adormecido e começado a sonhar. Passei a mão pelos cabelos, arrumando-os, e respirei fundo algumas vezes. Ouvi a melodia de "String of Pearls", de Glenn Miller, tocando no toca-discos. Musica de Big Band sempre queria dizer que meu pai estava de bom humor.
    Não pude conter um sorriso. Pelo menos um de nos gostava da escola Noite Eterna.
    Quando finalmente terminei de empacotar minhas coisas, já era quase hora do jantar. Fui para a sala, onde a musica ainda soava, e encontrei meus pais dançando, meio que de gozação. Meu pai franzia os lábios, bancando o sedutor, e minha mãe segurava com uma das mãos a barra de sua saia preta.
    Ela rodopiou nos braços dele e ele a inclinou para trás. Ela dobrou a cabeça quase ate tocar o piso, e então me viu.
    - Querida, você esta ai - disse ela, ainda de cabeça para baixo, e então meu pai a endireitou. - Já terminou de arrumar suas coisas?
     Eles sorriram um para o outro, aliviados por terem me alegrado, ao menos um pouquinho.
     - Temos um tremendo banquete esta noite - meu pai acenou com a cabeça em direção à mesa. - Sua mãe se superou.
     Minha mãe não costumava cozinhar grandes refeiçoes. Aquela noite definitivamente era uma ocasião especial. Ela tinha feito todos meus pratos favoritos, muito mais do que eu conseguiria comer. Percebi que estava faminta porque tinha me esquecido de almoçar; e, durante a primeira parte do jantar, meus pais tiveram de conversar entre si, pois meu apetite manteve minha boca cheia demais para que eu pudesse falar.
    - A senhora Bethany disse a reforma dos laboratórios finalmente terminou -falou meu pai entre dois gole de seu copo. - Espero ter a chance de vê-los antes dos alunos. Pode haver equipamentos tao modernos que não sei como funcionam.
    - É por isto que dou aula de Historia - retrucou minha mãe. - O passado não muda, só fica mais longo.
    - Vocês vão me dar aula? - disse eu, com a boca cheia.
    - Engula sua comida - a ordem de meu pai pareceu automática. - Espere e descubra amanhã, junto com os outros.
    - Ah. Tudo bem - não era do feitio dele me contar daquele jeito, e fiquei chateada.
    - Nao podemos criar o costume de dar-lhe muita informação extra - disse minha mãe, de forma mais efetuosa. - Você precisa ter o máximo possível em comum com os outros alunos, sabe?
    Ela tentou dizer aquilo de uma forma leve, mas mesmo assim me atingiu pesado.
    - Com quem aqui tenho que ter algo em comum? Com esse pessoal cujas famílias frequentam a Noite Eterna há seculo? ou as pessoas de fora, que estão mais deslocadas do que eu? Com que grupo tenho que parecer?
    - Bianca, seja razoável - suspirou meu pai. - Discutir tudo isso de novo não leva a parte alguma.
    Eu já devia ter deixado para la, mas não pude.
    - Tudo bem, eu sei. Viemos pra cá "para meu próprio bem". Como é que abandonar nossa cidade e todos os meus amigos me faz bem? Expliquem outra vez, porque eu ainda não entendi direito.
    Minha mãe colocou sua mão sobre a minha.
    - É bom porque você quase nunca saiu de Arrowwood. Porque nem mesmo de nosso bairro você saia, a menos que a forçássemos. E porque o punhadinho de amigos que você tinha la não poderiam ampara-la para sempre.
    Tudo aquilo fazia sentido, e ela sabia.
    Meu pai pousou seu copo sobre a mesa
    - Você deve aprender a adaptar-se às mudanças e precisa tornar-se mais independente. Essas são as habilidades mais importantes que sua mãe e eu podemos ensinar-lhe. Você não vai ser nossa garotinha para sempre, Bianca, não importa o quanto queiramos isso. Esta é a melhor forma de prepará-la para ser a pessoa em que vai se transformar.
    - Parem de fingir que tudo isto tem a ver com torna-me adulta - disse eu . - Não é, e vocês sabem disso. Tem a ver com o que vocês querem para mim, e vocês estão decididos a fazer o que querem, quer eu goste ou não.
    Levantei-me e sai da mesa. Em vez de ir pegar meu moletom no quarto, passei a mão no casaco de minha mãe, que pendia do cabideiro, e o vesti sobre minha roupas. Mesmo no inicio do outono, fazia frio nos arredores da escola.
    Meus pais não perguntaram aonde eu ia. Era uma velha regra de nossa família: qualquer um que estivesse a ponto de zangar-se saia para uma caminhada, dando um tempo na discussão, e ao retornar dizia o que de fato tinha em mente. por mais irritados que estivéssemos, sempre ajudava.
    Na verdade, quem criou essa regra fui eu. Invengei-a quando tinha nove anos, de forma que não era de fato minha maturidade o que estava em questão.
    Minha inquietação com o mundo, minha completa convicção de que de fato não havia nele lugar para mim, não era coisa de adolescente. Era parte de mim, e sempre havia sido. Talvez sempre fosse.
    Enquanto caminhava pelo gramado que cercava a escola, olhei ao meu redor, perguntando-me se encontraria Lucas na floresta de novo. Era uma ideia idiota. Por que ele passaria todo seu tempo lá fora? Mas sentia-me muito sozinha e precisava disso. Erguendo-se sombria detrás de mim, a escola Noite Eterna mais parecia um castelo que um internato. Era possível imaginar princesas aprisionadas em celas, príncipes combatendo dragões nas sombras, bruxas malévolas protegendo as portas com feitiços. Nunca detestei tanto os contos de fadas.
