– Pra onde você iria – ele começou num sussurro – caso conseguisse sair daqui?
– Eu não tenho pra onde ir – o sussurro dela soou ainda mais baixo e fraco do que o dele. Então se virou de lado para encará-lo. – Você tem?
Negou com a cabeça. Continuou olhando para o teto, acompanhando as linhas de rachadura que, como nuvens, desenhavam uma série de formas dependendo do ângulo em que eram olhadas. Sentia falta das nuvens, pensou. E se sentiu ridículo porque nunca as havia valorizado antes de ser jogado naquele subsolo frio e úmido que não fazia ideia de onde ficava.
– Às vezes eu sonho – a voz baixa dela chamou sua atenção novamente. – Me lembro da casa onde eu cresci. Consigo enxergar as cores, sentir os cheiros... não parecia tão bom assim quando eu estava lá, mas agora – olhou em volta para a sala cinzenta e úmida e deu uma pequena risada sem humor – parece perfeito.
– Me fale sobre lá – ele pediu.
– Eu gostaria, mas eu não... não me lembro o suficiente. O que fizeram com nós... – fez uma pequena pausa. – Eu me lembro de cores, risadas, e cheiro de pão quentinho. Sempre tinha cheiro de pão quentinho.
Ele sorriu. Pela primeira vez em muito tempo não era um sorriso triste. Queria dizer para ela que ela voltaria lá um dia, e que tudo ia ficar bem, mas sabia que era mentira. Eles nunca sairiam dali. Mas ele achava que, se saíssem, um lugar colorido com risadas e cheiro de pão seria um bom lugar para se estar.
– Parece muito legal – ele sussurrou depois de alguns instantes em silêncio. Suas mão estava entrelaçada na dela, mas ela havia parado o carinho sutil que fazia no polegar dele, então ele assumiu que ela tinha dormido.
– Rua Madgearu Virgil, 28, apartamento 705. Bucareste, Distrito 1, 014135 – foi o que ela disse em seguida. – Eu posso não me lembrar de mais nada. Mas eles nunca vão tirar isso de mim.
Ele apertou a mão dela com mais força, vendo-a sorrir. Ela estava deitada em um banco de concreto, ele no chão. E ele quis acreditar naquilo. Mas quando acordou, no meio da madrugada, ouviu os gritos dela no fim do corredor e se encolheu abraçando os próprios joelhos. Quando ela voltou, pálida e com as marcas que a velha conhecida máquina deixava no rosto, não se lembrava de quem ele era.
Barnes acordou num susto. Não saberia dizer se tinha gritado durante o sono ou se tinha apenas imaginado ouvir a própria voz ao despertar. A roupa estava colada nele por conta do suor e ele imediatamente se sentiu imundo. A primeira coisa que fez, porém, foi tatear o chão ao lado da cama em busca de papel e caneta. Esfregou os olhos, acendendo a luz do abajur e escrevendo freneticamente. Sonhei com ela mais uma vez, começou. E ao terminar de relatar o sonho, voltou algumas páginas procurando um padrão nas imagens que seu inconsciente projetava para ele toda vez que ele fechava os olhos para dormir. Sabia que eram todas reais, mas não poderia garantir até que ponto. Porque em todas elas ele sentia algo por Nadia, e não sabia dizer se aquilo realmente fazia parte das lembranças que resolveram voltar ou se era apenas uma projeção da forma que ele se sentia atualmente afetando a veracidade e sua perspectiva sobre o passado que tiveram.
Não que fosse assim tão difícil acreditar que ele chegou a sentir algo por Nadia enquanto eram prisioneiros da HIDRA. Mas tudo naquelas memórias era carregado de coisas tão ruins que ele se surpreendia por algo bom ter sobrevivido àquilo. E agora, graças ao último sonho, ele sabia que não era por acaso ele estar ali, em Bucareste, na Romênia, naquele prédio do subúrbio. Ele podia não se lembrar de nada e ter acreditado ser uma coincidência o tempo todo, um impulso de sobrevivência o mandando para um lugar neutro. Mas agora sabia que era ela.

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Wires
FanfictionAntes da queda da SHIELD em DC, o Soldado Invernal era considerado um fantasma. E depois de tudo que tinha acontecido, ele havia voltado a ser um. As pessoas sequer tinham certeza de que ele existia de fato. E Nadia tinha muitos fantasmas em sua vid...