To Build a Home

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Otávio contemplou a frente de sua nova casa silenciosamente, enquanto Mariana e Randolfo subiam os quatro degraus da entrada carregando caixas. Ainda estava atordoado com a rapidez da mudança, cansado da longa viagem, e seus pensamentos fluíam sem as barreiras de costume. Aquela casa, com um jardim de ervas daninhas na frente e a fachada implorando por uma demão de tinta, seria seu abrigo pelos meses vindouros, enquanto se estabelecia em Ouro Verde e tentava encontrar um futuro para si. Os seis primeiros meses do aluguel já estavam pagos.

O que faria com todo esse tempo? Não havia decidido. Em um momento de loucura aceitou o convite do irmão para fugir de Campinas e respirar novos ares. A carreira militar, abandonada; a faculdade terminada, mas sem perspectivas para o futuro. Sentia-se um tanto perdido, sem raízes. Como se vivesse dia após dia sem pertencer a lugar nenhum.

Um soco brincalhão em seu braço o tirou de seus devaneios.

- Já encontramos e conseguimos a casa para você, agora temos de mobiliar e decorar também decerto? - Mariana perguntou.

- Não vejo porque não, já que são tão prestativos e queridos, pensando apenas no meu bem-estar. - Otávio rebateu, com a voz mais séria e arrogante que conseguia imitar.

- Seu bem-estar inclui exercitar esses músculos, soldado! Tocar clarineta não fortalece os bíceps até onde sei. - Com uma piscadela, a moça de curtos cabelos castanhos empurra um estojo desajeitadamente em sua direção, deixando Otávio ultrajado.

- Para quê tomar cuidado com os pertences dos outros, não é mesmo? - diz exasperado, segurando com força o estojo contra o peito antes que caísse ao chão.

- M-m-mariana, n-n-ão devia br-br-brincar assim! S-sabe que é uma relíquia - Randolfo disse, franzindo a testa.

- Ela não se importa com a arte nem com a história, e eu não esperava mais dela. - disse Otávio, caminhando em direção a porta de entrada. Não estava bravo de verdade com Mariana, mas essas cenas eram parte da amizade deles: ele fingia um drama que não sentia e ela fingia que acreditava na encenação. Discutiam por esporte, para animar e preencher os espaços quando estes oprimiam a alma. Para se distraírem quando algo os afligia, para fingir que a vida era mais fácil e descomplicada do parecia ser. Aquela nova casa, todo aquele ar puro, já deixavam de sufocá-lo - este era o poder de Mariana, lembrá-lo de olhar para fora de si mesmo e perceber o mundo ao seu redor sem sentimentalismo e ansiedade.

Poderia sentir-se perdido e estar flutuando na incerteza de tão poucas expectativas, mas tinha duas pessoas que o mantinham em terra firme, e isso haveria de bastar.

...

Os livros já estavam organizados na estante, as roupas já estavam no armário. Otávio sentia-se exausto, porém satisfeito com o resultado. Sua nova casa já lembrava um lar.

Ouviu o portão se abrindo e se dirigiu à porta, pensando que era Randolfo voltando com a comida. Abriu a porta pronto para reclamar da demora, quando um sorriso nervoso surgiu em seu rosto.

- Otávio, muito prazer em conhecê-lo, finalmente! - Dona Nicoletta o abraçou, pegando-o de surpresa. - Que tal a casa? Como veio antes do previsto não tivemos tempo para arrancar o mato e tudo o mais, mas não se preocupe, bambino, meu filho mais novo já prometeu vir cuidar disso.

Ela era como ele havia imaginado: a perfeita matrona italiana de sorriso fácil e mãos inquietas; mas sua voz enérgica demonstrava força e pouca paciência para bobagens. De repente, Otávio se sentiu tímido e quis que Mariana e Randolfo estivessem ali ainda.

- Eu agradeço muito, Dona Nicoletta. - disse, exibindo seu sorriso mais confiante para afastar o nervosismo. - A casa é perfeita, os cômodos são espaçosos, as janelas grandes... Quanto ao resto, eu me viro, não precisa incomodar seu filho com isso não.

- Imagine! É minha obrigação como proprietária te entregar a casa em perfeito estado. A menina Mariana me disse que você viria semana que vem, mas o senhor se adiantou muito. - ela apoiou as mãos na cintura e suspirou. - Ora, paciência! Passei aqui só para desejar boas vindas! Espero que seja feliz nessa casa, era de meu avô, que Deus o tenha. Está aqui há muito tempo, desde que o trem chegou a Ouro Verde! Mas isso é conversa de velhos. Amanhã cedo te telefono para avisar quando o meu Luccino vem.

- Mas já vai? Não gostaria de um café? Adoraria saber mais sobre a cidade. - disse Otávio, apesar do cansaço aparente em seu rosto.

- Não se preocupe, outro dia conversamos! - disse a senhora, andando apressada - Minha filha Fani está me esperando no carro, vamos visitar as meninas Benedito. Seu irmão vai se casar com uma delas, não é mesmo?

- Sim, com a Lídia. - respondeu Otávio.

- Lídia! Arteira que só. Essa menina deu mais trabalho que todas as irmãs juntas. Mas tem um bom coração e é isso que importa. - disse Nicoletta, sorrindo pra si mesma, já passando pelo portão - Até logo, Otávio! E seja bem vindo!

- Até. - disse baixinho pra si mesmo.

Ma FleurOnde histórias criam vida. Descubra agora