    O vento mudou de direção e trouxe um fragmento de som, risadas vindas da direção do pequeno pavilhão no jardim oeste. Sem duvida era o pessoal do piquenique. Acomodei melhor o casaco ao meu redor e entrei na florestas - não para leste, rumo à estrada, na direção em que correra de manhã, mas para o norte, rumo ao pequeno lago que lá havia.
    Era tarde e estava escuro demais para ver qualquer coisa, mas eu curtia o som do vento por entre as arvores, o cheiro refrescante dos pinheiros e o ulular de uma coruja, não muito longe. Concentrando-me em minha respiração, parei de pensar no piquenique, na Noite Eterna ou em qualquer outra coisa. Queria apenas perder-me no momento.
    Sobressaltei-me ao ouvir passos próximos. Lucas, pensei, mas era meu pai, com as mãos nos bolsos, vindo pela mesma trilha em que eu estava. É claro que ele era capaz de me achar.
    - Essa coruja esta bem perto. Não sei como não se assustou conosco.
    - Deve estar sentindo cheiro de comida. Ela não ira embora se existir a possibilidade de uma refeição.
    Como se confirmado minhas palavras, um bater de asas pesado e rápido balançou os ramos acima de nos, e a silhueta escura da coruja arremeteu rumo ao chão. Um guincho terrível revelou que um camundongo ou esquilo acabara de virar seu jantar. A coruja voou para longe rápido demais para que a víssemos. Meu pai e eu apenas acompanhamos toda a cena. Eu sabia que deveria admirar a habilidade de caça da coruja, mas não pude evitar sentir pena do camundongo.
    - Desculpe-me se fui áspero aquela hora - disse meu pai. - Você é uma jovem bastante madura, e eu não devia ter insinuando o contrario.
    - Tá tudo bem. Eu meio que exagerei. Sei que não adianta mais discutir sobre nossa vinda pra cá.
    Meu pai sorriu como carrinho.
    - Bianca, você sabe que sua mãe e eu jamais imaginamos que pudéssemos ter você.
    - Eu sei - Por favor, pensei, não me venha de novo com essa historia de "crianças milagrosa".
    - Quando você entrou em nossas vidas, nos nos dedicamos a você. talvez tenhamos exagerando. E a culpa é nossa, não sua.
    - Papai, não - eu adorava quando estávamos em família, só nos três, sozinhos no mundo. - Não fale disso como se fosse algo ruim.
    - Não é ruim, não - ele parecia triste, e pela primeira vez perguntei-me se ele também não estava descontente com a situação. - Mas tudo muda, queria. Quanto mais cedo você aceitar, melhor sera para você.
    - Eu sei. Desculpe se ainda fico alterada por causa disso - meu estomago roncou, e eu franzi o nariz enquanto perguntava, esperançosa. - Sera que eu posso esquentar de novo meu jantar?
    - Desconfio que sua mãe já cuidou disso.
    Ele estava certo. Pelo resto da noite, nos nos divertimos. Conclui que eu precisaria aproveitar e me divertir enquanto pudesse. Tommy Dorsey tomou o lugar de Glenn Miller, e depois deu a vez a Ella Fitzgerald. Conversamos e fizemos piadas sobre assuntos no geral bem bobos - filmes e televisão, todas aquelas coisas às quais meus pais não prestariam a minima atenção se não fosse por mim. Uma ou duas vezes, eles tentaram fazer graça sobre a escola.
    - Você vai conhecer algumas pessoas incríveis - prometeu minha mãe.
    Fiz que não com a cabeça, pensando em Courtney. Ela já era, definitivamente, uma das pessoas menos incríveis que eu já conhecera.
    - Você não pode ter certeza - respondi.
    - Posso e tenho.
    - O que, você agora consegue prever o futuro? - provoquei.
    - Amor, você não tem me contado tudo - disse meu pai, levantando-se para trocar de disco. Ele ainda tinha toda a sua coleção de musica em vinil. - O que mais a vidente previu? Quero saber.
     Minha mãe entrou na brincadeira, colocando as pontas dos dedos nas têmporas, como uma cigana que lê a sorte.
    - Creio que Bianca vai conhecer... garotos.
    O rosto de Lucas apareceu de relance em minha mente, e as batidas de meu coração se aceleraram de imediato. Meus pais trocaram um olhar. Sera que do outro lado da sala eles podiam ouvir o rugido de minha pulsação? Quem sabe.
    Tentei fazer piada.
    - Espero que sejam uns gatos.
    - Não tao gatos - opôs-se meu pai, e todos nos rimos. Meus pais acharam engraçado. Eu tentava disfarçar o fato de que sentia um frio estranho na barriga.
    Era esquisito não contar a eles sobre Lucas. Sempre lhes contei quase tudo sobre minha vida. Mas Lucas era diferente. Falar sobre ele quebraria o encantamento. Queria que ficasse em segredo por mais algum tempo. Dessa forma, poderia guardá-lo para mim
     Eu já desejava que Lucas fosse só meu.

NOITE ETERNA                    DE CLAUDIA GRAYOnde histórias criam vida. Descubra agora