O retorno de uma estrela

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Fazia muito tempo que eu não tinha notícias de Lestat, o responsável pela minha desgraça eterna, o meu karma. Eu não senti o menor desejo de acompanhá-lo em suas artimanhas, na época em que o vi pela última vez, seja lá o que ele fosse planejar neste século, mas eu também não serei hipócrita em dizer que nunca mais pensei nele. Seu sangue e seu ser sempre ficariam em minha corrente sanguínea,e enquanto eu continuar existindo, eu poderia sentir caso ele estivesse por perto, uma vez que nossa conexão é eterna. Mas ele jamais esteve por perto.
E em uma dessas noites (entre tantas!) em que eu me indagava onde ele poderia estar que resolvi sair para uma caçada. Minha pobre humana havia conseguido uma galinha, mas eu estava com vontade de sentir o gosto quente e adocicado desse líquido extraído na hora. Dando a desculpa de que eu precisava sair para clarear as ideias,fui logo afastando-me da cidade, correndo de forma imperceptível aos olhos humanos e subindo por uma trilha em uma montanha até chegar ao topo, onde uma pequena floresta às minhas costas aguardava por mim. Eu podia ver o brilho da cidade ao longe e como meus sentidos eram bem mais apurados, eu conseguia ver com detalhes as estrelas cadentes e um pedaço da Via Láctea no céu, como uma enorme mancha de tinta branca que caiu sobre um tecido negro. Respirei o ar fresco da noite com satisfação.
Porém, percebi que pisara em alguma coisa: ao olhar para o chão, recolhi com uma das mãos uma edição de uma revista intitulada Rolling Stones. Eu já ouvira falar dela, uma revista voltada para falar sobre celebridades e seu sucesso. Mas o que me chamou a atenção foi ver que meu criador estava na capa. Em letras grandes e vermelhas havia o nome de Lestat e anunciando que ele pretendia voltar à sua carreira como vocalista da banda de rock que ele liderava, assim como também li uma frase, escrita entre aspas :" Me afastei devido à problemas pessoais e de saúde, mas estarei de volta aos palcos mais cedo do que meus fãs imaginam!"
Refleti alguns minutos sobre aquela afirmação.... Então quer dizer que Lestat esteve em apuros. Mas quando? E o que terá acontecido? Ele não tem se alimentado direito? Mil perguntas se passavam pela minha cabeça, nenhuma delas parecia ter resposta. Olhei para sua foto por mais alguns instantes: lá estava ele, sempre com seus cabelos dourados, levemente cacheados. Pele pálida, olhos amarelos. Agora possuía uma tatuagem no peito e suas unhas estavam pintadas de preto. Tentei ver se aquela edição pertencia ao mês atual, porém uma pequena mancha atrapalhava a leitura. Balancei a cabeça em sinal de frustração e após devolvê-la de volta ao chão, concentrei-me em caçar.
Consegui identificar com facilidade através da audição e do olfato que uma corsa estava a poucos metros de mim. Aproximei-me sorrateiro como uma serpente, satisfeito pelo animal estar de costas para mim, distraído com sua pastagem, e agindo quase que na velocidade da luz, saltei em suas costas, cravando meus caninos que já haviam se projetado para fora desde o momento que a vi.
O sangue era uma necessidade para mim e eu sei que na teoria eu já deveria ter me acostumado com esses momentos, até gostar disso. Porém, mesmo depois de séculos, o resquício de humanidade que ainda haviam em mim me faziam ver essa cena com desgosto. O sangue do animal jovem era delicioso para o meu paladar sobrenatural, mas o Louis humano, que ainda habitava em meu coração morto, sentia repulsa em ver uma vida animal inocente sendo tirada. Olhei para a corsa sem vida, e já sem uma gota de sangue e balancei a cabeça em sinal de desaprovação. "Os séculos vem e vão, e eu jamais vou gostar desses momentos", pensei comigo mesmo. Porém meus pensamentos foram interrompidos. Senti um cheiro inconfundível às minhas costas. Um cheiro que até poucos minutos atrás eu me perguntava se talvez sentiria de novo. Um maldito e familiar cheiro, que me fazia perguntar a mim mesmo se eu sentia alegria ou se lamentava sentir de novo. Virei-me de costas.
Lá estava ele. De braços cruzados, recostado no tronco de uma árvore, sorrindo para mim como o próprio diabo. Assutadoramente mais belo do que nunca, sem camisa e vestindo uma calça de couro negra rasgada nos joelhos e botas em estilo militar. Uma guitarra vermelha estava ao seu lado. Olhei-o em choque, limpando o queixo que pingava de sangue.
- Algumas coisas nunca mudam. Você deveria ver como você está ridículo em sentir pena de um animal morto, meu amigo! - Ele disse aquelas palavras de forma sarcástica, dando risada de mim, mas ao mesmo tempo as palavras saíram de sua boca de forma suave e doce, o que me trouxe um certo incômodo mas um estranho fascínio. Devo admitir que depois de tanto tempo na solidão era bom vê-lo.
- Olá, Lestat. A quanto tempo.

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