A Bruxa

Capítulo 18

   Meu queixo foi ao chão quando vi um Austin-Healey 3000 preto e cintilante, nunca imaginei que veria um desses na minha vida além das telas. E quando Alec abriu a porta do motorista, fiquei sem reação. Não tratava apenas de um carro velho como minha mãe costumava dizer, era um modelo esportivo dos anos 60! Uma máquina belíssima!

Não sou tão fascinada por carros assim, tanto que quase não conheço nada sobre eles, mas tenho um certo encanto por modelos antigos. Na verdade, tudo antigo me fascina. Adoro ver os objetos, casas e roupas de outra época, parece um mundo diferente ou, até mesmo, uma outra dimensão. Às vezes fico chateada com o meu mundo moderno e me pego pensando como seria se eu estivesse no século XIX, usando grandes vestidos e lendo um livro único feito à mão. Muito provavelmente isso não teria acontecido, acho que a nobreza estaria longe de mim, no máximo eu seria uma camponesa.

   Só então notei que eu não tinha movido um dedo sequer. Mal posso acreditar que vou andar num carro desses, é inacreditável. Não deveria estar tão ansiosa assim, o passeio —se é que posso chamar dessa forma— não vai ser nenhum pouco agradável. Resolvo então dar a volta ao carro e entrar, até porque não tenho outra escolha. O banco é confortável, cheiroso e revestido a couro, noto que Alec me olha pelo canto do olho e tento me manter calma e séria. Não acredito que estou dentro de um Austin-Healey 3000.

Não posso ignorar o fato de que estou ao lado do cara que me tirou de casa às forças, é difícil não relembrar aquela cena a todo instante. Parece que estar ao lado dele é estar de volta horas e horas antes, quando me segurou firme e quando tive, por um breve momento, a sensação de estar prestes a morrer. Meu corpo todo arrepia ao lembrar novamente dessas cenas, mal dá para acreditar que aconteceu hoje cedo.

   O trajeto da casa dos originais até a casa de minha avó não é tão longo e eu e Alec não trocamos sequer uma palavra. Agradeci mentalmente por não ter aberto a boca, mas é ainda pior com o silêncio pairando sobre nós. Fiquei observando as casas, cachorros e pessoas ficarem para trás enquanto o vento batia no meu rosto, fazendo meus cabelos voarem. Por alguns minutos deixe-me levar, sentindo meus pensamentos confusos e meus problemas voar ao vento, mesmo sabendo que mais tarde me encontrariam. Até esqueci que Alec estava ao meu lado e que estávamos indo em direção à minha quebra de promessa.

   No horizonte há pequenas casinhas e atrás delas um enorme manto alaranjado que vai se desfazendo até virar azul. É uma bela paisagem e em outra hora eu estaria encantada com o pôr do sol, mas é difícil ter esse encanto com um monstro ao meu lado. A rua possui tons diferentes, uma mistura de laranja pastel com o cinza do asfalto, já as casinhas silenciosas e quietas, raramente via-se algum movimento.

Olho para o lado e vejo os olhos semicerramos e concentrados de Alec, suas mãos deslizando pelo volante e seus cabelos encaracolados claros voando assim como os meus. Tenho vontade de fazê-lo algumas perguntas sobre o que aconteceu na casa dos originais, mas desisto. Sinto que não é um bom momento, levando em consideração os restos de preocupação em seu rosto.

   "Tem algumas garotas lá dentro." Começo assim que viramos a esquina da padaria —a que fica ao lado da casa. "Elas não sabem de nada sobre... essas coisas de vampiro. Você vai ter que ficar aqui até eu inventar uma mentira para elas."

   Mentiras, repito mentalmente. Estou fadada a viver com esta palavra pelo resto da minha vida, não importa o que eu fizer ou disser, ela sempre irá me acompanhar.

   Alec concorda com a cabeça e me impressiono com a facilidade da nossa comunicação, apesar de só eu ter pronunciado algumas palavras. Provavelmente ele não se importa com nada disso ou não quer falar comigo, mas acho que seja a mistura dos dois. Assim que desço do carro, dou uma olhadinha breve para a máquina —nunca vou esquecer que um dia andei num Austin-Healey 3000.