Lestat aproximou-se de mim, em passos quase sincronizados, ao mesmo tempo em que batia palmas de forma lenta e zombeteira. Ele jamais perderia uma oportunidade de se divertir às minhas custas.
- Louis...Louis... O tempo passa mas você jamais muda. Ratos, galinhas, agora corsas. Não me diga que anda sugando sangue de baratas também, imagino?! - Ele deu uma gargalhada, olhando-me como se eu fosse uma piada encarnada.
- O que você está fazendo aqui? Depois de todo esse tempo.... - Olhei-o atentamente para me certificar de que sua presença era real, piscando os olhos. Eu não sabia o que pensar e nem o que sentir ao vê-lo; uma mistura de sentimentos de apossou de mim. Eu não sabia descrever se era raiva, alegria ou espanto. Creio que seja um pouco de cada.
- Digamos que eu merecia conhecer e aproveitar tudo o que o século XXI tem a oferecer. E depois, desejava umas férias demoradas. - Ele riu, e começou a passar a ponta de seus dedos finos e longos nos meus cabelos compridos. - Você continua belo, meu amigo. Mas eu não me surpreenderia se continuasse um tolo.
- Você não me deu uma resposta satisfatória,Lestat. - Dei um sorriso, cínico, enquanto eu afastava delicadamente seus dedos de mim.
- Eu pretendia falar com você ontem à noite, na casa onde você encontrou meu corpo moribundo antes de eu fugir com aquele repórter. Mas senti um cheiro feminino ao seu lado, achei que você finalmente estava começando a agir como um vampiro de verdade. Mas pelo o que vejo, certas coisas nunca mudam.- Ele olhou com repulsa para o corpo da corsa, cutucando seu pescoço com a ponta da bota e depois esfregando-a na grama, como se tivesse acabado de tocar um verme.
Então Lestat sempre esteve por perto! Como que eu não pude perceber a sua presença ontem? Será que meus novos sentimentos recém descobertos e relacionados à Morgana me fizeram desperceber o cheiro dele? Pela primeira vez na vida eu acreditava que sim,e aquilo me espantou. Lestat parecia se divertir cada vez mais com a minha cara de espanto, porém seu sorriso foi diminuindo ao ligar os pontos. Seu riso de contentamento deu lugar a um ar de riso de espanto.
- Ah não.... Não, não e não Louis. Eu não acredito nisso. Me recuso a acreditar!
- Do que você está falando? - Tentei parecer o mais concentrado e sério possível, mas ela tinha a irritante capacidade de me ler como um livro aberto. Sempre lamentei por deixar transparecer tanto minha emoções, um grande defeito.
- Você estava.... flertando? Você está apaixonado? Está, não está? Ah meu amigo! Meu grande idiota, como você ousa se apaixonar por uma humana? Até quando você vai desonrar a sua natureza? Você é um vampiro, Louis, nós somos! Vampiros não amam ninguém! - Lestat bufou com raiva, andando em círculos no mesmo lugar ao mesmo tempo em que passava a mão por seus cabelos.
- Ouça, Lestat...
- Eu já sei o que você vai falar! Mas acho que você se esqueceu muito bem do que aconteceu quando você sentiu alguma coisa pelo sexo feminino. Ou será que devo lhe lembrar do que aconteceu com Cláudia e....
O sangue me subiu a cabeça. Durante mais de 200 anos tentei esquecer a dor e sofrimento que senti ao ver o fim que minha pequena menina teve, a quem eu dediquei meu tempo e meus dias, a pequena criatura que eu amei como um irmão e cuidei como um pai. E quando eu finalmente acreditava ter superado um dos episódios mais tristes de minha vida imortal, Lestat a tira das profundezas do meu subconsciente. Tomado de raiva, avancei em alta velocidade contra ele, jogando-o contra um tronco de árvore e segurando-o pelos ombros com força e com as duas mãos.
- NÃO FALE O NOME DELA! COMO VOCÊ OUSA FALAR DELA, SEU MALDITO? - Eu gritava, sentindo meus olhos arderem. Instintivamente coloquei minhas presas para fora, mas ele ria de mim sem temer absolutamente nada, parecendo não se incomodar com minha tentativa de sufocá-lo.
