Reencontro

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No dia seguinte, apenas duas lembranças ocupavam minha mente: o retorno de Lestat, convidando-me para uma espécie de reunião e o beijo que Morgana e eu trocamos. Devo confessar que o último era o que mais me fazia sonhar acordando, distraído, e é claro que Mary percebera.
Ela quase nunca estava em casa, portanto passei a manhã inteira, como sempre, arrumando e limpando todos os cômodos para ela. O céu estava cinzento e a luz natural era pouca, parecia que já era bem mais tarde do que o horário marcado pelo relógio, mas eu sempre gostei de dias cinzentos, quando parecia que já estava anoitecendo. Mary havia me deixado um bilhete, pedido para eu lhe fazer um chá de hortelã, e enquanto eu enchia a chaleira, o telefone tocou.
- Alô, residência da senhora Brown? - Atendi, enquanto secava as mãos em um guardanapo de pano.
- Eu não sabia que você era mordomo. - Escutei uma risada familiar após essa frase ser dita e um sorriso imediatamente se brotou em meu rosto. Era Morgana.
- Pensei em você o dia todo. Confesso que você me tirou o sono.
- Acho que a culpada não foi eu, mas sim seu caixão que estava desconfortável. - Ela riu. -Você dorme num caixão?
- Não mais, tenho que me adaptar a modernidade. - Eu olhava pela janela, observando as folhas amareladas das árvores caindo delicadamente pelo gramado.
- O que vai fazer hoje a noite? Quer ir ao cinema? Hoje ganhei vinte dólares por ter aparado o gramado do vizinho, eu faço esses pequenos trabalhos enquanto não arranjo um emprego de verdade.
- Eu adoraria, mas não vou poder. Um amigo me convidou para um reunião na floresta hoje. Digamos que um certo conhecido nosso precisa nos dar um recado.
Nessa momento, amaldiçoei Lestat e Armand mentalmente por terem acabado com a minha oportunidade de tentar levar um vida de aparência normal, porém a frase "Nova York inteira se tornará uma banheira de sangue" voltou aos meus pensamentos. Eu precisava saber o que me aguardava, pois se de fato um mal estava por assolar o país, significa que Morgana correria perigo.
- Uau, uma reunião de vampiros! Seria ousadia minha pedir pra ir junto? Eu posso ficar observando escondida.
- Eu não sei se é uma boa ideia. - Sorri, passando a mão pelos meus longos cabelos. -Temos um faro muito apurado. Sentiriam seu cheiro sem o menor esforço. Não posso arriscar sua segurança. Não sei como estará o humor deles hoje.
- Ah qual é? Não tem nada que eu possa fazer? Nada para...sei lá.... Camuflar o meu cheiro?
Pensei comigo mesmo se haveria alguma maneira. Pelo visto, não haveria como eu me livrar dela aquela noite, então me convenci de que era melhor atender ao seu desejo do que encontrá-la escondida nos vigiando.
- Sim, há uma maneira sim. Me encontre na rua onde nós nos conhecemos às 19 horas. Por favor, não se atrase.
- Estarei lá. Até mais, Louis.

Quando a noite chegou, fui encontrar-me com Morgana no local combinado. Como sempre, ela estava linda, vestindo um casaco e calças de moletom negros e botas com cadarços, além de sua inseparável mochila. Seus longos cabelos estavam soltos. Me aproximei de seu rosto, e ela  tomou o meu em suas mãos, dando-me um beijo lento e delicado, e eu não pude deixar de repousar minhas mãos em sua cintura. Seu cheiro estava mais delicioso do que nunca.
- Você está pronta? - Sussurrei em seu ouvido, fazendo-a se arrepiar.
- Coloquei um crucifixo e uma coroa de alhos na mochila, por precaução. - Ela riu, dando-me uma cotovelada na costela em seguida.- Estou zoando com você.
Corri com ela em minhas costas; ela me segurando pelo pescoço e com as suas pernas entrelaçadas em minha cintura. Chegamos na entrada da floresta em poucos segundos.
Olhei ao redor para me certificar que estávamos sozinhos, uma vez que o que eu tinha para lhe dizer não poderia ser ouvido por mais ninguém. Uma coruja pousada num galho próximo nos observava com seus grandes olhos amarelos atentos.
-Preciso que beba metade desse líquido e a outra metade passe em seu pescoço, braços e pulsos. -Mostrei a ela um pequeno frasco de vidro que eu acabara de retirar do bolso do meu casaco.
- O que é isso? - Ela olhou atentamente para o frasco, segurando-o com as duas mãos e removendo a pequena rolha do frasco, cheirando-o em seguida.
- Chá de verbena. É uma planta nativa deste país e ela é literalmente um veneno para vampiros. Nos deixa fracos e vulneráveis. Geralmente um vampiro não consegue chegar nem perto do humano que carrega ou exala um cheiro de verbena, porém se o vampiro for tolo o suficiente de ousar tentar morder um humano que possui chá de verbena em sua corrente sanguínea, pode-se considerar praticamente morto, com poucas chances de sobreviver. É venenosa para nós, mas inofensiva para humanos.
Acariciei seu rosto com ternura, lembrando-me do quão fora difícil procurar verbena naquela tarde e mais difícil ainda prepará-la de forma que não entrasse em contato comigo.
-Você arriscou sua vida para me proteger... Agora sei que você está do meu lado esse tempo todo. -Ela sorriu, me abraçando com força. Correspondi ao seu abraço, porém comecei a captar cheiros familiares ao redor. Eles estavam chegando.
-Morgana, preciso que faça o que eu lhe pedi com a verbena agora. Eles estão aqui. Eu sei que prometi que ninguém lhe faria mal mas eu não sei quantos vampiros estarão na reunião e muito menos se já se alimentam hoje. Por favor, se esconda o melhor que puder.
-Está bem. É melhor você ir, já devem estar te esperando. - E após dizer isso,ela bebeu metade do chá de verbena e passou a outra metade nos locais em que eu lhe indicada. O cheiro estava começando a  ficar insuportável pra mim, então lhe dei um aceno de cabeça em sinal afirmativo e sumi dali rapidamente.
Cheguei ao local onde eu encontrara Lestat na noite anterior e lá estava ele juntamente com outros vampiros, todos sentados em círculo ao redor de uma fogueira. Um vampiro estava de costas para mim, mas eu sabia quem era. E ao vê-lo, os fantasmas do meu passado retornaram.
- Boa noite a todos. Espero não estar atrasado.
-Chegou na hora certa, querido Louis. - E o vampiro que estava de costas se virou lentamente para mim, dando-me um sorriso quase que ensaiado, com seus lábios vermelhos e seus olhos faíscando de prazer e glória:
-Louis... A quanto tempo...

Pesadelo e Luxúria - Mais crônicas vampirescasOnde histórias criam vida. Descubra agora