Em algum lugar, em algum momento, alguém havia dito a Nadia que psicopatas não sonham. Não conseguia se lembrar quando, como ou por que aquela informação havia chegado até ela, mas se lembrava bem do sentimento de alívio ao ouvir aquelas palavras. Nadia sonhava sempre. Todas as noites em que conseguia dormir. E por incrível que pareça, nem sempre os sonhos eram ruins.
Ela nunca havia conseguido comprovar aquela informação, pouco se tinha registros sobre e provavelmente não passava de um achismo qualquer, mas ela gostava de se prender a ideia de que apesar de tudo que tiraram dela, ela ainda era uma pessoa capaz de sentir.
Naquela noite, ela sonhou com seu pai. Não com sua morte ou com o cárcere, mas com momentos felizes de sua infância na Romênia junto com o nascido russo que nunca havia tido tempo de amar ninguém até a pequena Mihaela ser entregue a ele por um casal desesperado por suas vidas. A pequena garota, na época com não mais do que quatro anos de idade, chorava muito no começo. Ele tentava acalmá-la com sorvete, bichos de pelúcia, idas ao circo. Mas ela só ficava tranquila de verdade quando ele a deixava entrar em seus laboratórios e misturava qualquer componente químico inofensivo para vê-la se encantar ao ver o conteúdo do frasco mudar de cor, quando se sentava ao lado dela para fazer seus relatórios e lhe dava um papel e caneta que ela usava para desenhar imagens desconexas e escrever palavras avulsas em polonês, russo e romeno, quando a levava para a sala de aula nos eventos em que tinha de lecionar alguma aula magna nas universidades do país. Ela sempre fora uma garota curiosa, esperta, e ele sempre soube que ela seria importante. E naquela noite, ela sonhou com uma das vezes em que esteve numa sala de aula com ele, só os dois, brincando de forca no quadro negro enquanto ela corria contra o tempo para decifrar a palavra que seu pai escolhera antes de matar o pobre bonequinho enforcado. A sala estava cheia de risadas e ela sentiu um conforto tão grande ao visualizar a imagem de Costel tão vívida e feliz.
O barulho de louça caindo no fundo da pia, no entanto, fez com que ela despertasse rápido. Abriu os olhos com pressa, sentindo-os lacrimejarem quando a claridade os invadiu. Sentiu o peso da pistola carregada repousando na altura de seu estômago e olhou para o sofá ao lado, não vendo James.
– Aparentemente você confia em mim o suficiente para dormir na minha presença – ouviu a voz dele vinda da cozinha. O deboche era nítido no tom que ele escolheu para pronunciar as palavras, e ela se pôs sentada para que ele entrasse em seu campo de visão.
– A menos que você esteja fervendo essa água pra jogar no meu ouvido no meu momento de vulnerabilidade, você de costas pra mim assim também indica que sou digna de alguma confiança – ela retrucou. Esfregou os olhos e encarou o relógio na parede. O dia mal havia amanhecido.
Começou a se alongar aos poucos, das pontas dos dedos ao topo da cabeça, avaliando os lugares onde a dor estava pior. Não se surpreendeu ao sentir que estava quase inteiramente bem de novo, o pescoço continuando a ser o maior dos problemas. Se espreguiçou, soltando um pequeno grunhido com o ato, e se levantou devagar sabendo que, do contrário, sua vista iria escurecer por alguns instantes. Tirando o fato de James Buchanan Barnes estar em sua cozinha e seu pescoço estar se recuperando de uma tentativa de estrangulamento, era mais uma manhã normal.
Se esgueirou até o banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes, e vendo o ninho de ratos que estava se cabelo, também o prendeu, observando melhor as marcas que teriam que ser cobertas com maquiagem mais tarde. Voltou para a sala e sentiu cheiro de café, sendo atraída até a cozinha. Ele estava com duas xícaras na mão e entregou uma para ela antes de puxar uma cadeira e se sentar à mesa que tinha uma cesta de frutas no centro. Ela se apoiou no armário, abrindo a janela e acendendo um cigarro antes de se pronunciar.
– Você tá se sentindo bastante à vontade, huh.
– Já que nos conhecemos há setenta anos assumi que poderia dispensar as formalidades – respondeu num murmúrio. Ela soltou uma risada baixa, mas além disso, não continuaram a conversa.
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Wires
FanfictionAntes da queda da SHIELD em DC, o Soldado Invernal era considerado um fantasma. E depois de tudo que tinha acontecido, ele havia voltado a ser um. As pessoas sequer tinham certeza de que ele existia de fato. E Nadia tinha muitos fantasmas em sua vid...