- Ora, vamos, acalme-se meu amigo! Eu só estava tentando abrir essa sua linda cabecinha, mas esqueça, você nasceu um vampiro idiota e será assim até a eternidade.
Não vim aqui para brigar mas sim para lhe contar uma coisa.... Aí! Merda, está começando a me machucar!
- Me dê um bom motivo para não estrangulá-lo agora mesmo! -Rosnei.
- Acredito que você mudará de ideia e me ouvirá quando eu disser que vim encontrar Armand.
Arregalando os olhos de espanto, recolhi minhas presas e soltei-o devagar, enquanto ele esfrega os ombros e praguejava baixo contra mim.
- Armand.... Armand está aqui? Porque? - Sussurrei, ainda sem acreditar, fitando o vazio da noite. Armand, o vampiro líder da comunidade vampírica que eu massacrei a mais de duzentos anos, numa forma de vingança por terem destruído minha doce Cláudia, estava em Nova York. Eu não sabia mais o que pensar, eram muitas descobertas e sensações simultâneas em apenas uma noite. De repente, era como se eu voltasse no tempo, onde todos os fantasmas que fizeram parte do meu passado viessem a tona, como se o século XXI não existisse mais.
- Sim, ele está aqui. E marcou uma reunião conosco amanhã a noite, nesse mesmo ponto. Foi por isso que eu voltei à Nova York e deixei-lhe aquela revista como pista para que você me encontrasse. Depois do que Armand me contou, eu não tinha escolha.
- Mas o que ele quer afinal? Por favor me diga.- Implorei.
- Eu não posso contar nada, Louis. Mas uma coisa eu posso adiantar: algo muito maior está para acontecer. Nova York inteira se tornará uma banheira de sangue. O mundo estará com os olhos voltados para os vampiros.
Ele pegou sua guitarra que ainda estava encostada no mesmo lugar e me fitou com os olhos amarelos que brilhavam de um jeito sombrio.
- Devo ir agora. Até amanhã, neste mesmo horário. -E dando um enorme salto em direção às copa das árvores, Lestat sumiu de vista.
Tentei digerir tudo o que eu havia ouvido até então, mas nada fazia sentido. Frustrado por ter que esperar até amanhã, dei meia volta pronto para ir embora, e talvez pensar com mais calma quando chegasse em casa mas notei uma pequena luz ao longe do outro lado da floresta. Esgueirando-me pelos pinheiros, aproximei-me da forte de luz e escondido atrás de um carvalho, vi que uma pequena fogueira estava acesa. De repente, meu coração deu um salto e um cheiro deliciosamente familiar alcançou minhas narinas: Morgana estava lá, mas não estava sozinha. Diante dela estava um rapaz, com uma garrafa de cerveja quebrada nas mãos, parecendo embriagado mas agressivo.
- Você não vai negar o que eu estou pedindo, sua puta!
- Me deixe em paz, Parker! Você sabe muito bem que eu não quero! Achei que a gente tivesse vindo aqui acampar escondido! Vamos embora agora! Você está me assustando!
- Ir embora é o caralho, você vai me chupar agora! - O desgraçado gritou, segurando-a pelo pescoço com uma mão, enquanto tentava abrir o zíper de sua calça com a outra.
Senti uma raiva pior do que a que senti por Lestat a poucos minutos atrás e fechei os punhos. Senti meus olhos ficarem vermelhos, algo que acontecia quando eu atingia o ápice da minha raiva.Minha mente entrou em conflito: intervir ou não? Não intervir significava deixar Morgana ser estuprada; intervir significava expor minha verdadeira natureza e correr o risco de ser vítima de mais uma entrevista, só que não tão boa e quem sabe amarrado na fogueira.
Não. Não havia tempo para pensar. Morgana precisava de ajuda. E foi caminhando em passos decididos que eu resolvi sair das sombras e em velocidade imperceptível aparecer atrás do agressor.
- Nem pense em uma coisa dessas, seu merda.
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Pesadelo e Luxúria - Mais crônicas vampirescas
UpířiMais de vinte anos se passaram após Louis ter avistado Lestat, após dar sua entrevista, que ficou conhecida por todo mundo e levada a sério por quase ninguém. Seguindo uma vida solitária, Louis se sente cada vez mais sozinho e melancólico, por achar...