A Bruxa

Capítulo 16

Não ouço nada além do farfalhar de vozes distintas e distantes, quase num sussurro e como zumbido chato de muitas moscas juntas. Faz meia hora que observo os movimentos do outro lado da janela, no começo observando as pessoas caminharem, conversarem, sorrirem e viver normalmente suas vidas normais.

Freya —a moça bonita, alta e loira— prendeu-me nessa sala com algum feitiço de proteção ou algo do tipo. Não me disse o porquê e nem ao menos falou uma palavra comigo —quer dizer, falou sim, mas nada além de "cala a boca e continua a andar"— no caminho até o segundo andar.

Ainda estou apavorada com o que possivelmente acontecerá comigo e como toda essa história terminará, nada está resolvido e claro, pelo contrário, tudo parece estar quebrado e faltando peças. Sei que eles não foram completamente sinceros e quem sou eu para achar que seriam assim comigo, mas tenho certeza de que há muitos fios soltos e perdidos por aí. Só espero não perdê-los.

Não posso negar a elegância que esta sala é de tão magnífica. Aposto que a decoração é a mesma do século passado, ou talvez mais até. Há uma enorme estante de livros cobrindo a menor das enormes paredes do cômodo, se observar bem, todos os livros são feitos de capa-dura e se não me engano, feitos à mão. Há também um par de poltronas muito provavelmente caríssimas, todas com estufados macios e confortáveis. No centro delas há uma mesinha de centro com os pés de madeira e a parte de cima composta por um vidro, tudo muito limpo e bem arrumado. Quase não é possível ver resquícios de parede por causa dos objetos, mas quando há é notório o desgaste.

A porta protegida por um feitiço invisível aos olhos mas fatal ao toque, dá diretamente para o corredor e ao lado esquerdo no fim do mesmo há uma escada que leva ao pátio, um pouco mais a frente após um grande vão há a mesa onde eu estava. Não foi difícil decorar, o caminho é rápido e a casa não parece ser um labirinto, bom, pelo menos essa parte não.

Sentia-me relativamente bem —de certa forma, não totalmente— se não fosse pelo o silêncio. Parecia piorar ainda mais a situação. Tudo o que eu tenho é a minha mente e mesmo se mentisse, minha cabeça é totalmente paranóica. Portanto, numa situação dessas sem saber o que me espera daqui algumas horas ou antes disso, não posso ficar sozinha apenas pensando. Também não quero que algo de ruim aconteça comigo e na verdade, para começar, nem queria estar aqui.

Através dessa janela —agora, neste exato momento— não vejo mais apenas pessoas caminhando e vivendo suas vidas normais, vejo mais que isso e o sentimento que emite em mim não é o melhor. Sinto inveja de suas vidas e paro para pensar como seria se eu estivesse entre elas como uma pessoa comum. Sei que estou no Quarteirão Francês e que aqui é casa dos originais, percebi isso quando notei a semelhança dessa rua movimentada com a do Rousseau's Bar e o que Louise havia me dito.

   Sabia que esteve tão perto dos originais?

   Estava tão óbvio e acredito que este seja o real motivo de eu não ter notado. Sei que sou um pouquinho desligada e confusa, mas deveria ter prestado mais atenção... Sempre digo isso a mim mesma, mas nunca parece funcionar. Quanto mais repito isso, mais lerda fico.

Mas ainda assim não sinto uma pontada de felicidade fluir pelo meu corpo há muito e muito tempo.

   Cheguei a pensar numa possibilidade de pular a janela e fugir, mas 1) é muito alto, e 2) assim como a porta, ela também é protegida. Devo admitir a mim mesma que não vou conseguir sair daqui sozinha, só espero que Louise esteja bem.

   Num barulho ensurdecedor, sou interrompida por uma sequência de passos fortes e pesados. Num movimento rápido, afasto-me da janela e mantenho-me quieta atrás de uma das poltronas. A distância entre mim e a porta não é grande, mais ou menos uns três metros, mas foi o suficiente para ver a silhueta de Freya aparecer.