A inocência perdida

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Melina era uma criança como qualquer outra: alegre, agitada e bastante curiosa. Ela estudava em um colégio particular, era classe média-baixa e filha única de uma dona de casa e de um mecânico.
Como seu pai trabalhava todos os dias até tarde, não tinha como levá-la nem buscá-la no colégio, então ela ia de transporte. O transporte era clandestino, um carro pequeno para 7 crianças, 3 de colo, uma delas era Melina.
As outras 4 crianças eram consideradas adolescentes ao ver das 3 menores, pois eram maiores que elas e falavam sobre coisas que elas não faziam ideia e não entendiam ainda. E faziam coisas que elas não entendiam também. Não faziam ideia.
Melina era a mais calada de todas, ela tinha muita vergonha, e de qualquer forma, o que ela falaria, afinal?
Havia uma garota, em específico, que sempre queria que Melina sentasse no seu colo, Milena era seu nome. No começo Melina adorava ficar com ela, elas trocavam algumas palavras no caminho de ida e volta. Ela era a pessoa que ela mais conversava, e de quem​ mais gostava.
Até certo dia.
Milena começou a tratá-la diferente, exigia que ela sentasse no seu colo sempre, se não o fazia, ela ficava com raiva, e castigava a menina, com beliscões e arranhões em suas coxas. Melina passou a odiar ir de short-saia para a escola. As vezes ela alisava a menina, de um jeito que deixava Melina desconfortável, e se reclamava, era castigada novamente.
E eram assim todos os dias.
O peculiar, era que sempre o motorista parava à porta de sua casa, Milena dizia a menina:
- Mande um beijo para sua mãe.
Mas ela nunca mandava. Nunca dizia nada.
O assédio moral/sexual constante estava a incomodar a pobre Melina de uma forma, que ela começou a se repudiar. Queria contar para alguém, fazer alguém notar. Mas ninguém notava, ou fingia não notar.
As vezes sua mãe notava uma brancura no rosto da garota, mas ela apenas dizia:
- Não foi nada, mamãe. Não aconteceu nada.
O seu primeiro beijo foi com aquela menina, um beijo com raiva e nojo, um beijo no qual ela nunca irá se esquecer.
Repudiava-se.
- Mamãe, uma amiga minha do transporte mandou um beijo pra você.
- Tá, amanhã você diz que eu mandei outro.
Repudiava-se.
Ela tocava em suas partes íntimas as vezes também. E não era sem querer.
Melina odiava a hora da saída do colégio, o que era incomum para alguém de sua idade.
Um dia, Melina chorou antes de entrar no carro, quando viu o rosto de Milena, no lugar de sempre, à sua espera.
- Vamos, entra logo. Tá chorando por que? Perguntou o motorista.
- Eu não quero ir. Respondeu Melina.
- Não quer ir pra casa?
O olhar de Melina encontrou o de Milena, que estava com uma sombrancelha levantada, à espera da próxima ação de Melina.
Melina finalmente criou forças e entrou no carro.
Nesse dia ela foi castigada novamente.
Ela não se recorda de como essa história terminou. Só sabe que demorou, e que foi horrível enquanto durou. As vezes nem dormir direito ela conseguia. Não falava muito na escola, as vezes não tinha ânimo para brincar no intervalo. Deixou de viver como uma criança normal de sua idade.
Ela acha que mudou de transporte, mas não se lembra do motivo.
Só sabe que ela nunca contou nada, a ninguém.
Por que deveria, na verdade? Milena dizia que a amava, e que aquilo não era errado, muito pelo contrário.

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