O depoimento​ de um cidadão de bem

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Decidi então passar em uma lanchonete antes de ir para o colégio. Já estava familiarizada com alguns atendentes de lá, e gostava deles. Também conhecia de vista alguns clientes que sempre iam lá, deles eu não gostava muito.
Há uma pequena televisão que fica em canto superior, acima do balcão. Logo, quem se senta nos banquinhos giratórios tem uma visão privilegiada dela.
Aquela hora da manhã estava passando o jornal local, com alguns fatos do dia anterior, quando surge a seguinte reportagem: "mulher é morta após denunciar marido, ele quis vingança". Não estou prestando muita atenção nela, pois estava tomando meu café e lendo um livro. Após alguns minutos, o cara ao meu lado começa a ter uma conversa com uma das garçonetes, tive vontade de morrer com o que eu ouvi.
"O cara tem que pegar e começar a bater desde o começo, assim ela se acostuma e não inventa de denunciar. Agora eles quer começar a bater depois, aí elas querem ter direito!". A garçonete responde: "elas querem não, elas tem o direito, quem não tem direito de bater são os homens. A mulher devia era jogar água quente no ouvido dele quando ele tivesse dormindo!" e ri com a expressão que ele faz. Eu riu e concordo com ela, mas tive vontade de vomitar quando ele abriu a boca novamente.
"Eu mesmo comecei a bater na minha ex desde cedo, tinha uns 2 anos de casado. E toda vez ela falava 'amor, essa é a última vez, não é?', e eu sempre respondia que sim, mas não tem jeito! Ela sempre fazia raiva, sempre fazia​ besteira!". Ele falava tudo isso com um ar de riso, e como se estivesse com orgulho do que fazia.
A garçonete o serviu e saiu de perto.
Mas ele não calava a boca.
"Ela vivia na casa da vizinha, ficava fazendo comida lá, eu chegava em casa e não tinha comida, a obrigação dela era me servir, não servir a vizinha!". Consegui perceber que a garçonete tinha revisado os olhos, e as outras olhavam com espanto para aquele homem. Tive vontade de entrar no meu livro e ficar por lá mesmo.
E não para por aí.
Ele começa a citar objetos que ele usava para agredi-la, e como agredia a mesma. Falou como reagiu quando ela o traiu. "Foi a maior 'pisa' que eu já dei na minha vida!".
Depois de mais alguns minutos insuportáveis dele falando aquelas coisas, ele se cala, paga a conta e vai embora. As mulheres começaram a murmurar e dar 'graças a Deus' por ele ter ido.
Confesso que não reagi muito diferente.
Terminei, enfim, o capítulo em que eu estava, paguei meu café e segui para o colégio.

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